No despacho, o ministro afirma que a suspensão é necessária para evitar que processos sejam anulados futuramente. O entendimento vale até que o Supremo julgue uma ação sobre o tema, agendada para ir ao plenário em novembro deste ano. Ou seja, se não ocorrer mudança no cronograma, todas as investigações afetadas ficam suspensas até o fim do ano. ;Considerando que o Ministério Público vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC), sem supervisão judicial, o que é de todo temerário do ponto de vista das garantias constitucionais que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, revela-se prudente, ainda, suspender esses procedimentos que tramitam no território nacional e versem sobre o mesmo tema, de modo a evitar eventual usurpação de competência do Poder Judiciário;, escreveu Toffoli no despacho.
Em outro trecho, o ministro diz que a decisão não vale para todas as ações penais ou investigações, mantendo em curso as que usam dados financeiros dos órgãos públicos com autorização do Poder Judiciário. ;Deve ficar consignado, contudo, que essa decisão não atinge as ações penais e/ou procedimentos investigativos (Inquéritos ou PIC;s), nos quais os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle, que foram além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, ocorreram com a devida supervisão do Poder Judiciário e com a sua prévia autorização;, completou.
O ato do ministro Toffoli foi duramente criticado por integrantes do Ministério Público e investigadores. O coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Rio, Eduardo El Hage, afirmou, em nota, que o despacho de Toffoli paralisa as investigações de lavagem de dinheiro em curso no país. ;A decisão monocrática do presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil. O que é pior, ao exigir decisão judicial para utilização dos relatórios do Coaf, ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do judiciário brasileiro;, disse.
El Hage declarou que aguarda que os demais ministros da Corte se debrucem sobre o tema e revoguem o entendimento. ;Um retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário o mais breve possível;, completou.
Flávio Bolsonaro é investigado por movimentações financeiras atípicas em sua conta bancária. De acordo com o Coaf, o parlamentar recebeu, em sua conta, 48 depósitos entre junho e julho de 2017. O valor total foi de R$ 96 mil. As informações foram usadas pelo Ministério Público do Rio para abrir investigação contra o senador e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. No documento enviado ao Supremo, os advogados do senador argumentam que ele teve seu sigilo fiscal e bancário quebrado ilicitamente.
Impacto
O cientista político da Fundação Getulio Vargas Eduardo Grin afirma que é preciso avaliar as motivações da decisão, já que o processo corre em segredo de Justiça. Na opinião dele, o ministro pode ter atuado para fortalecer o governo. ;Está emprestando sua posição para uma agenda de aproximação institucional muito discutível;, afirmou.O advogado Daniel Gerber, criminalista especializado em direito penal e processual, diz que o posicionamento do presidente do Supremo ocorre para garantir a segurança jurídica dos processos. ;O sistema judiciário tem que regular a tramitação de provas e procedimentos que atentem contra a liberdade do cidadão. Talvez, esteja repercutindo negativamente em virtude do investigado que provocou a Suprema Corte (Flávio Bolsonaro), mas é uma decisão irretocável;, defende.
O que é o Coaf
Criado pela Lei número 9.613, de 3 de março de 1998, e vinculado ao Ministério da Economia, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tem como principal missão o combate à lavagem de dinheiro. Criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o órgão administrativo recebe denúncias, apura e identifica movimentações financeiras suspeitas. O presidente do conselho é indicado pelo ministro da Economia e nomeado pelo presidente da República. Há, ainda, um representante da Advocacia-Geral da União e outros 11 conselheiros de diversos órgãos como: Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Banco Central do Brasil, Controladoria-Geral da União, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Polícia Federal (PF) e do Ministério da Justiça. O órgão ganhou atenção da sociedade ao investigar as movimentações bancárias de mais de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, policial militar reformado e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, então deputado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.Qualquer outro
Em Brasília, o advogado do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Frederick Wassef, considera que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender as investigações ;nada mais é do que o cumprimento da lei;. Segundo ele, o cliente está ;feliz; porque está sendo tratado ;como qualquer outro brasileiro;.
;A percepção do senador é que houve justiça e o cumprimento da lei. É a demonstração de que o direito constitucional brasileiro deve ser protegido e guardado;, disse em entrevista à TV Globo. Na opinião dele, ;basta as autoridades que investigam cumprirem a lei e, quando entenderem que é o caso de investigar um brasileiro, que se requeira autorização
ao Poder Judiciário;.