O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, negou, na noite de ontem, um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para que fosse revogada a decisão que determina o envio à Corte de todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) e das Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP), emitidos nos últimos três anos pela Unidade de Inteligência Financeira (antigo Coaf) e pela Receita Federal. A decisão coloca em choque as posições do Ministério Público Federal e do Supremo. No documento enviado ao tribunal, Aras declarou que o acesso aos dados coloca ;em risco informações privadas;.
Além de negar o pedido de Aras, Toffoli determinou que a Receita Federal informe, até as 18h de segunda-feira, quais órgãos públicos estavam cadastrados para receber os relatórios de inteligência financeira. O presidente do STF também destacou ser ;apropriado; que o MPF comunique ao tribunal ;quantos e quais; de seus membros são cadastrados no sistema para receber as informações citadas e quantos a instituição solicitou.
No conteúdo enviado ao Supremo há informações detalhadas das movimentações financeiras de pelo menos 600 mil pessoas, entre cidadãos sem vínculo com o poder público e autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário. De acordo com Toffoli, porém, os dados financeiros já estavam disponíveis à Justiça, portanto, seu acesso pelo Supremo não traz prejuízos. ;No que concerne às informações emanadas da Receita Federal do Brasil, destaco que os documentos solicitados já foram disponibilizados, em forma de representações fiscais para fins penais (RFFP), a todo o Sistema de Justiça brasileiro para adoção de medidas cabíveis, ou seja, à Autoridade Policial, ao Ministério Público e ao próprio Poder Judiciário;, afirmou um trecho da decisão.
O presidente do Supremo afirma que a Corte não teve acesso às informações. ;O STF não realizou o cadastro necessário ou teve acesso aos relatórios de inteligência;, frisou Toffoli. Ainda de acordo com o ministro, não é invasivo que o tribunal receba as informações solicitadas. ;Não se deve perder de vista que este processo, justamente por conter em seu bojo informações sensíveis, que gozam de proteção constitucional, tramita sob a cláusula do segredo de Justiça, não havendo que se cogitar, portanto, da existência de qualquer medida invasiva por parte do Supremo Tribunal Federal, maior autoridade judiciária do país;, completou.
A solicitação de Aras tinha sido feita horas antes. O procurador destacou que a atuação de órgãos de fiscalização é levada em consideração por organismos internacionais para avaliar como está sendo realizado o combate à corrupção no Brasil. No recurso enviado ao STF, Aras destaca a ;recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), em que afirma que as unidades de inteligência financeira devem ser independentes e autônomas, inclusive para analisar, solicitar ou encaminhar ou disseminar informações específicas;.
Mudança de postura
A repercussão negativa do caso fez com que Aras mudasse de posicionamento. Até a noite de quinta-feira, o procurador-geral considerava não haver ;risco para a integridade do sistema de inteligência financeira;. Porém, menos de 24 horas depois, após sofrer pressão de outros membros da PGR e da Receita Federal, Aras recuou. Na petição, ele defendeu a independência das unidades de inteligência financeira. ;Trata-se, portanto, de medida desproporcional, que põe em risco a integridade do sistema de inteligência financeira, podendo afetar o livre exercício de direitos fundamentais;, alegou Aras sobre a decisão de Toffoli.
Intimidação
A resposta de Toffoli surpreendeu os membros do MPF pelo tom. A determinação do presidente do STF foi interpretada com uma intimidação e uma reação a críticas nos órgãos de controle e no Congresso Nacional, onde senadores voltaram a atuar pela abertura da CPI da Lava-Toga. Nesta sexta, a interlocutores, Toffoli demonstrou incômodo com a facilidade de acesso a dados a servidores de órgãos como UIF e Receita a informações sigilosas.
Entenda o caso
Processos parados
Por decisão do ministro Dias Toffoli, todas as investigações que usam dados específicos sobre a movimentação financeira de cidadãos estão paradas pelo país. O Supremo decide, no próximo dia 20, se as informações de entidades como Receita e Banco Central podem ser compartilhadas com outros órgãos, como a Polícia Federal e a Polícia Civil, sem a necessidade de autorização judicial. A decisão do ministro, que suspende a troca de informações sobre atividades suspeitas, ocorreu após um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que é investigado em uma diligência relacionada à movimentação bancária de R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor do parlamentar Fabrício Queiroz.
A suspeita do Ministério Público do Rio de Janeiro, onde o caso é tratado, é de que o parlamentar recebeu parte dos salários de funcionários de seu gabinete quando ele era deputado da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A prática, conhecida como ;rachadinha;, é enquadrada nos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Flávio nega as acusações, e Queiroz diz que os valores citados no processo se referem ao que ele obteve com a compra e venda de automóveis. Setenta e quatro funcionários do gabinete de Flávio no Rio são citados como tendo realizado transações incomuns.