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A jararaca está de volta
Para usar uma expressão do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num ato político no Sindicato dos Bancários de São Paulo, após uma condução coercitiva determinada pelo então juiz federal da 13; Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, hoje o ministro da Justiça do governo Bolsonaro, a jararaca está solta. Sim, porque foi com espírito de jararaca que Lula deixou a prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, na sexta-feira, e anunciou que pretende percorrer o país para lutar contra o que chamou de ;banda podre; do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e, é claro, contra o presidente Jair Bolsonaro, cuja eleição disse que foi ;roubada;, embora não se possa questionar a legitimidade do pleito de 2018.
Quando Lula falou que a eleição fora roubada, numa alusão à derrota do candidato petista Fernando Haddad, não estava se referindo à lisura da votação e contagem dos votos pelo sistema eletrônico, que o presidente Jair Bolsonaro, diga-se de passagem, colocara em suspeição durante a campanha. Não, Lula se referia ao fato de não poder participar da disputa, por ter sido condenado em segunda instância e ter sua candidatura cancelada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A propósito, sua candidatura catapultou Haddad para o segundo turno, porém, ao mesmo tempo, lhe roubou qualquer identidade e limitou a possibilidade de tecer alianças mais amplas.
A libertação de Lula projeta um cenário de polarização com o presidente Bolsonaro para 2022. Simultaneamente, é um tremendo déja v; político, pois a saída da cadeia não absolve nem devolve os direitos políticos ao ex-presidente petista, cassados em razão da Lei da Ficha Limpa. Com duas condenações e réu em mais sete ações criminais, para que possa ser candidato, são necessárias absolvições, anulação de sentenças e a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. É pasta fora do tubo.
Lula passou 580 dias preso sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, no Guarujá (SP), como propina paga pela OAS, em troca de três contratos com a Petrobras. Apesar de negar sistematicamente esses crimes, a condenação foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com pena de oito anos, 10 meses e 20 dias. Também foi condenado em primeira instância no caso do sítio de Atibaia (SP), por receber vantagens indevidas das empreiteiras Odebrecht e OAS em troca de favorecimento às empresas em contratos da Petrobras. As reformas e benfeitorias realizadas pelas construtoras no sítio frequentado por Lula configuraram prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Emenda Mainente
Lula pode aguardar a conclusão do processo em liberdade, mas isso não muda sua condição de condenado, que aguarda o trânsito em julgado do caso para cumprir a pena, graças ao princípio da presunção de inocência. Essa é a consequência da decisão de quinta-feira passada do Supremo Tribunal Federal (STF), que aboliu a jurisprudência que determinava a execução imediata da pena após condenação em segunda instância. Processos judiciais são como um trem-parador, vão de estação em estação, até chegar ao fim do ramal.
A propósito da mudança de entendimento do Supremo, todos sabiam do resultado antes da conclusão. Essa é uma característica da Corte, cujas sessões são televisionadas ao vivo e os votos dos ministros, quase sempre, antecipados nas entrevistas e apartes. No caso desse julgamento, interrompido duas vezes, seu resultado já era esperado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A rigor, nenhum dos três se dispôs a confrontar a decisão do Supremo, como é normal numa ordem democrática. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, porém, pôs lenha na fogueira ao dizer que o Congresso poderia mudar o entendimento do Supremo alterando a Constituição. Ora, a exegese dos ministros que defenderam o fim da execução da pena em segunda instância invocava o artigo 5;. da Constituição como cláusula pétrea.
Tramita na Câmara uma emenda constitucional, de autoria do deputado Alex Mainente (SP), do Cidadania, que estabelece como norma a execução da pena após condenação em segunda instância. Com o apoio do Novo e do Podemos, as três legendas catalisaram setores insatisfeitos da opinião pública com a decisão do Supremo e se declararam em obstrução a quaisquer votação, até que a PEC seja votada. Era tudo o que os movimentos pela ética na política precisavam para ter uma bandeira mobilizadora, para tentar reverter no Congresso a decisão do Supremo, mandando os condenados em segunda instância de volta à cadeia. Entretanto, não somente Lula estava interessado na mudança, há muitos políticos que pegam carona na decisão do Supremo. Talvez formem maioria no Congresso.