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PGR quer ampliar foco da Lava-Jato

Aprovado no Senado, novo chefe do Ministério Público avisa que força-tarefa também combaterá a corrupção nos estados e municípios. Ele critica a lista tríplice, que, segundo diz, alimenta "o toma lá da cá em uma instituição que não pode agir assim"



Durante mais de cinco horas, o subprocurador Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo de procurador-geral da República, enfrentou uma maratona de perguntas no Senado. Ao longo da sessão realizada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ele respondeu a todos os questionamentos e indicou que, nos próximos dois anos, o Ministério Público passará por mudanças importantes em seus posicionamentos. Ao comentar sobre a Lava-Jato, indicou que a operação será interiorizada, a partir de agora, e o foco será a corrupção nos estados e municípios. As declarações lhe renderam uma aprovação por 23 votos a favor e apenas três contra na CCJ. No plenário, outra vitória, com 68 votos a favor e 10 pela rejeição dele ao cargo.

Aras prometeu que o Ministério Público manterá a sua independência em relação aos Três Poderes, mas com foco numa agenda de crescimento do país. O subprocurador tocou até mesmo em temas polêmicos, como o futuro de Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, e no chamado ;ativismo judicial;, termo utilizado para criticar principalmente decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que estariam invadindo competência do Poder Legislativo.

Com um ambiente favorável e atritos escassos, Aras pôde detalhar sua intenção para os próximos dois anos. Ele ressaltou que herdará da ex-procuradora-geral Raquel Dodge 5.473 processos. ;Ou seja, o que eu receberia em dois anos, se tivesse zerado a conta, vou receber da colega;, declarou. Após o compromisso no Senado, ele se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Confira os principais trechos da sabatina na CCJ.

Independência do MP

Não há alinhamento no sentido de submissão a nenhum dos poderes, mas há o respeito que deve reger as relações entre poderes e suas instituições. Eu asseguro a vossas excelências que não faltará independência a esse modesto indicado. Harmonia no sentido de que o sagrado interesse público prevaleça. A independência, por si só, excluída a harmonia, pode gerar conflito, e o Estado conflituoso não ganha.

Lava-Jato

A Lava-Jato traz boas referências, tecnologias, modelos e sistemas, mas é preciso que nós ensinemos que toda e qualquer experiência nova traz, também, dificuldades. No Ministério Público, sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava-Jato, pois ela é o resultado de experiências anteriores, um conjunto de experiências que gerou novo modelo. Modelo este passível de correções. Esta é a nossa intenção: levar toda a experiência da Lava-Jato para estados e municípios, com padrão de excelência a ser seguido. Sempre com respeito à Constituição e às leis do país. Queremos tratar juridicamente, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), integrando o Ministério Público Federal (MPF) aos dos estados com programas que possam levar toda a experiência da Lava-Jato e das demais operações para o combate à macrocriminalidade que, hoje, ocupa o interior do Brasil. Há 13 milhões de brasileiros no campo. Hoje, as organizações criminosas estão elegendo deputados, vereadores, prefeitos. Precisamos unir as expertises para unir o Brasil, para que possa, minimamente, enfrentar a criminalidade. Temos que julgar a Lava-Jato pelos resultados, mas sabemos que homens públicos são julgados pelos meios. Duzentos e oitenta dias de prisão provisória não é razoável.

Deltan Dallagnol

Em relação ao colega Deltan, não há que se desconhecer o grande trabalho que ele fez em busca de resultados apresentados. Mas, se, talvez, tivesse lá alguma cabeça branca, poderia ter dito para ele (Deltan) e para outros colegas mais jovens que poderíamos fazer tudo o que ele fez, mas, talvez, com menos holofotes, com menos custo, posto de outra forma. Agora, o STF pode anular o processo do Bendine (ex-presidente da Petrobras), pois não foi dada vista ao delatado (veja reportagem na página 5). Não custa nada dar três dias (de prazo para apresentação de recursos) aos delatados. Não estou dizendo que o processo é válido ou inválido. Vou ter que recorrer à doutrina. É preciso avaliar se há prejuízos pelo fato de não ter falado por último, como determina a ordem jurídica constitucional. Vamos tirar o que é bom da Lava-Jato e não vamos perseguir o colega por eventuais excessos. Mas nenhum de nós do MP está acima da lei.

Lista tríplice

Nossa presença nesta Casa se faz exatamente no ambiente que, após 16 anos de experiência da lista tríplice para procurador-geral, constatamos a existência de graves defeitos no sistema. O Ministério Público tem por dever o respeito às constituições que são feitas por vossas excelências. É estado de civilidade que nos impõe o respeito à Constituição e às leis do país, de modo que o paradigma que combatemos é o corporativista, não da unidade institucional que buscamos aqui rever, resgatar e voltar a aplicar. A lista tríplice fez com que, a partir de 2003, o corporativismo se atomizasse. Faz com que cada membro do MP caia na armadilha, que assim colocou, não do ativismo, que é uma expressão mais voltada para o ativismo, mas, quem sabe, do voluntarismo, de verdadeira atividade caprichosa de alguns membros.

Corporativismo

(A ex-procuradora-geral Raquel Dodge assinou no último dia) portarias administrativas. Muitas delas, simplesmente exoneraram a elite da PGR, esvaziando a PGR. Mantivemos nos cargos aquelas pessoas que eram da confiança da ex-procuradora-geral. Algumas portarias distribuíram as pessoas mais amigas da antiga PGR, outras portarias limitaram os poderes do PGR, outras portarias administrativas proveram cargos para serem ocupados na gestão do futuro PGR. Ou seja, inovou-se, de tal forma, que a ex-PGR queria simplesmente que o futuro PGR não gerisse nada, simplesmente que a gestão se fizesse nos termos da sua excelência. Mas, entre essas portarias, uma muito interessante. Fico envergonhado. Foi fundada a Ordem das Camélias. Eu me pergunto até que ponto o MP vai criar uma Ordem das Camélias. A que título, com que finalidade pública? São coisas que acontecem. E isso faz parte do corporativismo que tenho de combater. A lista tríplice faz com que se alimente essa conduta de promover o clientelismo, o fisiologismo, o toma lá da cá em uma instituição que não pode agir assim. Instituição que tem que ser regida pelo mérito da carreira, com observância da Constituição.