Seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram, nesta quinta-feira (26/9), a favor de uma tese que pode levar à anulação de condenações judiciais em todo o país, inclusive no âmbito da Lava-Jato. Segundo o entendimento majoritário, os delatores deverão apresentar as alegações finais, nos processos judiciais, sempre antes dos réus que não fizeram acordo de colaboração premiada. O presidente da Corte, Dias Toffoli, suspendeu a sessão e disse que os trabalhos serão retomados na próxima semana, quando ele apresentará o seu voto. O ministro, entretanto, adiantou que concorda com a tese adotada pela maioria do Plenário, o que significa que o número de votos nesse sentido poderá chegar a sete.
Toffoli disse também que, além do voto, apresentará uma proposta para delimitar a abrangência do entendimento adotado pela maioria do plenário.
O caso concreto examinado pelos ministros é um habeas corpus apresentado pelo ex-gerente de empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado em primeira instância pela Lava Jato a dez anos e três meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No recurso, a defesa reclama que o juízo não permitiu acesso ao conteúdo das alegações finais dos delatores, sendo autorizada apenas a conhecer os documentos novos documentos que foram apresentados por eles.
Na sessão de quarta-feira (25/9), ao apresentar o seu voto, o ministro Edson Fachin, relator do habeas corpus, indeferiu o recurso por entender que a definição de uma ordem para a apresentação de alegações finais não está prevista no Código de Processo Penal, na lei que disciplina as delações premiadas, nem na jurisprudência do STF. No voto, Fachin também alertou para as repercussões que o deferimento do HC traria para todas as ações penais que tenham a figura da delação premiada.
Na continuidade da sessão, nesta quinta-feira (26), o primeiro a votar foi o ministro Alexandre Moraes, que abriu a divergência com entendimento de que o delatado tem o direito de apresentar as alegações finais depois do delator. Ele defendeu que o processo relacionado ao HC em questão retorne à fase de alegações finais na primeira instância, o que significaria a anulação da condenação do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobrás.
Segundo Moraes, todo o delator, embora não seja assistente do Ministério Público, é "partícipe da acusação" e tem como principal interesse a condenação do corréu, sem a qual ele não receberá os benefícios previstos no acordo de colaboração premiada. "A relação entre delator e delatado é antagônica", afirmou o ministro.
Moraes acrescentou que as alegações finais do delator não se configuram um ato de defesa, uma vez que ele já se defendeu em fase anterior ao celebar o acordo de colaboração premiada. "O delator quer é se salvar", disse Moraes, frisando que o corréu que não celebrou acordo de colaboração deseja se defender.
"O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório exigem que o delatado, assim solicitando, tenha acesso a todo o acervo probatório antes de apresentar as alegações finais", disse o ministro, ressaltando que, no caso relacionado ao HC em julgamento, a defesa do réu fez essa solicitação.
Na sequência votou o ministro Luís Roberto Barroso, seguindo o entendimento do relator, Edson Fachin, de que inexiste previsão legal a respeito da ordem de apesentação de alegações finais de delatores e delatados.
O ministro, da mesma forma que o relator, alertou que o HC em julgamento não é um caso isolado, mas capaz de repercutir em todos os processos que tiveram o instrumento legal da delação premiada. Segundo ele, o recurso estava sendo analisado no "contexto do esforço imenso da sociedade no combate à corrupção que devastou o país".
Ao citar grandes escândalos de corrupção no país, como o Banestado e o mensalão, Barroso destacou que o ex-gerente de Emprendimentos da Petrobrás Márcio de Almeida Ferreira, autor do HC, foi condenado a 10 anos e 3 meses por corrupção e lavagem de dinheiro após ter desviado R$ 37 milhões da estatal.
Barroso disse também, citando trechos do processo em primeira instância, que a defesa do ex-gerente pediu e foi autorizada pelo juízo a apresentar as alegações finais após os delatores. Segundo o ministro, embora a defesa tenha recebido novo prazo, não fez qualquer manifestação. "Não falou porque não quis, não precisava e não tinha o que falar", afirmou Barroso.
Ao final da apresentação do voto, ele disse que, se o plenário decidir criar uma norma jurídica prevento qeu os delatores sejam os primeiros a apresentar as alegações finais, ele poderá mudar seu voto, desde que os efeitos sejam aplicados em casos futuros, não causando a anulação de condenações anteriores.
O julgamento foi suspenso quando o placar estava 6 a 3 a favor da tese majoritária. Além de Alexandre Moraes, votaram nesse sentido os ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia - esta última, embora tenha votado a favor da tese, se posicionou contra o HC, por endenter que o ex-gerente da Petrobrás não teve violado o seu direito à ampla defesa.
A tese vencedora do julgamento desta quinta-feira (26/9) é o mesmo que levou a 2a Turma do STF, no fim de agosto, a anular a condenação, proferida na Lava-Jato, do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás, Aldemir Bendini.