Na tarde da última quarta-feira, Cid recebeu a reportagem do Correio no gabinete, no 10; andar do Senado. Falou durante uma hora sobre o governo de Jair Bolsonaro, o difícil papel da oposição, o ministro Sérgio Moro e a candidatura do irmão Ciro Gomes. Sobre o chefe da Justiça, o senador foi impiedoso: ;Ele nunca me enganou, nunca foi juiz. É um político;. Sobre o ex-candidato à presidência nas eleições de 1998, 2002 e 2018, Cid afirma: ;Ele deverá será candidato novamente em 2022.; A seguir os principais trechos da entrevista:
Qual a dificuldade da oposição em fazer um contraponto ao governo Bolsonaro?
O governo Bolsonaro é um governo controverso, que acaba inspirando sentimentos controversos Brasil afora. O Brasil é um país de diferenças muito grandes na economia e na cultura. Isso, de alguma forma, dificulta a unidade. Mas o Bolsonaro, hoje, é reprovado. Nos municípios do Ceará, o índice de reprovação dele supera os 70%. O PDT tem um senador do Maranhão e um de Rondônia, e, se você for ver o nível de aprovação do presidente nesses dois estados, é diferente. Óbvio que isso faz com que você não tenha ainda um sentimento que una todos os partidos numa posição mais clara de oposição. Acho que é o que descreveria o comportamento do parlamento brasileiro em relação ao governo. A reforma da Previdência, que nós não apoiamos, foi aprovada na Câmara a despeito do governo, que só criou dificuldades. Há um sentimento de que é preciso colocar as coisas nos eixos.
Então, boa parte da oposição está ;dando um tempo;?
Boa parte está dando um tempo e boa parte do Brasil acha que só a negação, agora, já é um bom caminho. Bolsonaro faz tudo errado. Um presidente que queira se impor como autoridade legitimada, passada a campanha, não deveria ficar aprofundando dissensos e controvérsias. Ele deveria se esforçar para ser o presidente do conjunto da população brasileira.
Os aliados dele vêm dizendo que ele é assim mesmo e não vai mudar;
Lamento muito. Sou de oposição. Mas, oposição existe mais de uma, e isso é algo que procuramos demarcar. Nós, PDT, Rede, PSB, Cidadania, a gente quis claramente mostrar um comportamento de independência. Não diria que estão todos na oposição, mas muitos que depositavam alguma expectativa favorável ao governo Bolsonaro já estão se decepcionando. Mas queremos deixar claro que não somos a oposição que o PT faz. O PT tá diferente também.
Como assim, diferente?
Estou falando de bancadas, e elas não são uníssonas. No Senado, o papel pessoal acaba muitas vezes se sobrepondo às estratégias coletivas. O Jaques Wagner não tem aquele comportamento tradicional de ;quanto pior melhor;, até porque já foi governo e sabe como é que é isso. O Rogério Carvalho, senador por Sergipe, foi secretário e tem tido um comportamento diferente. Você vê pela fala deles que não estão no radicalismo da oposição por oposição.
Faltou uma leitura sofisticada na campanha de que existia uma força eleitoral do Bolsonaro?
Nenhum analista brasileiro considerou possível uma vitória de Bolsonaro até ele levar a facada. Até aquele dia eu não tinha ouvido um prognóstico ou preocupação de que ele viesse a ser presidente.
Mas, em maio, junho, do ano passado, já era possível ver que ele tinha 80% de votos consolidados...
Uma coisa era ele ir pro segundo turno e outra era ganhar. O segundo turno já estava claro por uma série de negações. Ele era o estuário das negações: cota racial, cuidados com o meio ambiente, ;xiitismos; exagerados. E ele ia recebendo tudo isso de graça, sem formular nada.
Faltou, então, uma leitura mais sofisticada?
Nada melhor do que avaliar o passado à luz de experiências. O que aconteceu na Argentina poderia ter acontecido no Brasil. Você tem uma força que é tradicional e polariza, tem um núcleo duro forte, mas tem uma rejeição majoritária. O que fazer numa hora dessas? Você procura um neutro para evitar o Bolsonaro, que não tivesse desgaste. Parece que eu estou fazendo campanha para o Ciro, mas era o óbvio. Tanto que ele acabou o terceiro colocado, era a alternativa.
O senhor tem mágoa do PT nessa história?
Tenho uma queixa que vou levar pro resto da vida, ou até que eu deixe de ter vergonha de dizer que sou de esquerda. Eu, hoje, tenho vergonha de dizer que sou de esquerda.
Por quê?
Porque o PT acabou passando para a população a ideia de que esquerda é o vale-tudo, pode meter a mão, pode fazer o que quiser sem o mínimo de moral e ética, numa crença de que, para alguns, os fins justificam os meios. E virou sinônimo de corrupção e de desmando, de irresponsabilidade, enfim, um conjunto de coisas que ficou colado na esquerda.
O senhor critica o PT, mas participou do governo e defendeu a permanência da Dilma...
Vou morrer dizendo que a Dilma era uma pessoa bem-intencionada, que não cometeu um crime que justificasse o impeachment. Mas teve um milhão de equívocos no governo. Isso, obviamente, trouxe um desgaste político, e os aproveitadores assumiram o poder. Tanto é que boa parte do PSDB se arrepende de ter apoiado o impeachment e dado chances para que boa parte do desgaste do PT tivesse uma releitura. Se tivessem deixado a Dilma até o fim, o PT estaria com um problema por muitos anos. Lá no Nordeste, o PT se recuperou a partir do momento que o Michel Temer foi pior do que a Dilma. As pessoas começaram a sentir saudade da Dilma e, principalmente, do Lula.
E as pessoas estão certas em sentir saudades do Lula?
Se você analisar o nível de consumo das pessoas, a renda média brasileira, é claro que era melhor no tempo do Lula do que é hoje. Isso quer dizer que o Lula é o ideal? Eu não considero, por isso, não estou no PT. O PT é um partido que tem um viés corporativo e sindical muito forte, e essa é uma escola na política terrível, porque eles não têm limite e fazem o que for necessário, aparelham, pegam comissão. Não são todos, mas tem muitos que não têm o menor prurido nisso, acham normal. Mas, muitas vezes, a corrupção é utilizada como discurso por quem quer se aproveitar e ter o poder pelo poder. Acho que é o caso de Bolsonaro. Eu não espero nada deste governo. Ele só inspira beligerância, futrica. E, muito brevemente, escrevam o que estou dizendo, isso trará prejuízos graves para a nossa economia.
Em determinado momento, o Ciro Gomes foi visto como a única pessoa efetiva para contrapor esse discurso mais agressivo e duro de Bolsonaro...
A campanha do Ciro foi crescente. Quanto mais demorasse, mais as pessoas perceberiam isso.
Ele será candidato em 2022, ou ainda não é o momento para essa avaliação?
Eu acho que vai. Claro que você não pode passar ideia de que é um oportunista, que não quer nem saber quem está no governo, que é poder pelo poder e tal. Mas à medida que o governo Bolsonaro se desgasta, a gente tem que começar a se preparar.
Como o senhor avalia os diálogos da força-tarefa divulgados pelo The Intercept?
A Justiça não pode ser algo espetaculoso. E o comportamento da turma, ali, juiz e promotores, sempre foi absolutamente espetaculoso. Disse para o Moro (Sérgio Moro, ministro da Justiça) lá na comissão: a Justiça, para ser imparcial, não pode tomar partido. Para mim, está cada vez mais claro: como é que um juiz renuncia ao cargo e vai ser ministro do um candidato que falava mal do partido do outro que ele prendeu? Fica sob suspeita.
Como é que o senhor vê a situação do Moro agora no governo?
Quem muito quer muito arrisca e muito perde. Ele, pelo visto, é ganancioso, não tem nada de magistrado, é um político, tem pretensões, vaidades políticas. Agora, está no mundo da política. Bolsonaro vai querer mandar na Polícia Federal e imagino que ele não vá aceitar isso. Vão brigar. Aí o Doria chama para ir para lá, para São Paulo. Enfim, vai virar mais um político.
E o pacote do Moro?
Sinceramente, eu desconfio de tudo que parta dessa figura, que parta dele. Para mim, ele não é um juiz, é um político, com viés politiqueiro, então eu desconfio. Corrupção, ética e honestidade, para mim é pré-requisito. Os que são defensores do combate à corrupção, pode ir atrás que é tudo santo de pau oco.
Por falar em Doria, o senhor acha que ele vai ser um player de 2022?
Não creio. Papai dizia que a gente tende a prognosticar aquilo que a gente deseja. Por isso, sempre que eu faço um prognóstico, eu me lembro disso e tento me isentar. O Doria é almofadinha demais, aquela coisinha muito arrumadinha demais.
E o Luciano Huck?
É mais popular. Gosto dele. Com todo o respeito, vamos de novo para uma aventura na Presidência da República? O Huck tem pretensões políticas? Vamos testá-lo como prefeito do Rio de Janeiro ou de São Paulo, como governador de um estado, para depois colocar na presidência da República. Bolsonaro ainda tinha uns mandatos de deputado federal. Mas pegar do nada?
O senhor acha que foi um erro o Lula escolher a Dilma?
Vai parecer despeito. O Lula tinha dito para mim que ia ser o Ciro, acredita? Assim que foi reeleito (2006), ele registrou muita gratidão ao Ciro, que o apoiou, diferentemente de muitos companheiros petistas que o abandonaram. Eu ouvi do Lula: o Ciro vai ser o candidato à minha sucessão. Depois, Lula foi recuperando, ficou o presidente mais popular da história do país e achou que podia botar alguém que, na cabeça dele, tutelaria. A Dilma, eu conheço, não aceita tutela nem do Lula, e não aceitou.
Bolsonaro será um forte candidato?
A preços de hoje, vai. Aí, tem 30%, vamos dizer que desses 30% de aprovação, tenha 25%. Eu já tive aprovação de 94%, no entanto, só votaram no meu candidato 52%. Uma coisa é você aprovar um governo outra coisa é votar num candidato. Quando fui candidato à reeleição, eu tinha aprovação, como governador, de 75% e tive 62% dos votos. Tem uma parcela que aprova, mas na hora, dá oportunidade para outro.
O senhor vê perspectiva de melhora da economia que possa ajudar o presidente?
A casa está tão sem comando que começam a ver que não podem esperar nada dele. Aí aparece o Rodrigo Maia, que tocou a reforma da Previdência. As pessoas estão percebendo isso. Eu não posso torcer contra o Brasil, não é razoável que você torça pela aflição de quem não tem oportunidade de trabalho, para desmilinguir as contas públicas. Então, o caminho mais claro, hoje, é repassar a competência para estados e municípios. No mínimo você vai diluir o risco em vez de deixarR$ 20 bilhões na mão do Bolsonaro para fazer Deus lá sabe o quê.
A indicação do filho do presidente para a embaixada vai passar no Senado?
Acho que será um placar muito apertado, aprovando ou rejeitando.