Correio Braziliense
postado em 01/01/2020 07:00
O movimento em defesa das pessoas com deficiência tem muito pouco a comemorar ao fim do primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro. O sentimento é de insatisfação pelo não cumprimento de promessas de campanha e até por retrocessos em avanços anteriormente conquistados. Apenas um dos sete compromissos assumidos pelo então candidato do PSL saiu do papel, segundo levantamento do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD). Integram esse comitê as 10 mais importantes organizações atuantes na defesa dos direitos de pessoas com deficiência, entre elas a Associação Brasileira de Autismo (Abra), o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e a Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi).
Juntas, essas entidades representam cerca de 46 milhões de pessoas que vivem com algum tipo de deficiência no país, o equivalente a 24% da população — dados do Censo do IBGE de 2010. As principais demandas desse movimento são a inclusão — social, educacional e laboral — das pessoas com deficiência, o fim do preconceito e a garantia de acesso aos serviços de saúde, reabilitação e assistência social.
Juntas, essas entidades representam cerca de 46 milhões de pessoas que vivem com algum tipo de deficiência no país, o equivalente a 24% da população — dados do Censo do IBGE de 2010. As principais demandas desse movimento são a inclusão — social, educacional e laboral — das pessoas com deficiência, o fim do preconceito e a garantia de acesso aos serviços de saúde, reabilitação e assistência social.
Compromisso assinado
Em 19 de outubro de 2018, entre os dois turnos da corrida presidencial, Bolsonaro recebeu em sua casa, no Rio de Janeiro, representantes de todas as instituições integrantes do CRPD. No encontro, eles apresentaram uma carta compromisso (veja a íntegra abaixo), que foi assinada pelo candidato. O então presidenciável do PT, Fernando Haddad, também foi procurado e assinou documento semelhante.As expectativas dessas entidades cresceram no dia da posse presidencial, quando a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, protagonizou um dos momentos mais comentados da cerimônia. Ela quebrou o protocolo e fez um discurso em Libras (Língua Brasileira de Sinais), prometendo se dedicar à causa das pessoas com deficiência. “Vocês serão valorizados e terão seus direitos respeitados. Tenho esse chamado no meu coração e desejo contribuir na promoção do ser humano”, afirmou, na ocasião.
O Correio fez contato com o presidente do CRPD, Moisés Bauer Luiz, e solicitou que ele comentasse a atuação do governo federal em relação a cada um dos compromissos assumidos por Bolsonaro. Ele disse que ia se reunir com as instituições integrantes do comitê para fazer um levantamento dos resultados das políticas públicas do governo para o setor. Após o encontro, Bauer falou à reportagem sobre os desdobramentos de cada uma das promessas de campanha.
O primeiro dos compromissos, por exemplo, de fortalecer o orçamento e a estrutura dos órgãos atuantes no setor, com a efetiva participação das pessoas com deficiência na construção das políticas públicas, não foi cumprido, segundo Bauer.
“Nós entendemos que, no que diz respeito à manutenção do órgão na administração pública federal para tocar as políticas do setor, ou seja, a Secretaria Nacional da Pessoa com Deficiência, a estrutura desse órgão foi mantida, felizmente”, afirmou. “No que diz respeito a cargos, ela foi até um pouco ampliada. Nos parece, em razão da crise econômica, que o orçamento poderia ser bem melhor, mas, em razão da conjuntura econômica do país, algo que já vem de outros governos, é um orçamento, na nossa avaliação, bastante reduzido para a gestão das políticas das pessoas com deficiência.” Ele criticou a estrutura do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Conade), considerada precária pelas entidades integrantes do comitê.
Ausência
Bauer lamentou a ausência da participação de pessoas com deficiência na construção das políticas públicas. “Quanto à última parte desse primeiro compromisso, a gente pensa que esse é o grande prejuízo deste governo até este momento”, frisou. “Nós nos colocamos à disposição, desde o momento da transição, para contribuir com este governo no que diz respeito às políticas públicas para as pessoas com deficiência, fazer valer a máxima utilizada durante a elaboração da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência: ‘Nada sobre nós sem nós’, mas entendemos que o espaço de escuta, infelizmente, foi muito reduzido, e isso reflete em alguns exemplos práticos”, criticou o presidente do CRPD.
Entre os exemplos, o dirigente citou o Decreto nº 10.110, de novembro, que institui a Estratégia Nacional de Qualificação para a Produtividade e o Emprego e o Conselho de Desenvolvimento do Capital Humano para a Produtividade e o Emprego. “Esse decreto elege cinco ou seis públicos prioritários, e as pessoas com deficiência não estão previstas entre esses públicos prioritários para uma estratégia de qualificação profissional”, protestou. “Isso é lamentável, e só se dá por uma ausência de diálogo e de envolvimento das nossas organizações na construção dessas políticas públicas.”
Outro texto também criticado por ele foi o Projeto de Lei nº 6.159, de autoria do Executivo e que praticamente acaba com a política de cotas para pessoas com deficiência. A matéria propõe que os empregadores possam substituir a adoção das cotas pela contribuição financeira a um fundo da União destinado a financiar ações de reabilitação. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), procurado pelo CRPD e por parlamentares que defendem a causa das pessoas com deficiência, assegurou que a proposta não vai avançar na Casa.
Defesa de direitos
Na lista de promessas de campanha não cumpridas neste primeiro ano de governo Bolsonaro está a que trata da elaboração de um sistema nacional de promoção e de defesa de direitos da pessoa com deficiência. Por meio dele, seriam assegurados a criação e o fomento de um Fundo Nacional da Pessoa com Deficiência, nos mesmos moldes dos fundos nacional da Criança e Adolescente e do Idoso.
O Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD) também aguarda a ampliação e o fortalecimento de parcerias do governo com organizações da sociedade civil que desenvolvem ações nas áreas de educação, saúde, assistência social e trabalho, entre outras. Segundo o presidente do CRPD, Moisés Bauer Luiz, apenas na área da saúde a meta saiu do papel, por meio de uma portaria, de dezembro, que credenciou novas organizações para a rede de reabilitação de pessoas com deficiência.
Educação especial
O compromisso de atualização da Política Nacional de Educação Especial tampouco foi honrado. Segundo Bauer, o Ministério da Educação tem dado continuidade ao trabalho que vinha sendo feito na gestão do presidente Michel Temer, mas o processo ainda não foi concluído.
Outro alvo de críticas foi a parte do projeto de reforma da Previdência que propôs alterações no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a pessoas com deficiência e idosos carentes. “Felizmente, após a mobilização das nossas organizações no Congresso, conseguimos que não se mexesse no BPC”, afirmou.
Na opinião do comitê, o único compromisso honrado até agora foi o de reconhecer as conquistas do esporte paralímpico, mantendo os recursos investidos nessa área, em especial os oriundos das loterias federais. “É com grande felicidade que a gente pode responder ‘sim’, o compromisso está sendo honrado, as parcerias, os convênios existentes, a própria legislação está mantida, garantindo recursos oriundos das loterias para o paradesporto”, frisou.
Procurada, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto informou que a defesa dos direitos das pessoas com deficiência continuará sendo uma prioridade do presidente Jair Bolsonaro nos próximos três anos de governo. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, também foi consultado, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Íntegra dos compromissos assumidos por Bolsonaro durante a campanha
“TERMO DE COMPROMISSO
Eu, JAIR MESSIAS BOLSONARO, uma vez eleito Presidente da República Federativa do Brasil
nas eleições de 2018, COMPROMETO-ME com o Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD), a dedicar todos os esforços para atender integralmente as seguintes demandas:
1 – Dar continuidade às políticas voltadas às pessoas com deficiência, fortalecendo o órgão gestor dessas políticas, com estrutura e orçamento adequados para a sua efetiva execução, garantindo a efetiva participação das pessoas com deficiência na construção e na execução dessas políticas;
2 – Elaborar um sistema nacional de promoção e de defesa de direitos da pessoa com deficiência, assegurando a criação e o fomento de um Fundo Nacional da Pessoa com Deficiência, nos mesmos moldes dos fundos nacionais da Criança e Adolescente e do Idoso;
3 – Reconhecer o Comitê Brasileiro das Organizações Representativas de Pessoas com Deficiência – CRPD, como uma das instâncias legítimas da sociedade civil para exercer a função de mecanismo de monitoramento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, nos termos do seu Artigo 33;
4 – Investir na ampliação e no fortalecimento de parcerias com organizações da sociedade civil, filantrópicas, sem fins lucrativos que desenvolvem ações voltadas às pessoas com deficiência nas políticas públicas de educação, saúde, assistência social, trabalho e outras;
5 – Atualizar a política de educação voltada às pessoas com deficiência, levando-se em conta as especificidades das diversas situações de deficiência, com a participação efetiva das pessoas com deficiência, seja pela participação direta dessas pessoas ou por suas organizações representativas, garantindo a existência de classes e escolas especiais, assim como o direito de escolha dos pais e das próprias pessoas com deficiência quanto a modalidade de ensino.
6 – Garantir a manutenção do Benefício de Prestação Continuada para as pessoas com deficiência comprovadamente carentes;
7 – Reconhecer as relevantes conquistas do esporte paraolímpico, mantendo os recursos financeiros que são investidos nessa área, em especial os recursos oriundos das loterias federais.”
Fonte: Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência
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