O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu entrar numa queda de braço com os integrantes da Lava-Jato, mas, segundo interlocutores do Partido dos Trabalhadores, a tendência é de que o Ministério Público leve a melhor no primeiro momento. Ontem, o petista disse que não aceita nenhuma ;barganha em relação à liberdade; e recusou a mudança do regime fechado para o semiaberto. Foi uma resposta à solicitação de procuradores para a progressão da pena feita à juíza Carolina Lebbos, da 12; Vara de Execuções Penais.
A magistrada pediu informações à Polícia Federal sobre o comportamento de Lula e manifestação da defesa do ex-presidente sobre a solicitação do Ministério Público. A petição é assinada por 15 procuradores, incluindo o coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol. Apesar da controvérsia jurídica sobre a obrigatoriedade de Lula aceitar a progressão do regime do fechado para o semiaberto, que ocasionaria a ida dele para prisão domiciliar, a cúpula do PT trabalha com a hipótese de que Lula terá de aceitar eventual decisão da juíza Lebbos favorável à progressão de pena.
Em entrevista ao Correio, juristas divergiram sobre o direito de Lula a recusar o semiaberto. O PT, entretanto, acredita que, com base na primeira determinação de Lebbos ; derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no início de agosto ; de transferir Lula da Superintência da Polícia Federal, em Curitiba, para um presídio de São Paulo, a juíza não deverá deixar brecha para uma negativa. A Polícia Federal havia solicitado a transferência com o argumento de que a cela improvisada na capital paranaense não tem condições para o cumprimento da pena, por prever apenas a presença de presos provisórios e pelos transtornos causados na vizinhança. A esses argumentos, podem se somar os custos para a manutenção do ex-presidente em Curitiba.
;O entendimento no partido é de que Lula terá que recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso queira seguir com a decisão de progredir de regime;, disse um parlamentar petista. A questão é que o presidente quer impor a narrativa de que é um preso político e que as condenações deveriam ser anuladas. Dois juristas ouvidos pelo Correio consideram que, apesar de incomum, a recusa de Lula em seguir para o semiaberto e, assim, para o regime domiciliar, faz sentido do ponto de vista jurídico. Para Fernando Castelo Branco, professor de direito penal da PUC de São Paulo, Lula não estaria obrigado a aceitar a condição da Justiça na progressão do regime.
;Caso ele não aceite a progressão de regime, eu não vejo como um descumprimento de uma decisão judicial, afinal o Estado não pode impor tal coisa, até porque a pena não foi encerrada;, disse Castelo Branco. ;Claro que é um caso raro, mas o sentenciado pode se recusar a concordar com a progressão de regime;, afirma o jurista. Há um entendimento de advogados e do PT de que o MP pediu a progressão do regime para aliviar parte da pressão sofrida depois do vazamento de mensagens entre integrantes da força-tarefa da Lava-Jato e o ex-juiz Moro.
Para João Paulo Martinelli, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Escola de Direito do Brasil (EDB), ao estabelecer condições para a progressão para o regime domiciliar, Lebbos pode exigir o uso de tornozeleiras eletrônicas. ;Se o presidente não quiser usar, ele descumprirá as condições, fazendo com que seja punido e volte ao regime fechado;, diz Martinelli. ;Não é questão tão fácil de ser resolvida.;
Em casa
O então juiz Sérgio Moro condenou Lula a seis anos de prisão por corrupção passiva e três anos e seis meses por lavagem de dinheiro. O TRF-4 aumentou a pena em 29%. Com o cumprimento de um sexto da pena e bom comportamento, o ex-presidente estaria apto a mudar o regime de cumprimento da sentença, indo para o semiaberto. Neste caso, Lula teria o direito de trabalhar durante o dia, mas o sistema penitenciário não seria capaz de garantir a segurança do petista, o que levaria, por tabela, à prisão domiciliar.
Análise da Notícia
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As fichas de político
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um animal político como poucos na história brasileira. A tensão com os integrantes da Lava-Jato é apenas uma das batalhas travadas pelo petista ao longo da vida partidária. Ao não aceitar a ;oferta; do Ministério Público para progredir de regime, ele apenas está esticando uma corda para constranger os procuradores, que, sabe-se, têm a imagem desgastada com a divulgação dos diálogos com o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça de Jair Bolsonaro.
Ao mesmo tempo que os integrantes do Ministério Público apresentaram o pedido de progressão da pena para ganhar tempo em relação ao julgamento de suspeição de Moro e se mostrarem mais sensíveis aos percalços sofridos pelo ex-presidente, Lula tenta sustentar a narrativa de um preso político, injustamente condenado, pelo menos para os eleitores. Não deixa de ter algum sucesso, até pelo contragolpe no MP, ao recusar a progressão. ;É sui generis um condenado recusar a progressão, do mesmo jeito que é raro ver tanto empenho do MP em pedir tal progressão na realidade do sistema penitenciário brasileiro;, disse ao Correio João Paulo Martinelli, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Escola de Direito do Brasil (EDB).
Há a expectativa de atores de várias cores partidárias de que, com eventual saída de Lula da prisão, ocorra uma forte movimentação política e eleitoral. Lula, entretanto, sabe que isso só ocorrerá com anulações e atrasos das condenações. Assim, na cabeça do petista, a estratégia é desgastar os procuradores e o ex-juiz da Lava-Jato ao máximo. Se aceitar a progressão do regime, perde a narrativa. Por mais pressionado que possa estar pela família a voltar para casa, a tendência é resistir e manter o discurso.
Resta saber se a juíza Carolina Lebbos vai conseguir amarrar a decisão a ponto de mandar Lula para o regime domiciliar sem que ele e os advogados de defesa consigam contra-atacar. (L.C)