A má fase do Ministério Público
Durante a seca que assola Brasília, uma tempestade perfeita de areia se instalou nas proximidades do prédio espelhado da Procuradoria-Geral da República, na Avenida das Nações. A pouco mais de um mês da saída da chefe do Ministério Público, Raquel Dodge, uma série de notícias aparentemente sem relação revelam como a corporação ; ou pelo menos uma parte dela ; está com a imagem empoeirada.
Amanhã, o chefe da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, enfrenta os integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Protagonista das conversas vazadas e acusado de ter ultrapassado limites nas investigações, o procurador ; outrora estrela no combate à corrupção ao lado do hoje ministro da Justiça, Sérgio Moro ; está acuado. É dado como certo que Dallagnol receba alguma punição, o que apenas vai escancarar o enfraquecimento da própria força-tarefa.
Se antes havia um certo limite cerimonioso entre os críticos da operação nos tribunais e no Congresso, tal barreira foi quebrada. Os alertas sobre eventuais abusos nas investigações deixaram de ser exclusivos de ministros do Supremo Tribunal Federal como Gilmar Mendes e passaram a ser uma tônica entre os mais fortes do Judiciário e do Legislativo. Protegido pela popularidade ainda em alta, Moro tem uma condição diferente da de Dallagnol, que sabe sofrer também um processo político neste momento, como de resto uma parte dos seus investigados.
Os integrantes da Lava-Jato, incluindo aí o ministro Moro, não entenderam como parte da imprensa começou a questionar a investigação, principalmente depois das revelações das conversas sobre agenciamento de palestras e combinações nas investigações. Algo natural, na cabeça deles, dado o fato de terem sido alçados à categoria de heróis por gente que apenas divulgou as investigações, avançando pouco ou quase nada no trabalho jornalístico.
A outra notícia esperada da semana é a escolha do sucessor de Dodge, que será definido até a próxima sexta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro. O detalhe é que o capitão reformado desdenhou, até o momento, dos três mais votados na lista tríplice, promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPR. Antes de um desprestígio com a entidade de classe, o movimento de Bolsonaro é uma desconsideração com a própria carreira, que fez uma votação, mas ainda não viu o presidente se reunir com nenhum dos eleitos.
Para quem não acredita em azar, a hora talvez seja a de definir novas estratégias, sacudir a poeira e seguir.
Piadas
As piadas infames cada vez mais frequentes de Bolsonaro com Moro mostram um ministro incomodado e refém de um chefe decidido em emparedar os subordinados. A pergunta é: será que, em algum momento do dia, o ex-juiz se arrepende de ter abandonado a toga e embarcado no governo do capitão reformado?