"Nos últimos meses, observamos (no Brasil) uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições impostas ao trabalho da sociedade civil", disse Bachelet em entrevista coletiva em Genebra.
A ex-presidente do Chile (2006-2010 e 2014-2018) também evocou um aumento do número de pessoas mortas pela polícia no país liderado pelo presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, ressaltando que esta violência afeta desproporcionalmente os negros e as pessoas que vivem em favelas.
Ela lamentou o "discurso público que legitima as execuções sumárias" e a persistência da impunidade em vigor desde a chegada de Bolsonaro ao poder.
Também se referiu ao desmatamento da Amazônia, causado, segundo especialistas, pelo avanço das atividades agrícolas e de mineração, em um processo que começa com queimadas.
Reação de Bolsonaro
Os comentários de Bachelet desencadearam a fúria de Bolsonaro, que, no Twitter, acusou a funcionária da ONU de "se intrometer nos assuntos internos e da soberania brasileira".
Segundo Bolsonaro, Bachelet está "seguindo a linha" do presidente francês, Emmanuel Macron, que recentemente evocou uma internacionalização da Amazônia, caso o Brasil não consiga controlar os incêndios que devastam a maior floresta tropical do planeta.
De janeiro a 3 de setembro, os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) contabilizaram 93.947 focos incêndios no Brasil, 772 a mais do que na segunda-feira. Trata-se de um recorde para esse período, desde 2010, sendo que 51,9% do total foram registrados na região amazônica.
A controvérsia ocorre a menos de três semanas do início dos debates na Assembleia Geral da ONU em Nova York.
Bolsonaro, que passará por uma cirurgia no domingo, disse na segunda-feira que vai a Nova York "até de cadeira de rodas" para defender a posição do Brasil na questão da Amazônia.
Elogio a Pinochet
Falando na saída de sua residência oficial em Brasília, Bolsonaro, ex-oficial do Exército, voltou a elogiar a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990), que derrubou o governo socialista de Salvador Allende.
Bachelet "diz que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai, brigadeiro à época".
O pai da comissária da ONU, general de aviação Alberto Bachelet, foi preso e torturado após o golpe de Pinochet e morreu na prisão no ano seguinte.
"Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de Direitos Humanos da ONU", acrescentou Bolsonaro.
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A Amazônia é nossa
O presidente brasileiro está em disputa aberta com Macron há semanas devido ao aumento alarmante de incêndios na Amazônia, descrito como "crise internacional" pela França.
Em entrevista publicada na terça-feira pelo jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro reiterou que só aceitará a ajuda para combater os incêndios anunciada por Macron após a recente reunião do G7, se o presidente francês se retratar por ter sugerido a internacionalização da Amazônia.
E, ironicamente, ele agradeceu a Macron por permitir que empunhasse a bandeira do nacionalismo, em uma época em que o presidente brasileiro sofre uma erosão de sua popularidade.
"Não preciso de esmolas. Ele (Macron) me deu duas coisas de graça: o discurso da soberania e o do patriotismo".
Ontem, Bolsonaro pediu aos brasileiros que usem as cores verde e amarelo durante as comemorações de 7 de Setembro para reafirmar a soberania brasileira sobre sua região amazônica.
"Não é para me defender, ou ofender quem quer que seja. É para mostrar pro mundo que este é o Brasil, que a Amazônia é nossa", afirmou.
Para o analista Thomaz Favaro, da Control Risks, "a ideia de que a Amazônia deve ser protegida da cobiça estrangeira é tão antiga quanto o próprio país".
"Bolsonaro usa a retórica nacionalista para angariar apoio nessa escalada de tensão com os líderes europeus", concluiu.