postado em 06/10/2019 04:14
O governo tem uma postura bizarra na Educação
Há quem entre na faculdade e abandone os estudos para fazer política. Há quem atropele a própria mãe para conquistar um mandato, com a promessa de, uma vez eleito, comandar uma revolução. Tabata trilhou o caminho oposto. De menina pobre, filha de um cobrador de ônibus e de uma diarista, ela primeiro fez a própria revolução. Das 10 universidades americanas nas quais sonhou estudar, passou em seis. Tudo isso, sem deixar de lado a luta diária por um sistema de ensino capaz de emancipar cidadãos e ajudar a reduzir o abismo da desigualdade social no país. Resultado: na volta de Harvard, disputou um mandato pelo PDT e tornou-se a deputada federal mais jovem eleita por São Paulo.
Hoje, aos 25 anos, ela transita entre a dedicação ao mandato e os percalços enfrentados para exercê-lo. Novata no Congresso, chamou a atenção do país quando deu uma aula de educação ao então ministro da área, Ricardo Vélez. O vídeo viralizou na internet. Independente, vota a favor de propostas que considera boas para o país, sem se deixar intimidar por patrulhas. Foi assim com a reforma da Previdência. Depois de votar a favor e de batalhar por votos para a proposta, acabou ameaçada de expulsão e foi colocada na geladeira pelo partido. Não se intimidou. Não sabe, porém, se continuará no PDT. A bola está com Carlos Lupi, presidente da sigla. A opção dela pela legenda tem a ver com o projeto de educação integral, historicamente defendido por nomes como Darcy Ribeiro e Leonel Brizola.
No conturbado relacionamento com o PDT, Tabata tira força das frustrações para seguir em frente. Faz o mesmo diante dos constantes ataques machistas que sofre, principalmente, pelas redes sociais. "As pessoas se sentem no direito de me enviar mensagens pornográficas, se sentem no direito de me ameaçar de morte e de comentar como estou vestida. É muito violento", desabafa.
Ela repudia a maneira como a educação, sua bandeira principal, é tratada pelo governo Bolsonaro, e faz críticas ao MEC e, especialmente, ao ministro Abraham Weintraub. "O governo tem uma postura bizarra;, diz, em entrevista na redação do Correio. Acompanhada de uma assessora que trabalhou durante a campanha no escritório de São Paulo, a parlamentar fez um balanço dos nove primeiros meses de Congresso e detalha a vida na capital federal.
"Dá para escrever um tratado sobre o que significa ser mulher aqui em Brasília", diz a jovem deputada, que chegou à capital há nove meses, repleta de esperança e sonhos. Nesse período, descobriu que a realidade do mundo da política é bem mais pesada do que a do mundo acadêmico da astrofísica, onde era uma das poucas mulheres.
Por fim, ela admite que a tal "nova política" não é a oitava maravilha do Brasil moderno. Tabata, inclusive, se arrepende de ter endossado esse slogan. Hoje, ela ajustou o foco para o que chama de "boa política" e o ingresso de mais mulheres nessa seara.
Sua bandeira é a educação. O que acha das escolas públicas militarizadas pelo governo?
Para mim, as escolas cívico-militares demonstram a forma de se tomar decisões no Brasil atualmente. Não há evidência de resultado, ainda mais quando se analisa a base do financiamento. Essas escolas são muito mais caras (para o Estado) que as regulares, especialmente pelas pessoas envolvidas. É um investimento sem sentido, uma decisão política e ideológica que não demonstra visão de investimento em educação e segurança. Baseia-se em machismo, tratando uma instituição militarizada como algo capaz de melhorar a segurança. É uma demonstração de como o governo (do presidente Jair) Bolsonaro toma decisões. Isso tem reflexo no Ministério da Educação (MEC), que não mudou muito desde a exoneração do (ex-ministro Ricardo) Vélez. O que começou a andar foram as comissões externas em andamento no MEC, um trabalho mais sério por parte dos secretários.
Alguns parlamentares dizem que a senhora é muito combativa. Isso prejudica o diálogo da Comissão de Educação da Câmara com o governo?
A Comissão Externa de Acompanhamento do MEC complementa muito a Comissão de Educação na Câmara. Vamos semanalmente às secretarias do MEC, trazemos requerimentos de informação, nos preocupamos em fiscalizar. Acompanhamos as atividades do ministério e estamos produzindo bastante material, muitas coisas, inclusive, que não saem na mídia. Está sendo uma ótima experiência. Sobre a crítica de eu ser muito combativa, entendo e acho que um aprendizado grande nos últimos meses foi entender, na prática, que a política se faz em grupo. Então, passei nove meses entendendo quais eram meus grupos na Câmara. E, para mim, isso foi uma certeza muito forte. Encontrei meu grupo na bancada feminina, na Frente Parlamentar pela Educação, entre os parlamentares mais jovens (...) A política se faz em grupos e é importante ter isso muito consciente. Tenho ajudado a construir agendas sociais com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o que não seria possível se ainda não tivesse entendido que a política é algo que se faz em grupo. Mas é difícil pedir que eu não seja combativa no que diz respeito à pasta que acho mais importante ; a Educação. Sou uma pessoa razoável, mudo de opinião quando alguém traz argumentos baseados em evidências. Consigo ver o que tem de bom nos ministérios. O da Infraestrutura é um exemplo. Mas é difícil enxergar algo bom no MEC. Educação é a área, que tenho maior conhecimento, entendo as coisas mais chatas relacionadas ao tema, e o governo tem uma postura completamente bizarra nesse assunto. Não dá para pedirem que eu seja um robô.
O problema está na figura do ministro Abraham Weintraub ou na estrutura que o governo criou?
Na figura do ministro. Não tenho nenhuma relação com ele e todo mundo sabe que nosso relacionamento não é dos melhores. Por isso, foi importante conhecer o corpo técnico do MEC. Isso se faz indo ao ministério toda semana, ouvindo projetos, perguntando com respeito. Vocês não vão me ver no plenário dizendo que o Future-se (projeto do MEC para dar autonomia na gestão de universidades e institutos federais) vai privatizar a Educação. Eu li o projeto. Mas há coisas preocupantes, como quando se fala das OS;s (Organizações Sociais). E quando eu falo sobre algo que me traz esse sentimento, peço uma resposta. Não estou fazendo palanque, mas essa foi a maneira que encontrei de dialogar ; me conectando com esse corpo técnico que faz um trabalho sério. Temos um ministro peculiar, alguém que gasta tempo fazendo vídeos com críticas a setores importantes da população... É um ministro complicado.
O primeiro ano de mandato está no fim, mas ainda há três pela frente. Como pretende conduzi-los?
Levando adiante esse trabalho sério e comprometido. Vou continuar lendo projetos, falando com quem está tocando determinados temas, fazendo propostas e ouvindo explicações. Em uma Câmara polarizada, isso é o que tem de mais inovador. Você não pode chegar apontando o dedo e gritando, mas pode falar com propriedade se entender o que está sendo discutido. Na questão do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), sou a favor dos incentivos. Visitei o Brasil inteiro e é muito evidente ver que prefeitos e secretários não têm se empenhado para investir o dinheiro corretamente. Eles colocam operadores políticos para serem professores, diretores... Isso atrapalha a progressão de carreira dos professores que não votaram na "pessoa correta". Eu sei como funciona na ponta. Então, se for colocar mais dinheiro, e eu acho que precisa colocar, é necessário dar incentivo à assistência técnica. Eu tive essa conversa com o MEC e eles me mandaram um ofício com incentivos negativos. Isso não funciona. O ministério sugeriu o bloqueio de verbas do Fundeb de municípios que não avançassem em Educação. Estudamos, conversamos, falei com o secretário e ele mudou o ofício. Adoraria fazer uma reunião com o ministro também.
Sobre a expectativa em relação ao Congresso, está acontecendo o que a senhora imaginou ou as coisas tem surpreendido? Está satisfeita com o que viu?
Tem coisas boas, com certeza, mas algumas coisas são frustrantes. Uma coisa boa é o que falei dos grupos. Tinha muito medo de ficar sozinha, de não me encaixar e acabar sem espaço na Câmara. Tive medo de a minha atuação se tornar irrelevante. Ficar no famoso "baixo clero" (deputados com menor influência política entre seus pares) e levar quatro anos para aprovar um projeto. Mas é muito surpreendente ver todo o espaço que conquistei e a forma que atuo hoje. Não esperava ter todo esse espaço, todas as premiações... Estou aqui, fui eleita. Eu, Tataba, da Vila Missionária (Zona Sul de São Paulo), estou aqui. Mas existem as frustrações do dia a dia, como quando votamos o projeto de fiscalização dos partidos, flexibilizando o caixa 2 e acabando com o financiamento de campanha. Naquele dia, vi governo e oposição, juntos, atrás de um projeto que eu não tinha como lutar. Era uma vontade de todos os partidos, mas, na hora, pensei: "estou mudando alguma coisa?", "aqui tem espaço pra gente"? Tenho 25 anos de idade e me vejo onde queria estar, fazendo o que queria fazer, mas só poderei mudar algumas coisas quando mudarem as práticas coletivas. Me arrependo do discurso de nova política que endossei no começo do mandato, então comecei a falar de boa política em vez de nova política. Foi o discurso da nova política que fez com que alguém acreditasse em que Jair Bolsonaro, deputado por três décadas, hoje presidente da República.
Muitos parlamentares devem se licenciar para concorrer às prefeituras em 2020. A senhora vai se candidatar?
Fiz alguns compromissos de campanha que me deram muita liberdade. Sou livre para fazer o que acho correto por causa desses compromissos, como o valor das doações. Estipulei que ninguém doaria mais de 20% do orçamento total da campanha durante as eleições. Entendia que, se alguém doasse tanto, cobraria esse valor depois. A maior doação foi de 9% da verba total. Isso me dá liberdade. Escolhi terminar o mandato de deputada federal, fui eleita para isso e me parece desonesto com os eleitores que eu faça algo diferente. Muita gente acha que sou burra, porque estou bem nas pesquisas e deveria concorrer à prefeitura de São Paulo para fazer nome, mas não faz sentido para mim. Pretendo me candidatar novamente em 2022. Antes disso, vou fazer campanha apenas para pessoas que acredito, pessoas que deveriam estar com mais visibilidade na política. Quero formar um grupo político que pensa diferente.
Mas o PDT não defende a sua candidatura como prefeita?
Essa decisão de não concorrer à prefeitura trouxe alguns conflitos dentro do partido, que não entendeu muito bem meu posicionamento. Mas acho que é uma coisa partidária, cabe a eles estimularem minha candidatura e cabe a mim tomar a decisão. E minha decisão foi a de não me candidatar.
Não é seu primeiro embate com o partido. O relacionamento com a legenda, como vai?
Estou suspensa desde o dia da votação da reforma da Previdência (quando a deputada votou contra o direcionamento do partido, contrário à proposta. Tabata votou a favor). Isso é ruim. Perco muito espaço. É o partido que te indica para comissões, para temas que vêm do Executivo... Mas, até agora, não houve julgamento. O PDT abriu um processo administrativo e ainda não decidiu. O PSD (que também suspendeu deputados por desobedecerem ao fechamento de questão) encerrou esse assunto. O PDT, não. E isso é muito agoniante. Não sei mais nem o que dizer. Já enviamos carta pública, vivemos cobrando, pedimos qualquer posicionamento... E não acontece nada.