Em resposta a críticas do governo Bolsonaro, a Igreja Católica afirmou que os bispos envolvidos na organização do Sínodo da Amazônia estão sendo "criminalizados" e tratados como "inimigos da Pátria". Em carta, religiosos rebateram avaliações de que o evento, que tem em sua pauta questões ambientais, represente alguma ameaça à "soberania nacional", como argumenta o Palácio do Planalto e alas conservadoras do clero.
"Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da Pátria", diz documento publicado ontem, após três dias de reuniões em preparação ao Sínodo - que está marcado para outubro, em Roma. Cerca de 120 religiosos católicos participaram do encontro em Belém.
A carta foi encomendada pelo cardeal d. Cláudio Hummes, nomeado pelo papa Francisco como relator do Sínodo e porta-voz do pontífice para o tema, para desfazer o que os bispos consideram visões distorcidas sobre as intenções do Vaticano. Na única entrevista que deu após sua nomeação, d. Cláudio disse que o papa quer "pressionar" os governos locais a agir, entre eles, o Estado brasileiro, e defende ajuda internacional aos países afetados pelas queimadas - "criminosamente provocadas", nas palavras da Igreja.
Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, a realização do Sínodo é vista com ressalvas por integrantes do governo brasileiro. O Palácio do Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição a Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e estaria se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.
No evento em Roma, bispos de todos os continentes vão discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma "agenda da esquerda", como situação de povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas. Procurado, o Palácio do Planalto não quis comentar a carta.
Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Fernando Henrique Cardoso, o general da reserva Alberto Cardoso contestou o tom da carta dos religiosos. Segundo o general - que não faz parte do atual governo, mas é voz influente entre os militares -, os integrantes da Igreja "estão sendo criminalizados pelas atitudes deles de tentar interferir em questões da soberania". Para o ex-ministro, o grupo que trabalha no Sínodo da Amazônia apresenta como uma das metas da Igreja "uma nova ordem social e política" e "isso não é papel da Igreja, que tem como papel fazer orientação espiritual aos seus fiéis".
Soberania
A redação da carta foi coordenada pelo bispo emérito do Xingu (PA), d. Erwin Krautler. O documento relata que os bispos estão "angustiados" com a degradação ambiental e "horrorizados" com a violência na Amazônia. E afirma que foram os bispos brasileiros que solicitaram ao papa uma assembleia especial dedicada à floresta tropical.
A defesa da "responsabilidade mundial" pela preservação da Amazônia também é reforçada na carta divulgada ao final do encontro em Belém. Os bispos afirmam, no entanto, que a soberania dos países sobre os territórios não estaria em questão. "A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável. Entendemos, no entanto, e apoiamos a preocupação do mundo inteiro a respeito deste macrobioma que desempenha uma importantíssima função reguladora do clima planetário."
O "currículo" da Igreja na Região Norte virou um argumento dos bispos para justificar a participação deles num movimento de pressão política para mobilizar o governo a intervir na crise ambiental, agravada pelos recentes incêndios florestais. O arcebispo metropolitano de Belém, d. Alberto Taveira Corrêa, disse que a Igreja é a instituição que tem mais conhecimento dos problemas amazônicos, um recado indireto aos militares que questionaram a preparação do Sínodo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.