O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), será o relator da interpelação protocolada ontem pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, para que o presidente Jair Bolsonaro esclareça declarações feitas sobre seu pai, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, morto por forças do Estado durante a ditadura militar, segundo documentos oficiais. Na segunda-feira, o chefe do Executivo disse que Fernando Santa Cruz foi assassinado por membros do ;grupo terrorista; Ação Popular, do qual era integrante, por suspeitas de traição. Na interpelação, o presidente da OAB aponta possível ocorrência de crime de calúnia e deixa clara a pretensão de mover uma ação penal contra Bolsonaro. Barroso vai notificar o chefe do Executivo para que sejam prestados os esclarecimentos solicitados, embora ele não seja obrigado a responder aos questionamentos.
Na segunda-feira, Bolsonaro colocou em dúvida as conclusões oficiais a respeito do desaparecimento de Fernando Santa Cruz. ;Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade;, disse. Horas depois, durante uma live na internet, enquanto cortava o cabelo, o chefe do Executivo acrescentou que o pai de Felipe Santa Cruz foi morto pelo ;grupo terrorista; Ação Popular no Rio de Janeiro, e não por militares.
Na interpelação, Felipe Santa Cruz questiona Bolsonaro se ele efetivamente tem conhecimento das circunstâncias da morte de seu pai. Também quer saber quais informações o presidente recebeu, além de perguntar se ele pode nominar os autores do crime e informar a localização dos restos mortais de Fernando Santa Cruz. Outra pergunta é por que o chefe do governo não denunciou ou determinou a apuração dos fatos.
Doze ex-presidentes da OAB assinaram a interpelação, em um gesto de solidariedade a Felipe Santa Cruz. Eles também atuarão em sua defesa durante a tramitação do caso no STF. A lista de ex-presidentes inclui nomes de peso da advocacia, como Marcello Laven;re Machado, José Roberto Batochio, Ophir F. Cavalcante Junior e Eduardo Seabra Fagundes.
A interpelação afirma ser ;inaceitável; que o ocupante do mais alto cargo da República não esclareça a razão da sua própria omissão. Diz ainda que as declarações de Bolsonaro não estão ;lastreadas; em documentos oficiais e contrariam a posição oficial e expressa do Estado brasileiro, que reconhece o desaparecimento forçado de Santa Cruz.
;As declarações do presidente da República acerca das circunstâncias do desaparecimento de Fernando Santa Cruz são muito graves. Elas podem, sim, caracterizar o crime de responsabilidade, previsto no art. 9;, item 7 da Lei n; 1.079/50;, disse ao Correio o professor Cristiano Paixão, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), referindo-se à chamada lei do impeachment.
Mais cauteloso, Fernando Parente, do escritório Guimarães Parente Advogados, disse que, a priori, não está caracterizado o crime de responsabilidade, mas que essa discussão ;é possível em razão da incompatibilidade de tal conduta com o decoro do cargo de presidente da República, pois, além do tom jocoso, a fala vai contra os dados estatais, que reconheceram o desaparecimento e morte não natural do pai do interpelante;.
Eventual configuração de crime
Um dos trechos da interpelação diz: ;O pedido de explicação é medida de interpelação judicial prevista no art. 144 do Código Penal que autoriza o ofendido a pedir explicações a respeito de manifestações que possam configurar qualquer um dos crimes contra a honra;. O documento prossegue: ;Ao interpretar o artigo em questão, esse egrégio Supremo Tribunal Federal já esclareceu que se trata de ;procedimento de natureza cautelar;, de caráter ;personalíssimo;, que visa a ;que se esclareçam situações revestidas de equivocidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício
futuro da ação penal;;.
Farra de passagens
O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o STF dê publicidade e restrinja o uso de bilhetes aéreos por parte dos ministros, servidores e colaboradores da Corte. Segundo o tribunal, há irregularidades no uso do benefício, como a concessão de passagens, entre 2009 e 2012, em primeira classe, para cônjuges dos ministros. Ao TCU, a Corte disse que o problema foi sanado por uma resolução que entrou em vigor em 2015. Mas a equipe técnica do TCU encontrou outras irregularidades, como a ausência no site do Supremo de informação sobre o uso dos bilhetes. Os técnicos também avaliaram que houve uso indiscriminado do benefício, como a compra de passagens, com dinheiro público, para que os integrantes da Corte exercessem atividades de magistério.