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Acordo com UE é guinada radical



A assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), durante a cúpula do G20, representou importante recuo de um governo que, desde a posse, tem pregado a rejeição ao globalismo, por considerar que a interligação planetária está a serviço do ;marxismo cultural;, qualificado como um ;sistema anti-humano e anticristão;, nas definições usadas pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em um blog pessoal. No discurso de posse, ele avisou: ;não mergulharemos nessa piscina sem água que é a ordem global;.

Aos seis meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou um acordo que vinha sendo negociado havia 20 anos, e o fez depois de algumas concessões, sobretudo na questão ambiental, um dos principais temas da reunião do G20.

Com a promessa de ;eliminar o viés ideológico; da diplomacia brasileira, Bolsonaro, em sua sanha antissocialista, promoveu uma guinada radical na política externa. Para executar a missão, preteriu servidores experientes do Itamaraty e escalou Araújo como chanceler, que foi indicado pelo guru do governo, o controvertido Olavo de Carvalho.

Um dos primeiros movimentos do governo foi buscar uma aproximação com Israel, simbolizada pela promessa de Bolsonaro de transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, a cidade santa historicamente disputada por judeus e palestinos. Assim, o Brasil caminha para abandonar as fileiras da comunidade internacional, que defende que a solução do impasse seja buscada pelos dois lados em conflito.

A reação não demorou. Países árabes condenaram as posições do governo e ameaçaram com retaliações, sobretudo em relação à importação da carne brasileira. Foi preciso a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, alertar sobre os riscos para o agronegócio, para Bolsonaro mudar o discurso e, durante viagem a Israel, anunciar que apenas abriria um escritório comercial em Jerusalém, ainda sem data prevista.

Dogmas
Na Organização das Nações Unidas (ONU), outra mudança radical. Ao trocar o ;viés ideológico; por uma diplomacia com fortes influências cristãs e conservadoras, o governo se posicionou contra o uso da palavra ;gênero; em qualquer contexto, além de vetar a expressão ;direitos reprodutivos; e sair em defesa de dogmas religiosos que alimentam as desigualdades entre homens e mulheres. Assim, passou a ser apoiado por nações que pregam o que há de mais medieval no mundo, em termos de tratamento ao gênero feminino.

;A política externa do governo Bolsonaro, com o chanceler Ernesto Araújo, representa uma ruptura não apenas com os governos anteriores, mas com toda uma tradição do Itamaraty. O Brasil sempre buscou o papel de mediador e de equilíbrio, defendendo valores e princípios que, inclusive, estão positivados no artigo 4; da Constituição de 1988;, afirmou Günther Richter Mros, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

;Desde o início do ano, a política externa brasileira perdeu o status de política de Estado para defender ideias do grupo que está momentaneamente no poder. Trouxeram para as relações internacionais do Brasil temas ultraconservadores ligados aos costumes, como a abordagem de políticas de gênero, por exemplo;, acrescentou o docente, alertando que ;levará muito tempo para se reconstruir uma imagem equilibrada e profissional do Itamaraty quando esse governo acabar;.



"Trouxeram para as relações internacionais do Brasil temas ultraconservadores ligados aos costumes, como a abordagem de políticas de gênero, por exemplo;

Richter Mros, professor de Relações Internacionais da UFSM