"Não podemos mais tampar o sol com a peneira. Nós estamos sendo governados por um desequilibrado, que tem traços de personalidade claramente contrários à democracia", afirmou ao Correio, o líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS).
Pimenta disse ainda que medidas serão adotadas contra a fala do presidente, segundo o deputado uma "apologia à ditadura, ao crime, à tortura e ao crime contra a humanidade". "Ele tem a obrigação ética de informar a sociedade brasileira onde (Santos Cruz) foi morto, onde está o corpo. Porque ele foi assassinado, e a família busca essa resposta há décadas. Assim como Rubens Paiva e tantos outros. A ditadura sempre negou esses crime. Talvez ele (Bolsonaro) tenha informações privilegiadas para dar à sociedade brasileira", completou.
Pelo Twitter, Pimenta também pediu manifestações do Supremo Tribunal Federal (STF), à PGR, e aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Nenhum dos citados havia se manifestado sobre o assunto até a publicação desta matéria.
Já a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (RS) disse que, ao se manifestar como fez, Bolsonaro se tornou "réu confesso". "Bolsonaro sabe como foi o desaparecimento do pai do presidente da OAB, sabe de um crime e não tomou nenhuma providência? Isso é corresponsabilidade. Bolsonaro é cúmplice, a partir de hoje, é réu confesso", escreveu no microblog.
Impulsionado por uma série de tuítes do PT, a hashtag #AgoraFalaBolsonaro" chegou ao assunto mais comentado do Twitter.
Entenda o caso
Nesta segunda-feira (29/7), Bolsonaro disse que poderia contar como Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, desapareceu durante a ditadura militar. "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele", afirmou Bolsonaro.O presidente acrescentou: "Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro".
O comentário de Bolsonaro foi feito após uma crítica do presidente à postura da OAB na investigação sobre Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro durante campanha à Presidência. A fala de Bolsonaro foi repudiada por políticos, órgãos e entidades, inclusive pela OAB (veja abaixo) e Felipe Santa Cruz, que em nota pessoal disse estranhar a postura de Bolsonaro, .
O advogado Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, militou no movimento estudantil e participou do grupo Juventude Universitária Católica (JUC), ligado à Igreja Católica, além de ter integrado a Ação Popular, organização contrária ao regime. Fernando desapareceu no Rio de Janeiro, em 1974. O desaparecimento nunca foi desvendado.
A nota da OAB
"A Ordem dos Advogados do Brasil, através da sua Diretoria, do seu Conselho Pleno e do Colégio de Presidentes de Seccionais, tendo em vista manifestação do Senhor Presidente da República, na data de hoje, 29 de julho de 2019, vem a público, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 44, da Lei n; 8.906/1994, dirigir-se à advocacia e à sociedade brasileira para afirmar que segue:
1. Todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.
2. O cargo de mandatário da Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos, entre os quais os direitos políticos, individuais e sociais, bem assim contra o cumprimento das leis.
3. Apresentamos nossa solidariedade a todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República.
4. A Ordem dos Advogados do Brasil, órgão supremo da advocacia brasileira, vai se manter firme no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, e os direitos humanos, bem assim a defesa da advocacia, especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas livres e independentes.
5. A diretoria, o Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27 Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das prerrogativas profissionais.
Brasília, 29 de julho de 2019
Diretoria do Conselho Federal da OAB
Colégio de Presidentes da OAB
Conselho Pleno da OAB Nacional"