O Palácio do Planalto deve se unir no debate por inércia. Com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sob a mira de reportagens que questionam a imparcialidade de ações tomadas quando era o juiz responsável pelos processos da Operação Lava-Jato em Curitiba, as apostas no governo e no Parlamento são de que o Executivo vai entrar de bandeja na discussão. O deputado Filipe Barros (PSL-PR), vice-líder da legenda na Câmara, apresentou ao STF um pedido de suspensão da CPMI ; assinado somente por ele ; questionando que a intenção é ;instaurar o crime de opinião;. Um dos objetivos do colegiado é apurar a utilização de perfis falsos e a influência disso em resultados das eleições de 2018.
A demanda do parlamentar, no entanto, deve naufragar. Juridicamente e politicamente. No Congresso, aliados se movem para abafar o caso, orientando que a prioridade da CPMI será investigar os ataques cibernéticos e discutir medidas de punibilidade. No STF, a estratégia foi jogar a análise para depois do recesso. Responsável pelo tribunal no período de paralisação das atividades, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, não trata o assunto com urgência e o deixou para ser apreciado após a retomada das atividades, em agosto, pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski. A aposta, no entanto, é pela manutenção das atividades no colegiado.
O STF atua para suspender CPMI;s somente em casos de extrema afronta à Constituição. Na Corte, não é essa a avaliação de ministros no caso do colegiado criado, dizem assessores. A própria discussão é de interesse pessoal de alguns magistrados, como Alexandre de Moraes e Toffoli, que, em abril, instaurou inquérito sigiloso para investigar ataques em redes sociais contra ministros da Corte. O próprio Toffoli é um dos mais interessados na continuidade da CPMI. Há cerca de duas semanas, em Brasília, jantou com representantes da bancada do DEM ; inclusive o presidente nacional do partido, ACM Neto ;, em um encontro no qual procurou apoio do Congresso para entender como identificar a origem dos crimes cibernéticos e como se disseminam as fake news.
Punições
Do jantar entre Toffoli e a bancada do DEM, se intensificou a articulação para a criação da CPMI, com base em requerimento apresentado pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP), escolhido para presidir a comissão. Embora o colegiado ainda não esteja instalado, os diálogos estão avançados. O líder da legenda na Câmara, Elmar Nascimento (BA), discutiu com outros líderes o uso das investigações feitas no colegiado para subsidiar a criação de proposições legislativas para estabelecer punições mais rígidas a quem comete os crimes na internet. Um dos próprios objetivos da CPMI é investigar ;ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público;, além do cyberbullying e o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio.A desconstrução de imagens pelas fake news virou um motivo de briga pessoal dentro do Congresso e do STF. No Parlamento, a retórica é de que o mesmo está ocorrendo com Moro e, por isso, buscam trazer o governo para o debate. ;A questão é muito mais a tentativa de desconstruir a imagem do Moro do que o crime no processo de vazamento das conversas entre ele e a força-tarefa da Lava-Jato;, pondera uma liderança do DEM. A ideia é estabelecer penas extremamente rigorosas para violações cometidas na internet. A ideia é prever, em média, o dobro da punição que existe atualmente e transformar todo crime cometido na web em ação civil pública, e não em ação privada.
O artigo 154-B do Código Penal estabelece que só há denúncia em casos de crimes cibernéticos quando a vítima manifesta vontade judicialmente. A ideia da CPMI é discutir proposições que alterem a legislação para que o Ministério Público (MP) e as polícias civis e federal possam atuar sem a necessidade de representação. Além disso, é preciso ampliar o artigo 154-A, que prevê como crimes apenas a invasão de dispositivos informáticos mediante violação indevida de mecanismos de segurança para quem obtém, adultera ou destrói dados. Além de punição branda ; de três meses a um ano ; a legislação abre brechas para o infrator que comete delitos sem precisar hackear e tampouco normatiza os crimes contra a honra cometidos na internet, onde imagens são desconstruídas com fake news.
MPF entra no combate
O Ministério Público Federal (MPF) também vai se engajar na ;CPMI das fake news;. O Grupo de Trabalho de Combate aos Crimes Cibernéticos do MP pretende se articular para tirar do Projeto de Lei do Senado (PLS) 236/2012 os artigos que tratam sobre crimes cibernéticos, criar um projeto independente que, potencialmente, pode ser debatido e aprimorado dentro do colegiado.
O PLS 236 é conhecido como o projeto do Novo Código Penal e se encontra empacado desde a última legislatura na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ciente das articulações e da disposição do DEM em discutir o assunto, membros do MPF estão se movimentando para dialogar com o relator do texto, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), líder da legenda, a fim de retirar os trechos que tratam sobre os crimes virtuais e discutir uma proposição à parte.
A ideia não é malvista pelo DEM. O próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se articula para propor uma agenda robusta sobre os crimes cibernéticos. ;Ele está empenhado;, afirma um interlocutor do demista. Para a coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate aos Crimes Cibernéticos da Segunda Câmara de Coordenação e Revisão do MP, Neide Cavalcanti , é importante que a pauta avance.
O MP investe em capacitação para promotores e procuradores atuarem no combate aos crimes cibernéticos, mas é preciso mudanças na legislação referentes a punibilidade e normatizações mais expressas sobre falsificação digital e eletrônica, sabotagem e acesso indevido, bem como regulamentação e controle dos protocolos de internet.
Deep Web
A criação de penas rígidas para quem comete crimes na chamada deep web, parte da internet oculta ao grande público, também é necessária, alerta o especialista em crimes cibernéticos Luiz Walmocyr, escritor e agente da Polícia Federal (PF).
O andamento de um projeto mais duro sobre punições aos crimes na internet à parte do PLS 236 é defendido pela chefe da Unidade de Repressão a Crimes de Ódio e Pornografia Infantil da PF, delegada Rafaella Vieira. ;É uma boa ideia ter tramitação independente. O crime cibernético é volátil e deixa rastro, mas por pouco tempo. A gente tem muita pressa nessas investigações e, às vezes, tem alguns entraves que dificultam os trabalhos;, pondera. Ela diz não ter sido procurada para participar das articulações no Congresso.