O mundo é redondo
Em 12 de abril de 1961, a bordo da Vostok 1, Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem a ser lançado no espaço. A nave media apenas 4,4 metros de comprimento por 2,4m de diâmetro, e pesava 4.725 quilos, com dois módulos, um para acomodar os equipamentos e tanque de combustível, e o outro era a cápsula onde o cosmonauta realizou a proeza de ser o primeiro ser humano a ver que o nosso planeta é redondo: “A Terra é azul! Como é maravilhosa. Ela é incrível!”, exclamou Gagarin, durante a única volta que deu em órbita. Aos 27 anos, ele havia sido selecionado entre 19 pilotos submetidos a testes físicos e psicológicos rigorosíssimos. Tinha somente 1,57m de altura e pesava 69kg, ou seja, seu porte físico acabou sendo um diferencial para a seleção, como acontece com submarinistas e jóqueis.
Quando entrou na nave, fez um comentário como se fosse o último: “Em poucos minutos, possivelmente, uma nave espacial irá me levar para o espaço sideral. O que posso dizer sobre estes últimos minutos? Toda a minha vida parece se condensar neste momento único e belo. Tudo o que eu fiz e vivi foi para isso!” Naquele mesmo ano, ainda criança, levado por minha mãe ao Monumento dos Pracinhas, no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de ver o Gagarin. A imagem que trago na memória não é a do seu porte físico, é a da multidão, e não a do seu sorriso cativante, que aparece em todas as fotos, classificado pelo poeta russo Evguêni Evtuchenko (1932-2017) como o mais bonito do mundo.
Isso é conversa de comunista, dirão os terraplanistas, numa dupla demonstração de ignorância: Evtuchenko e o então presidente da Rússia, Boris Yeltsin, lideraram os protestos que resultaram no fim da União Soviética e do chamado “socialismo real” no Leste Europeu. Não morra antes de morrer, seu livro em prosa publicado no Brasil pela Record, em 1999, relata a crise que levou ao colapso o sistema soviético, depois do sequestro de Mikhail Gorbatchov pelos militares, que tentaram dar um golpe de Estado contra a perestroica. Foi um tiro pela culatra. Seu poema Babi Yar, nome de um desfiladeiro nas imediações de Kiev, que relata o massacre de 35 mil judeus pelos nazistas, em setembro de 1941, serviu de inspiração para a 13ª Sinfonia de Chostakóvitch, cuja força lírica também foi uma crítica ao antissemitismo soviético.
O voo de Gagarin durou exatos 108 minutos, a uma altura de 315km a partir da superfície, em uma velocidade de 28 mil km/h. O cosmonauta se manteve em contato com a Terra por rádio e telégrafo. Na volta ao planeta, os cientistas soviéticos erraram o cálculo da trajetória de aterrissagem da nave, fazendo com que Gagarin caísse no Cazaquistão — a mais de 320km do local previsto. Depois da aterrissagem, sozinho, precisou esperar que a equipe o resgatasse. O erro acabou sendo mais uma prova do sucesso pleno da primeira missão espacial humana.
Lembrei-me de Gagarin por causa de um vídeo do físico norte-americano Carl Sagan, que circulou nas redes às vésperas do ano novo, numa dessas recidivas virais da internet, pois trata-se de um programa de tevê de 1980, de divulgação científica, intitulado Cosmos. O físico morreu em 1996, aos 62 anos. Nele, explica como alguns gregos antigos já haviam descoberto, através da simples observação, que a Terra é uma esfera. Eratóstenes, um estudioso grego, que dirigiu a famosa Biblioteca de Alexandria, viveu entre os anos de 276 a.C. e 195 a.C. Utilizando apenas “varas, olhos, pés, cérebro e o prazer de experimentar”, observou a sombra de duas colunas, uma colocada em Siena e outra em Alexandria, ambas no Egito.
Complexidade
Ele notou que em Siena, no dia do solstício de verão, ao meio-dia, o Sol ficava em seu ponto mais alto e a coluna lá instalada não projetava nenhuma sombra. Diferente daquela de Alexandria, que produzia uma pequena mancha no chão. Sagan explica então que, se a Terra fosse achatada, ambas estruturas produziriam sombras iguais. Mas, como o planeta é esférico, o sombreamento varia. Sagan mostra como o estudioso descobriu a angulagem entre as duas colunas a partir de suas sombras. O valor aproximado foi de sete graus. Com esse valor em mãos, o matemático fez um cálculo de equivalência, já que sabia a distância entre as duas cidades: quase 800 quilômetros. Fazendo as contas, ele chegou à medida de 40 mil quilômetros como a circunferência do planeta. Errou aproximadamente por 75 quilômetros, distância 4,4 vezes menor do que o erro de cálculo sobre o local de aterrissagem de Gagarin.
Ontem, ao se despedir como comentarista da Folha de S. Paulo, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor da Universidade de Paris — Sorbonne e da Fundação Getulio Vargas, chamava a atenção para a força gravitacional da economia chinesa sobre os eixos de logística e territoriais brasileiros. Ao reduzir de 48 para 35 dias a viagem entre os portos do nordeste da China e Roterdã, a navegação comercial entre a Europa e o Extremo Oriente pelo Oceano Ártico, iniciada em 2013, levou à modernização do Canal de Suez (2015) e do Canal do Panamá (2016). Por essa razão, as exportações pelos estados setentrionais do Brasil tendem a crescer regularmente, sobretudo quando for concluída a ferrovia norte-sul e o chamado Arco Norte, incluindo portos fluviais e marítimos da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão e do Amazonas.
“Pela primeira vez, desde a criação do Estado do Grão Pará e Maranhão, concebido em 1621 como entidade autônoma da América Portuguesa, no contexto da política filipina envolvendo as quatro partes do mundo, o comércio externo, e, essencialmente, o comércio marítimo, rearticula a geografia econômica da totalidade do território nacional”, destaca Alencastro. Detalhe: desde a circunavegação do globo por Fernão de Magalhães, já se sabia que a Terra é redonda e interligada pelos oceanos. Há duas consequências práticas do deslocamento do eixo do nosso comércio do Ocidente para o Oriente: primeiro, a relação comercial do Brasil com a China, que já é o nosso principal parceiro comercial, aumentará ainda mais de importância; segundo, como resultado, pode haver mais apreciação do câmbio, aumento das importações de bens industriais e desindustrialização. Ou seja, o Brasil precisa de uma política de comércio exterior que aumente a complexidade da nossa economia, isto é, a diversidade e a sofisticação da estrutura produtiva brasileira.