O presidente da República interino, Hamilton Mourão, almoçava, na última quarta-feira, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentando solucionar a crise com o então secretário da Receita, Marcos Cintra, quando o presidente Jair Bolsonaro telefonou e resolveu a questão. Cintra estava fora do governo. A cena relatada por Mourão mostra algo que, na avaliação do vice-presidente, vale para o todo o governo: ;Uma coisa que todo mundo precisa entender é: Quem é o decisor? O presidente Jair Bolsonaro. A gente pode ter um monte de ideias, mas a palavra final é dele;, diz com a mesma tranquilidade com que se refere ao clima seco em Brasília.
O fato de o presidente ter a palavra final, diz Mourão, não pode ser confundido com um governo autoritário: ;Nosso governo não é antidemocrático;. Tampouco passar a ideia de que há espaço para qualquer atitude de confronto em relação aos outros poderes, por mais que os tuítes de Carlos Bolsonaro possam sugerir algo nesse sentido. ;Se o Carlos fosse Carlos Silva, vereador em Quixeramobim (CE), e falasse isso, alguém estaria dando bola? Ninguém. Agora, como ele tem o sobrenome Bolsonaro e é vereador do Rio de Janeiro, o pessoal diz: ;oh, meu Deus do céu, a família Bolsonaro quer tomar o poder no Brasil;. Não é assim.
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Nos 40 minutos em que recebeu a reportagem do Correio, ele foi incisivo ao dizer que as Forças Armadas nunca quiseram ter protagonismo no governo e, àqueles que temem riscos de retrocessos na democracia, avisa: ;Não há espaço para isso;. Adepto das franquezas no trato, o general é ainda mais direto quando se refere à questão da Amazônia. ;A gente terminou reagindo com o fígado em vez de reagir com a razão;, admite.
No cargo de presidente interino, enquanto Bolsonaro se recupera de uma cirurgia de hérnia, Mourão segue despachando em seu gabinete no anexo II do Palácio do Planalto, onde recebeu o Correio na última sexta-feira. Na entrevista, discorre com naturalidade sobre diversos temas. Sobre eventuais erros de Bolsonaro, no entanto, ele evita comentar: ;Não compete a mim, publicamente, tecer críticas a ele. Estaria sendo desleal e canalha se fizesse isso;.
Será um desafio para o governo sair desse constrangimento a que o país foi colocado em relação a Amazônia? Às vezes por causa de declarações mal-entendidas lá fora, ou respostas atravessadas de lá de fora... Como o senhor vê essa questão que vai ser objeto de discussão na ONU?
Vamos buscar fazer uma análise bem fundamentada. O mundo inteiro, já de algum tempo, está com os olhos postos na Amazônia. Ao longo dos últimos 20 anos, houve, realmente, uma visão mais profunda sobre o papel da Floresta Amazônica em relação ao clima mundial com teses, às vezes, corretas e, outras, totalmente estapafúrdias, como aquela que diz que a Amazônia é o pulmão do mundo. Algo que foi comprovado: que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Praticamente 50% do bioma da Amazônia é área preservada. Ou é área de proteção ambiental ou é terra indígena, que, em tese, tem que permanecer intocada. Então, compete ao governo, por meio dos seus órgãos de fiscalização impedir que essas áreas sejam exploradas de forma ilegal. A área de proteção ambiental, em hipótese alguma, e a terra indígena têm que ser de acordo com os desejos dos índios que habitam cada uma dessas regiões. Bom, então 50% preservados. Nos outros 50%, apenas 20% podem ser explorados, de acordo com nossa legislação ambiental. Aí vamos para a questão das queimadas. Todo ano tem 7 de setembro. E todo ano em agosto, setembro e outubro o pessoal derruba árvore e queima porque é uma forma, digamos assim, tradicional de preparo da terra naquela região, uma forma errada. Então, o governo tem que se preparar, explicar por que essas coisas ocorrem e, dentro da nossa capacidade, buscar impedir que essas queimadas ocorram. E aí tem que haver o quê? A assistência técnica, rural, de modo que esse produtor que aprendeu com o avô, com o pai, mude a forma. E óbvio, existem, também, na Amazônia, três figuras que são complicadas: o madeireiro, o grileiro e o garimpeiro. Então temos que buscar formas para que a população que já se estabeleceu naquela região tenha o seu sustento sem comprometer a biodiversidade, sem comprometer a integridade da floresta e o país tem que buscar as formas mais corretas. Temos uma legislação e temos que buscar fazer cumprir a legislação. O próprio ministro Ricardo Salles, agora em uma entrevista recente, reconheceu que nos comunicamos mal a respeito desse assunto. A gente terminou reagindo com o fígado em vez de reagir com a razão.Mas o presidente não entrou com o pé esquerdo, digamos assim, nessa história, quando disse que não havia recursos, que o Brasil não conseguia fiscalizar? As primeiras declarações dele foram na linha de ;a gente não tá dando conta do recado;...
O presidente reagiu ao que ele julgou uma ofensa de parte do presidente da França. E, realmente, o presidente da França emitiu um documento, não lembro direito se foi um documento, ou declaração, dizendo que o presidente mentia. Era mentiroso. E aí é aquela história, né? A razão foge muitas vezes nessa hora. Mas o presidente já reconheceu há algum tempo a nossa responsabilidade, ele está se preparando, daí esse repouso até maior dele, para, na abertura da Assembleia-Geral da ONU, poder, realmente, transmitir essa mensagem e acalmar os ânimos no resto do mundo.Qual sua expectativa para o discurso do presidente na ONU? Qual o principal recado que deve transmitir?
O recado número 1: a Amazônia é nossa. Isso aí, não podemos admitir em hipótese alguma, essa questão de soberania limitada ou uma ingerência além daquilo que os tratados internacionais, ao qual o Brasil subscreve, preveem. O segundo recado: ela é nossa e compete a nós protegê-la e preservá-la.O senhor diz que houve uma reação com o fígado. Isso não tem acontecido com frequência maior do que deveria nesses oito meses?
Olha, eu já respondi até alguns colegas de vocês a esse respeito. Sou vice-presidente do presidente Bolsonaro. Então, não compete a mim, publicamente, tecer críticas a ele. Estaria sendo desleal e canalha se fizesse isso. Então, todas as vezes que discordo de alguma coisa dele, eu falo em particular.O senhor tem falado muito em particular com ele ultimamente?
Não, ultimamente, não, porque ele está lá no hospital.Mas sempre fala?
Sempre que temos alguma oportunidade conversamos e procuro expor meu ponto de vista sobre determinado tema.
Houve momento em que passou-se a ideia de que os senhores estavam meio afastados. Esse período passou?
Não, nunca houve essa questão do afastamento. É que o presidente tem a forma peculiar dele de se expressar, de agir, né? E aí o processo decisório dele funciona mais ou menos dessa forma. E eu procuro ter uma atuação mais discreta possível, de modo que ele tenha toda a liberdade de manobra para empreender aquilo que ele julga correto.
No início do governo, o senhor falava mais com a imprensa, depois de um tempo, deu uma pausa, e, agora,está retomando as conversas. Por quê?
Eu era um animal novo na política. Ninguém me conhecia. Até porque não sou político. Havia uma curiosidade a meu respeito. Desde o período da transição e até os dois primeiros meses de governo, eu fui procurado praticamente diariamente pelo pessoal da imprensa. E, óbvio, houve uma exposição maior. Depois que chegaram à conclusão, ;ah, bom, o general Mourão pensa dessa forma, então não adianta mais ficar perguntando mais do mesmo para ele;. E aí eu fui deixado de lado, até porque outros atores surgiram nesse embalo, outros fatos aconteceram e fiquei na posição que é a do vice-presidente, uma posição secundária.O senhor volta a fazer essa comunicação do governo agora que o presidente tem dado sinais de que não deve mais conceder aquelas entrevistas quase que diárias no Palácio da Alvorada?
Se o presidente me der alguma tarefa. ;Olha, você procure a imprensa e converse a respeito do assunto X;, eu cumpro a tarefa dele. Agora, não vou ultrapassar aquilo que considero que é a autoridade dele e que é a tarefa dele nessa situação. Então procuro sempre manter uma situação, um apoio mais à retaguarda dele. E óbvio que o presidente leva essa dicotomia. Passou uma semana falando, outra não fala, daqui a pouco ele volta a falar.No caso da demissão do secretário da Receita, esse limite prevaleu?
A demissão do secretário da Receita, na realidade, já vinha sendo aventada há algum tempo. O próprio ministro Paulo Guedes sentiu que a posição do Marcos Cintra estava balançando. E tanto que fomos almoçar na quarta-feira e ele me perguntou o que nós íamos fazer. E mal a gente sentou, o presidente telefonou e já passou a determinação de que era necessário que o Marcos Cintra saísse, porque não concordava com a questão da CPMF, estava gerando muito ruído.A CPMF foi a gota d;água. A relação já vinha se deteriorando desde lá de trás, não? Agora, a CPMF era defendida, também, pelo ministro Paulo Guedes. Como fica agora a proposta de reforma tributária?
Uma coisa, todo mundo tem que entender. Quem é o decisor? O presidente Bolsonaro. Podemos pensar as coisas mais mirabolantes do mundo, mas é ele quem vai decidir. Muitas vezes a gente expõe demais aquilo que está sendo planejado, discutindo entre muros. E isso toma uma dimensão grande junto à opinião pública, junto ao Congresso, e o presidente termina por dizer: ;não, peraí, eu não quero essa discussão;.
Em um país dividido como a gente tem hoje, muita gente tinha receio de que os militares assumissem o poder no Brasil. Mas o senhor, como vice-presidente, tem sido uma voz democrática, que dá uma tranquilidade ao país. Esse é o seu perfil ou é o perfil realmente dos generais?
Existe uma imagem totalmente errada, um desconhecimento por grande parte da imprensa, do que são os militares brasileiros. Criou-se uma imagem em relação ao período de presidentes militares, também distorcida. Desconhecem como é a nossa formação, como é a nossa maneira de pensar, e fica só aquele estereótipo, muitas vezes confundido com figuras que ficaram no passado. Tudo na vida evolui. E uma realidade é que as Forças Armadas brasileiras sempre foram uma instituição democrática. Em todos os momentos da vida nacional se apresentaram para preservar a lei, a ordem, e garantir que a democracia terminasse por vicejar. Essa é uma realidade, independentemente da maneira que se julgue o período de 20 anos de presidentes militares. No futuro, isso vai ser colocado na pauta e vai ser pesado em relação a isso. Aí entra aquele desconhecimento e essa surpresa, ;os generais são moderados;. Não tem nada a ver com moderado. Nós entendemos qual é o papel das Forças Armadas dentro de um regime democrático, as nossas missões estão muito bem definidas na Constituição.Mas o senhor tem sido uma voz em defesa da democracia. Em vários momentos, o senhor se manifestou, inclusive agora, nesta semana, em relação à declaração do Carlos Bolsonaro...
O nosso governo não é antidemocrático. Acho que se procura colocar uma coisa nas costas do presidente Bolsonaro que ele não é. Se fosse antidemocrático, não tinha concorrido à eleição.
Mas, às vezes, é preciso reafirmar isso, como essa semana, no Twitter, em que o senhor deu uma declaração reforçando a importância de estarmos vivendo em período democrático. Isso é necessário? Por quê?
Para acalmar as coisas, né? Porque; o Carlos fez uma declaração que tem que ser perguntada a ele, o que ele quis dizer com aquilo. E aí, obviamente, se o Carlos fosse Carlos Silva, vereador em Quixeramobim (CE), e falasse isso, alguém estaria dando bola? Ninguém. Agora, como ele tem o sobrenome Bolsonaro e é vereador do Rio de Janeiro, o pessoal: ;oh, meu Deus do céu, a família Bolsonaro quer tomar o poder no Brasil;. Não é assim. Como a família Bolsonaro vai tomar o poder no Brasil?
Só se tiver apoio dos militares...
Não existe mais espaço para isso. Vocês têm que entender que, em determinados momentos da história, isso funcionou. Hoje, não funciona mais. O Brasil é muito complexo, uma sociedade complexa. Não é assim, ;pô, manda ligar o motor, fecha o Congresso, fecha isso, fecha aquilo, e muda tudo;. Não é assim.As pessoas podem ficar tranquilas? Não há nenhum risco?
As pessoas podem ficar mais do que tranquilas.Voltando um pouco àquela questão do presidente e o poder de comando dele. O ministro Paulo Guedes falou que quer privatizar tudo. O senhor acha que é por aí?
O presidente tem dado sinalização positiva e até já me surpreendeu, com ele assim, ;privatiza os Correios;. E ele vem pressionando. Os Correios são uma estatal emblemática. Não é uma Valec.Mas uma coisa é a Eletrobras, que carrega junto todas as bacias hidrográficas, porque tem as grandes hidrelétricas, e a privatização pega o controle sobre a água do Brasil. Os chineses têm muito interesse, e querem entrar com tudo nessa área de energia. Há preocupação com o modelo de privatização?
O controle pelo Estado nunca significou que você detém a riqueza na mão. Nunca significou isso. Então isso é uma visão, vamos colocar assim, meio ultrapassada. Temos que ter uma legislação que nos assegure efetivamente o controle e não a gente deter as rédeas da empresa. E a gente sabe que as empresas estatais nascem sob uma excelente ideia, mas, depois, viram um cabide de emprego e são desvirtuadas.Agora, o senhor acha que tem que privatizar tudo?
A Petrobras, ainda que parte da exploração de petróleo, tem que permanecer na nossa mão. Banco do Brasil já é uma S/A, a Caixa, desde que bem gerenciada, não é um problema.
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