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O 'espinho' do TCU no caminho do governo Bolsonaro

Ele se define como um espinho no caminho do governo do presidente Jair Bolsonaro. O subprocurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU) Lucas Rocha Furtado, um cearense bem humorado de 52 anos, não economiza nas ações contra o Executivo. Em onze meses, ele fez 67 representações aos ministros do TCU, 45 delas para pedir que fiscalizassem a Presidência, pastas e autarquias. As proposições de Lucas têm deixado autoridades incomodadas. Há 25 anos na função, o decano entre os procuradores na Corte representou, só em 2019, mais do que a soma de todos os colegas nos últimos quatro anos. Enquanto quatro dos sete procuradores estão zerados no número de representações em 2019, Lucas bate recorde. Ele ultrapassou o número de 15 apresentadas entre 2016 e 2018. Uma representação é um pedido para o tribunal monitorar ou até fiscalizar, por meio de sua equipe de técnicos, o uso do dinheiro público pela administração federal. Nos últimos meses, Lucas representou sobre os gastos com a publicidade do pacote anticrime, o vazamento de óleo nas praias do Nordeste, o suposto uso do Coaf para investigar o jornalista Glenn Greenwald, a exclusão de assinaturas do jornal Folha de S. Paulo de uma licitação do governo, a execução dos repasses do Fundo Penitenciário Nacional e o efeito de declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o AI-5 na alta do dólar. "O governo encontrou um espinho no caminho que escolheu. O que eu posso dizer é que eu estou parado, mas em forma de espinho", afirmou ao Estado. "Se, por acaso, o governo quiser passar por cima desse espinho, eu vou incomodar." Em uma rede social, Lucas viu alguém indagar onde estava durante o governo de um "certo" ex-presidente da República. "Eu respondi que estava em um hospital", disse o ministro. A referência é a um acidente vascular cerebral sofrido em 2008, que o levou a ficar um ano afastado da atividade. O homem de estatura mediana e magro conseguiu abandonar a cadeira de rodas por meio da fisioterapia e da musculação, que mantém até hoje. A clareza no raciocínio e a agilidade nos textos irritam autoridades que entram na sua mira. Quando uma representação é apresentada ao TCU, auditores começam a analisar o caso e podem então pedir medidas, como aconteceu na semana passada em relação à Caixa Econômica Federal. O ministro Walton Alencar Rodrigues autorizou uma inspeção no banco, solicitada pela equipe técnica do tribunal com base na representação de Lucas. O subprocurador apontou baixo índice de empréstimos e financiamentos a governos e prefeituras do Nordeste e uma possível discriminação aos Estados da região. O pedido teve por base uma reportagem publicada pelo Estado. Nos bastidores, as representações sobre a Caixa e sobre a alta do dólar causaram desconforto na equipe econômica do governo, segundo apurou a reportagem. Logo após ele representar contra Guedes, a procuradora-geral junto ao TCU, Cristina Machado, criou uma inédita corregedoria do MP do tribunal. Ela indicou Lucas para o posto. Uma nova ocupação que poderá dividir a atenção do subprocurador. "O governo tem uma linha de atuação. Eu não estou me metendo", disse Lucas. "Mas não é porque é governo A, B ou C. A minha função é ser contra qualquer governo." Enquanto não está debruçado em análises de ações do governo, Lucas gasta seu tempo com a série espanhola Salvados, exibida pela Netflix, sobre um jornalista que faz investigações políticas. Também se dedica à leitura de Quando Lisboa Tremeu, um livro de Domingos Amaral sobre o terremoto ocorrido em 1755. Reações Amigos gostam de lembrar que Lucas Rocha Furtado tem as iniciais da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma das normas que mais causam punições a gestores públicos. Entre os críticos, a atuação do subprocurador não passa despercebida. Há ministros do TCU que apontam excessos e justificam esse diagnóstico com a constatação de que muitos pedidos de apuração terminam arquivados por falta de subsídios. Outros destacam que ele apenas cumpre a sua função e que a atuação tem sido importante. O plenário do TCU concordou, por exemplo, com o pedido dele para a suspensão da publicidade do pacote anticrime paga pelo governo federal. O argumento foi o de que não é adequado aplicar recursos públicos para defender a aprovação de uma proposta que não compete ao Executivo, mas, sim, ao Legislativo. Uma representação a respeito da alta do dólar, porém, foi descrita como descabida. Além do governo, o subprocurador-geral incomodou também o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao representar contra a comitiva que foi a Roma para a canonização de Irmã Dulce, e também o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, sobre gastos com contratos para que autoridades do tribunal tivessem espaços exclusivos em aeroportos. Em outro caso polêmico, Lucas tornou o menu refinado do Supremo Tribunal Federal (STF), com lagosta e vinhos premiados, um pouco mais indigesto, ao pedir a suspensão do contrato. O TCU acabou liberando o menu, caso haja autoridades no jantar. Um dos ministros do TCU contou que teve de explicar a um chefe de outro Poder as representações de Lucas. Argumentou, por exemplo, que era preciso olhar o "quadro geral" e perceber que os pedidos eram importantes por questionar atos controversos do poder público. Outro ministro enxergou abusos nos pedidos do subprocurador. Para ele, Lucas tem atuação político-partidária, como se fosse da oposição. O presidente do TCU, José Múcio Monteiro, disse que a atuação de Lucas está de acordo com a atividade do subprocurador. "Eu acho que cada um cumpre seu papel, como deve fazer", afirmou Múcio. O ministro destacou que não há partidarismo no TCU nem autoridades agindo contra o governo. Ele advertiu, porém, que "o tribunal não é um parceiro de governos, mas do Estado". Lucas observou que sua atuação não está livre de críticas. Disse, ainda, que a alta na quantidade de representações é fruto do atual período de licença na Universidade Nacional de Brasília, onde é professor há 20 anos. "Estou afastado nesse semestre. Me concentro no TCU. Em vez de dar aula, faço representação", afirmou. "Já poderia ter me aposentado há 11 anos por invalidez. Minha mãe sempre fala para eu voltar para o Ceará, mas continuo aqui dando trabalho. O meu objetivo é dar trabalho", insistiu ele. E arrematou: "Qualquer presidente encontraria em mim um oposicionista." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.