A polêmica nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para a presidência da Fundação Cultural Palmares não passará por crivo, pelo menos por enquanto, do presidente Jair Bolsonaro. Ele afirmou que o secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, tem ;carta branca; para fazer as mudanças que achar necessárias, em todas as subsecretarias e autarquias vinculadas à pasta, como a Palmares. Mas o novo presidente da instituição pode ser alvo de ação da Procuradoria-Geral da República: ontem, o procurador-geral Augusto Aras recebeu de militantes de movimentos negros uma representação pedindo que Camargo seja destituído da função.
Segundo Bolsonaro, a cultura deve servir à ;maioria; ; disse, em referência aos votos válidos que garantiram sua eleição. ;A cultura nossa tem que estar de acordo com a maioria da população, não de acordo com a minoria, e ponto final! É ele (Roberto Alvim) que decide, não vou adentrar em detalhe;, justificou, acrescentando. ;Olha só: o secretário é um tal de Roberto Alvim. Dei carta branca a ele;, sustentou. Bolsonaro, porém, se propôs a ouvir o secretário a respeito da escolha de Camargo.
O presidente da Palmares tem sido criticado por declarações consideradas racistas. Segundo ele, a escravidão foi ;benéfica para os descendentes; e não existe ;racismo real;. Também já sugeriu que ;alguns pretos sejam levados à força para a África;, como os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo. Nem Zumbi dos Palmares, que dá nome à instituição, foi poupado de críticas: para Camargo, o líder quilombola foi ;um falso herói dos negros;, e o Dia da Consciência Negra ; comemorado no dia da morte de Zumbi ; causa ;incalculáveis perdas à economia do país;.
Questionado sobre as ideias de Camargo, Bolsonaro desconversou e relembrou o processo que respondeu na Justiça por injúria racial contra a cantora Preta Gil. ;Eu já fui acusado de racista. Lembra o que o programa CQC fez comigo? Inventaram as respostas que dei à senhora Preta Gil e daí o escândalo foi feito.;
Reclamação
Com 62 assinaturas, o documento entregue a Augusto Aras alerta que ;a nomeação de Camargo mostra-se absolutamente antijurídica e contrária ao interesse público, uma vez que sua trajetória, historicamente, é radicalmente contrária aos interesses que a Fundação busca defender;. Segundo a representação, as posições de Sérgio Camargo demonstram ;incompatibilidade entre a trajetória e os valores de Camargo e aqueles valores que a lei determina que devem ser perseguidos pela Fundação Cultural Palmares;.
;Tal incompatibilidade torna evidente que a referida nomeação tem como objetivo frustrar, não apenas a persecução dos objetivos legalmente atribuídos à Fundação, como o cumprimento do dever de enfrentamento do racismo institucional e estrutural e da promoção da igualdade racial expressamente abrigados na Constituição, o que configura claro desvio de finalidade;, destaca o documento.
Além de pedirem a saída do presidente da fundação, os militantes também querem que Aras adote procedimento para apurar a responsabilidade do ministro-chefe da Casa Civil substituto, Fernando Wandscheer Alves ; que efetivou Camargo na Palmares ;, a quem acusam de cometer ato de improbidade e ter praticado abuso de poder.
Ontem, representantes de diferentes movimentos negros protestaram na sede da fundação, no Setor Comercial Sul, em Brasília. O grupo chegou a entrar no prédio da instituição e subir ao gabinete do presidente, mas ele não quis conversa com os manifestantes. Um deles era o advogado Marivaldo Pereira, também militante do movimento Mova-se, que disse que o comportamento de Camargo demonstra ;uma ofensa muito grande;.
;Várias áreas onde nós conseguimos alguns avanços, depois de muita luta e muito sofrimento, estão sendo atacadas nesse governo. Nomear alguém com a trajetória do Sérgio para presidir a Fundação Palmares é uma violência muito grande. É um atentado contra a história de luta do movimento negro do país. É pisar em cima dos sentimentos de toda a população negra que, desde a abolição da escravatura, veio lutando por gerações e gerações para conseguir o mínimo de direitos;, desabafou.
Marivaldo ainda definiu a nomeação de Camargo como ;um retrocesso sem precedentes;. ;Nós vamos lutar contra isso. Vamos recorrer a todos os meios jurídicos para tentar anular essa nomeação e ficar em cima de todos os atos que ele praticar para desmontar as políticas atualmente existentes;, garantiu.
Resposta enviesada a Preta Gil
Imagens de um quadro do extinto programa de televisão CQC, exibido pela Band TV, mostram o então deputado federal Jair Bolsonaro sendo questionado pela cantora Preta Gil sobre como reagiria se um de seus filhos se apaixonasse por uma negra. Declarou que não discutiria ;promiscuidade;.;Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados, e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o seu;.