Em um cenário de crise política, que não acabou com a eleição, o presidente Jair Bolsonaro não tem sido capaz de buscar uma "conciliação" e dialogar com demais setores da sociedade. A análise é do sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, autor de, entre outros livros, Presidencialismo de Coalizão - Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro.
"Ele nasceu no extremo. Sempre foi o que é. Está na direita, bem lá na ponta", disse em entrevista ao Estado. Segundo Abranches, a perda de popularidade de Bolsonaro é "preocupante". "Qualquer fagulha pode pegar fogo."
O sociólogo afirmou ainda que a polarização minou a centro-esquerda e empurrou o PT, principal partido de oposição, para uma esquerda de "posições que já deveria ter abandonado", enquanto PSDB e DEM foram puxados para a direita.
"Está vazia uma centro-esquerda e até um centro mais moderado, com uma visão mais social, um posicionamento contemporâneo, reformista, que tenha consciência da crise dos empregos, dessa nova economia, que entenda que a globalização é inevitável e que o mundo hoje é mais cosmopolita."
Por que, com apenas oito meses de um novo governo, já se fala em cenários para 2022?
O Brasil está em uma crise política desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff. A crise não foi superada. O impeachment agravou a crise e aguçou a polarização. Michel Temer também não conseguiu superar a crise, que, depois, virou paralisia de governo no momento em que ele precisou obter o veto para impedir que fosse processado no Supremo. A polarização que continuou no governo Temer desaguou nas eleições de 2018, que foram disruptivas, mas pouco construtivas.
Pesquisa divulgada na segunda-feira, 26, mostrou que a desaprovação pessoal do presidente Bolsonaro subiu de 28% para 53%. Isso é motivo de preocupação?
Há razões para ficar preocupado. A crise não acabou com o fim da eleição. Continua sendo um governo no contexto de uma crise política, que se agravou porque o presidente tem uma atitude de confrontação. Ele não é capaz de um movimento de conciliação, de uma abertura para setores da sociedade e do mundo. É muito fechado. Em geral, quando o presidente perde rapidamente popularidade, temos um quadro de instabilidade da própria governança. Isso pode produzir um tipo de conflito que não seria positivo para o momento atual. Temos a continuação da crise econômica, uma situação social que não é boa, um contexto como o Cerrado na seca. Qualquer fagulha pode pegar fogo. É um quadro preocupante.
Há uma discussão em torno da fusão de partidos, notadamente entre DEM, hoje representado pela figura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e pelo PSDB, liderado pelo governador João Doria. Como avalia essa possibilidade?
É muito provável que haja esse processo de fusão de partidos à medida que vamos nos aproximando de 2020, a não ser que o Congresso revogue a proibição de coligações proporcionais, o que seria muito ruim. O movimento natural é que aqueles com certa afinidade de valores e comportamentos se fundem. O PSDB se moveu para a direita, é natural que se funda com o DEM. São partidos de centro-direita. João Doria, Alexandre Frota (expulso do PSL), as novas relações foram movendo o partido mais para a direita, ainda que haja uma facção mais à esquerda, claramente minoritária, e candidata a buscar outra legenda.
O sr. entende que Bolsonaro foi empurrado para o extremo?
Não, ele nasceu no extremo. Sempre foi o que é. Ele até andou tentando maquiar a posição dele, dizendo que é de centro-direita, mas ele é de direita mesmo, lá na ponta.
E quem vai ocupar o espaço do centro na política nacional?
O espaço que está ficando vazio na política hoje é a centro-esquerda. O PT está na sua própria crise e não consegue formular uma nova posição, mais contemporânea e alinhada com os desafios do século 21. Há uma parte importante da centro-esquerda sem representação. Com a polarização, o PT foi empurrado para uma esquerda de posições que já deveria ter abandonado, retrógradas. Já outros partidos foram sendo puxados para a direita. Está vazia uma centro-esquerda e até um centro mais moderado, com uma visão mais social, um posicionamento contemporâneo, reformista, que tenha consciência da crise do emprego, dessa nova economia, que entenda que a globalização é inevitável e que o mundo hoje é mais cosmopolita. Há uma demanda para lideranças progressistas que pensem saídas para a frente, e não saídas para trás.
O apresentador de TV Luciano Huck e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung têm mostrado disposição de entrar no jogo político. Eles poderiam ocupar esse espaço?
Conheço a trajetória do Paulo Hartung. É um candidato claro a ser um protagonista na formação de um pensamento social-democrata. Começou na prefeitura de Vitória com uma aliança PSDB-PT pouco provável. Ele tem uma visão que permite isso. O Luciano Huck não sei como pensa. Mas, claramente, Paulo Hartung é um político que tenta gravitar e construir uma alternativa nesse perímetro entre a centro-esquerda e o centro.
Onde vê o ministro Sérgio Moro em um cenário eleitoral?
Politicamente, hoje não consigo ver. Ele tomou uma decisão muito custosa, abandonou uma carreira de juiz segura, estável, previsível, por um cargo muito incerto, sujeito a chuvas e trovoadas. O Ministério da Justiça sempre foi um espaço de muito conflito. Todo ministro é demissível a qualquer momento. É um cargo muito precário. Foi uma escolha de muito risco e, para tomar esse risco, ele deve ter algum mecanismo de proteção, um acordo para voltar para a magistratura em um cargo de nomeação, ou mesmo uma perspectiva de entrar na vida política. O que vejo é que foi uma troca do certo pelo incerto.
Como as disputas locais de 2020 ajudarão a definir as disputas nacionais?
As lógicas são muito diferentes, são sistemas partidários distintos. Partidos importantes no Rio não necessariamente têm força em capitais do Nordeste ou do Sul. A qualidade de vida das cidades é muito próxima do cidadão, os temas locais predominam. Mas, ciclicamente, tem havido momentos em que as eleições municipais coincidem com o debate nacional. O discurso se repete quando o quadro está muito polarizado, em uma crise como a de agora. Se o discurso não mudar, teremos um debate, sobretudo nas capitais, muito mais nacionalizado. Mas entendo que a escolha do eleitor continuará sendo baseada em questões locais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.