A agenda econômica para 2020 está calcada na reforma tributária, no pacto federativo ; por meio das propostas de emenda à Constituição (PECs) encaminhadas pelo governo ao Senado ; e na reforma administrativa, que pode ficar para depois das eleições municipais. Essa pauta prévia, firmada entre o Executivo e o Legislativo, exigirá muita comunicação e negociação, sobretudo nos debates de atualização do sistema tributário. Mais do que nunca, os dois poderes precisarão estar em harmonia e aprender a ceder, como em um casamento, analogia tão usada por Bolsonaro.
Ao contrário das discussões em torno da reforma da Previdência, em que foi possível afinar a comunicação em torno de um texto único, a tributária tem ideias distintas da Câmara, do Senado e da equipe econômica. Encontrar um ponto de equilíbrio e propor os debates em torno desse meio-termo serão o principal desafio às aspirações do Planalto na batalha para reaquecer a economia. ;É uma guerra insana encontrar a calibragem das alíquotas e da unificação de impostos. O próprio Guedes tem sido um pouco infeliz na comunicação proposta;, sustenta um integrante do governo. O chefe da equipe econômica defende a criação de um tributo que muitos comparam à extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Ele sustenta que a ideia é tributar não só consumo e renda, mas, também, transações digitais.
A comunicação em torno do imposto, no entanto, ainda precisa ser mais bem trabalhada, pois enfrenta resistência no parlamento. ;Ele não quer usar o termo CPMF, mas taxar como se fosse. O (presidente da Câmara) Rodrigo (Maia) já falou que isso não passa. Vai ser uma reforma muito difícil, mas tenho esperança e acredito que vai ser aprovada, embora não da maneira que o Guedes quer;, alerta o governista. ;O Guedes quer o mundo dos sonhos dele, e não é assim. Foi igual à reforma da Previdência. O governo foi lá e aprovou o que tem de aprovar. Democracia é assim.;
Outra diferença de ideias reside na discussão da unificação tributária. O governo quer debater a junção de impostos federais ; em etapa que defende a fusão entre PIS e Cofins ;, mas o Congresso mira a inclusão de demais impostos. E aí, tanto Câmara quanto Senado se dividem. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), proposto por deputados federais na PEC 45/2019, prega a unificação de cinco tributos. O Imposto sobre Valor Agregado (IVA), sugerido por senadores na PEC 110/2019, dispõe sobre a substituição de nove tributos.
Vaidade
Relator da PEC 45, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria na Câmara, disse, em seminário realizado pelo Correio, que a proposta de unificação de ambas as redações assinala mais um simbolismo do que efetividade. ;Do ponto de vista operacional, ela é um sinal político, mas acho que esse sinal político pode ser dado de outras formas;, ponderou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), líder do bloco parlamentar Unidos pelo Brasil, que representa quase 1/4 do Senado, reconhece que há um pouco de competição, vaidade e busca por protagonismo entre ambas as Casas, mas avalia que é dever do governo desatar eventuais nós.
Para Amin, o Planalto não pode se dar o luxo de esperar que o Congresso resolva atritos internos e diga o que quer. ;Sem o governo, não haverá reforma tributária. Reforma tributária parida, gestada, entregue à sociedade pelo Congresso não existe no mundo, porque o governo, seja municipal, seja estadual ou federal, é decisivo nisso. É quem vai fazer as contas de quem vai ganhar e de quem vai perder;, alerta.
A leitura do senador Álvaro Dias (Podemos-PR), líder do partido na Casa, não é diferente. Ele acredita que, com uma boa articulação, será possível aprovar todas as reformas ainda no primeiro semestre. ;Trabalhando com entendimento entre as duas Casas para que, enquanto uma reforma começa pelo Senado, outra siga na Câmara. Haveria, portanto, um cruzamento e economia de tempo;, sustenta. ;Nós somos 513 deputados e 81 senadores. Certamente poderíamos constituir comissões diversas para, simultaneamente, discutir as várias reformas.;.
Para Dias, o Brasil está atrasado há 30 anos em matéria de projeto estratégico e desenvolvimento econômico. ;Qualquer desperdício de oportunidades reduz os índices de crescimento econômico. Cresceremos porque o Brasil tem potencialidades econômicas extraordinárias, em que pese o governo, muitas vezes, atrapalhar;, critica.
Em meio aos desafios que se avizinham, o DEM desponta como o fiel da balança e se prontifica a trabalhar pela aprovação da reforma tributária e das demais pautas. O deputado Efraim Filho (DEM-PB), escolhido líder do partido por aclamação para 2020, ressalta que o comando das duas Presidências no parlamento e de três ministérios os credenciam a buscar o equilíbrio. ;Nós temos de exercer um papel de muita serenidade no diálogo e equilíbrio nas tomadas de decisões para ser esse canal de comunicação e de interlocução entre as Casas do Congresso;, enfatiza.
Um desafio gigantesco
Em ano de eleições municipais, a aprovação da reforma tributária no primeiro semestre de 2020 ; período acordado entre Executivo e Legislativo ; mostra-se um desafio hercúleo. Ainda assim, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, demonstra confiança. O articulador político reconhece as dificuldades, mas ressalta que, em 2019, a reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno em prazo semelhante.
O ministro lembra que as comissões permanentes da Câmara foram instaladas na primeira quinzena de março, depois da eleição do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). ;Se a gente for analisar friamente, o ano legislativo começou no ;pau;, mais ou menos para valer, no fim de março, e aí continuou em abril, maio, junho, julho e agosto;, argumenta.
O articulador político frisa, também, que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está consciente dos esforços. Na reunião com Maia e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em que fecharam o calendário para a tramitação da reforma tributária, o chefe da equipe econômica se mostrou ciente dos obstáculos, mas otimista. ;O Guedes falou: ;Temos consciência de que o período de tempo vai ser diferente este ano;. Mas todos sabemos que, se começarmos firme (a tramitação) em fevereiro, mesmo que acabe em julho, tem espaço para aprovar muita coisa;, destaca Ramos.
Ele coloca na conta da aprovação da agenda econômica tanto a reforma tributária quanto as propostas de emenda à Constituição (PECs) 186, do Plano Emergencial; 187, dos fundos infraconstitucionais; e 188, do pacto federativo (veja arte). Na reunião entre Guedes, Maia e Alcolumbre, contudo, as sinalizações foram de que a reforma administrativa fica para depois das eleições.
Ramos mostra confiança no sucesso da tramitação e minimiza críticas vindas do Congresso. ;Tenho tentado implementar não é nem política, mas uma maneira de relacionamento que o presidente determinou que eu tivesse, um relacionamento institucional. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, inclusive, me elogiaram na mesa para Guedes;, frisa.
Tramitação
Além da disposição de acelerar a tramitação da reforma tributária em fevereiro, o governo se mostra apto a colocar a articulação em campo em janeiro, quando a comissão mista inicia os trabalhos. O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), diz que o Executivo vai se orientar para ter o máximo de efetividade a partir do início do ano.
;Eu vou participar junto da Secretaria de Governo e aproveitando que o parlamento não estará operando para que consigamos articular vitórias logo no primeiro mês (fevereiro);, frisa. O deputado sabe das dificuldades, mas reforça que as pautas econômicas têm tido boa aceitação na Câmara e no Senado. ;Os presidentes das duas Casas são liberais na economia e isso facilita muito a vida do governo, que também é liberal na economia;, comemora. (RC)
Expectativa de dobrar o PIB
Embora o governo vislumbre na aprovação das reformas restantes o caminho para o crescimento econômico e o aumento de seu capital político, a aposta de especialistas é de que a agenda econômica terá pouco ou nenhum impacto. A leitura é de que o maior e principal estímulo foi dado com a sanção da reforma da Previdência. Com a matéria e a consequente sinalização do compromisso com o ajuste fiscal, além da baixa demanda que ajudou a estabilizar os preços, o Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de juros (Selic) para 4,5%, o menor patamar da história. As pautas restantes, no entendimento de agentes do mercado, não vão atrair mais ou menos investimentos, o principal pilar do avanço econômico neste ciclo de retomada. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) deve subir entre 2,2% e 3%.
O governo aposta na reforma tributária para destravar a economia, mas a pauta que poderá fazer um diferencial no próximo ano é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, que dispõe sobre medidas permanentes e emergenciais de controle do avanço das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal. É o que sustenta Tony Volpon, ex-diretor do BC e economista-chefe do UBS Brasil. ;Ela é necessária para garantir a sobrevivência do teto de gastos pelos próximos anos, é importante para dar uma âncora aos baixos níveis de juros, que ajudarão a economia a crescer mais rapidamente;, argumenta.
A não aprovação da PEC 186, contudo, poderia contaminar as previsões do mercado. ;Pode causar um problema para as projeções de crescimento para o ano que vem;, alerta Volpon. A matéria é tratada por ele como a mais importante, embora destaque também a PEC 187/2019, que extingue fundos infraconstitucionais, e a PEC 188/2019, que descentraliza recursos entre União, estados e municípios. Entretanto, o mesmo impacto não seria sentido se as reformas tributária e administrativa, por exemplo, não fossem aprovadas em 2020. ;Em grande parte, a economia se descolou da política, especialmente depois da aprovação da reforma da Previdência;, justifica.
O economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, endossa a análise. Para ele, a economia vai reagir independentemente da modernização do sistema tributário em 2020, porque os investimentos estão vindo mais acelerados do que o previsto. ;As previsões de PIB estão aí entre 2% e 2,5% e até acho que vou reorganizar as projeções para algo mais próximo de 3%;, ressalta. ;Tem espaço para manter o avanço da atividade no próximo ano, não pelo alarde das reformas, mas pelo silêncio da agenda microeconômica.;
A reforma da Previdência foi preponderante para jogar os juros num patamar baixo, no qual, para Perfeito, não há margem para reduzir mais. ;A não aprovação da reforma tributária significa que vai jogar para cima os juros? Não, só quer dizer que (o BC) não vai cortar mais. (A Selic) até 5,5% já estaria estimulando para caramba (a economia). Esse estímulo vai continuar ainda forte, a despeito das reformas;, avalia. Ficar sem as reformas não seria necessariamente uma tragédia, desde que o governo não jogue para si a responsabilidade de resolver isso tão rapidamente, ressalta. ;Para a Previdência, ele jogou e, se não fosse aprovada, o Executivo se acabava ainda em 2019;, crava.
Sinalização
Os juros baixos induzem investidores e empresários a aportarem recursos em infraestrutura, compra de máquinas e abertura e expansão de empresas. Quando estão elevados, são mais atrativos em aplicação em investimentos de renda fixa, como CDB, LCI, LCA, LF e Tesouro Direto. O economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, concorda que as reformas preponderantes foram feitas e as que estão por vir, embora importantes, não são decisivas. Ele as considera, porém, significativas para a sinalização de mudanças. ;As reformas já aconteceram, e a economia não vai crescer mais ou menos por conta delas, 2020 não vai ser guiado pela agenda do Congresso;, pondera. ;Mas a sociedade está ainda por conta do desemprego elevado. A agenda é necessária para consolidar a visão de que o Brasil tem uma gestão responsável.;
Os estímulos com a pauta econômica poderiam ser mais bem recebidos pelo mercado se governo e Congresso entrassem em um acordo para a aprovação da reforma administrativa antes da tributária, diz o economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes. ;O efeito da tributária seria mais bem dimensionado se tivéssemos a administrativa antes. Uma coisa é o quanto você vai cobrar da sociedade. Hoje, sabemos, é 1/3 do PIB. Outra coisa é cobrar da sociedade com o governo gastando ; e sabendo quanto vai gastar ; menos, que seria uma consequência da administrativa;, defende.
Sobretudo em um ano eleitoral, Bentes alerta para as dificuldades de aprovação e, por isso, considera relevantes ajustes no cronograma estabelecido entre Executivo e Legislativo, que coloca a tributária à frente da administrativa. ;Acho difícil avançar nessas agendas em 2020, mas, se for fazer isso, que seja de forma contundente. Uma coisa é fechar uma reforma meio aguada (tributária), outra é fechar uma reforma que consiga melhorar o gasto público;, argumenta. (RC)