A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de suspender investigações e processos, em todo o país, que utilizem informações compartilhadas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Banco Central e da Receita Federal causa preocupação entre procuradores. A tensão ficou tão elevada que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu à sua equipe para fazer um levantamento sobre o impacto que a determinação vai provocar em ações em curso no Poder Judiciário em todas as unidades da Federação.
;A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, vê com preocupação a decisão que suspendeu investigações e processos instaurados a partir do compartilhamento de informações fiscais e bancárias com o Ministério Público;, diz a nota da Procuradoria-Geral da República. ;A PGR já determinou que a sua equipe analise os impactos e a extensão da medida liminar para definir providências no sentido de se evitar qualquer ameaça a investigações em curso.;
Ao atender o pedido dos advogados de Flávio Bolsonaro, Toffoli determinou que continuem em curso apenas ações que tenham obtido autorização judicial para utilizar dados financeiros detalhados de contribuintes. Ele se baseou em um recurso, com repercussão geral reconhecida (tema de grande relevância), que trata do ;compartilhamento com o Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização prévia do Poder Judiciário;. Em novembro deste ano, os integrantes da Corte devem avaliar se é constitucional a troca desses dados sem autorização judicial. Até lá, pela decisão de Toffoli, todas as ações sobre o tema ficam suspensas.
A medida também gerou forte reação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). A diretoria da entidade declarou que o entendimento do ministro prejudica as investigações contra o crime organizado e mesmo ações terroristas. ;O tema do compartilhamento de dados sigilosos entre órgãos de controle (Receita Federal, Banco Central e Coaf) foi objeto de inúmeras decisões judiciais, inclusive do STF, e a própria literatura anticrime internacional aborda o assunto por meio de uma série de recomendações;, afirma um trecho do comunicado. ;Em todos esses fóruns, sempre foi predominante o entendimento de que o compartilhamento de informações, entre órgãos fiscalizatórios e investigatórios, não necessita de autorização judicial. A mudança desse procedimento, em decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, prejudicará, sobremaneira, a investigação e a punição de delitos graves, como narcotráfico, organizações criminosas, financiamento do terrorismo e crimes transfronteiriços.;
A ANPR também demonstrou apreensão com a contraposição de recomendações internacionais, como a do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), que reúne 35 países e orienta o compartilhamento das informações sobre crimes financeiros sem a necessidade de aval da Justiça. A entidade também destaca a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que ;impõe ao Brasil que garanta às autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro a capacidade de cooperar e trocar informações em âmbito nacional e internacional;.
As forças-tarefas da Operação Lava-Jato em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro, além dos integrantes da Greenfield ; responsáveis pela investigação de diversos casos suspeitos e comprovados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas ;, também reiteraram o prejuízo para o combate ao crime organizado a suspensão das ações em curso. ;Embora seja inviável identificar imediatamente quantos dos milhares de procedimentos e processos em curso nas forças-tarefas podem ser impactados pela decisão do STF, esta impactará muitos casos que apuram corrupção e lavagem de dinheiro nas grandes investigações e no país, criando risco à segurança jurídica do trabalho;, informaram em nota.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), onde correm as diligências contra Flávio Bolsonaro, solicitou ao Supremo participação no julgamento que vai decidir sobre a constitucionalidade do compartilhamento de dados para fins criminais. No documento, o órgão alega que ;a controvérsia discutida nos autos, e o próprio teor do ato decisório, pode impactar processos e investigações em curso no Parquet fluminense;.
Depósitos
Flávio Bolsonaro é investigado por movimentações financeiras atípicas em sua conta bancária. De acordo com o Coaf, o parlamentar recebeu 48 depósitos entre junho e julho de 2017, num valor total de R$ 96 mil. As informações foram usadas pelo Ministério Público do Rio para abrir investigação contra o senador e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. No documento enviado ao Supremo, os advogados do parlamentar argumentam que ele teve o sigilo fiscal e bancário quebrado ilicitamente.