Com um acervo de 36,3 mil processos na fila, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem ampliado o uso do plenário virtual, uma ferramenta que permite realizar julgamentos sem a presença física dos ministros da Corte - e longe dos holofotes da TV Justiça. De setembro até o mês passado, período que compreende a presidência do ministro Dias Toffoli, foram 8.755 casos analisados no modo online, uma alta de 16,5% em relação ao mesmo período na gestão anterior de Cármen Lúcia, destaca o jornal O Estado de S. Paulo.
Toffoli tem incentivado a utilização da ferramenta para desafogar o estoque de processos parados na Corte e, assim, tentar combater a morosidade da Justiça brasileira, associada, na maioria das vezes, à impunidade. Neste sentido, os ministros decidiram na semana passada ampliar os tipos de casos que podem ser analisados no plenário virtual.
Ao 'turbinar' o julgamento online, a ideia da Corte é abrir espaço para julgar outros casos no plenário real - atualmente, 966 processos liberados para análise aguardam decisão em sessão presencial.
Dos 11 integrantes da Corte, o mais resistente à adoção da tecnologia é o ministro Marco Aurélio Mello, para quem a ferramenta não possibilita a troca de ideias que ocorre quando se senta ao lado dos colegas. "Colegiado é olho no olho, no tête-à-tête. É um somatório de forças distintas e, quando se julga no plenário dito virtual, julga-se de forma isolada. Isso não é bom para os cidadãos em geral",afirmou o ministro Marco Aurélio ao jornal.
Cabe a cada ministro decidir o que vai para o julgamento no plenário virtual nos casos em que é relator. A sessão online só começa após o magistrado enviar seu voto. Depois, os demais integrantes da Corte podem escolher entre as seguintes opções: "acompanho o relator", "acompanho o relator com ressalvas", "divirjo do relator", "impedido" e "suspeito". Apenas os próprios ministros - e seus assessores - conseguem acompanhar cada passo do julgamento. Os votos só ficam públicos após o fim da sessão.
No ambiente virtual não há espaço para as discussões acaloradas que muitas vezes tomam conta do plenário físico. Porém, a qualquer momento um dos 11 ministros da Corte pode pedir destaque ou vista (mais tempo para análise), o que obrigatoriamente leva o caso para uma sessão presencial.
Foi o que ocorreu no mês passado, durante a análise de um recurso relacionado à aplicação de multas a mineradoras. Um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento virtual, que agora deverá ser retomado em sessão presencial. Ainda não há data para que isso ocorra.
Casos de grande repercussão também já foram analisados por meio da ferramenta, como recursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra a condenação dele no caso do triplex do Guarujá e a confirmação da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
Ampliação
O plenário virtual foi criado em 2007, na gestão da ex-ministra Ellen Gracie. A intenção, segundo afirmou na época, era fazer com que a Corte deixasse "o método do passado para ingressar na Justiça do futuro".
Quando criada, a ferramenta podia ser usada apenas para que os ministros decidissem se determinados casos ganhariam ou não "repercussão geral" - um instrumento que possibilita que o STF analise o mérito de uma questão, fazendo com que o entendimento do tribunal seja aplicado em casos similares que tramitam em instâncias inferiores.
Nove anos depois, em 2016, o ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do STF, decidiu expandir o uso da ferramenta, permitindo também que o método virtual pudesse ser usado para análise de recursos - como são os casos dos "agravos internos" e os "embargos de declaração".
Em sessão administrativa realizada quinta-feira passada, os ministros do Supremo concordaram que ações que contestam decretos e leis, o referendo (ou não) a medidas cautelares e processos cuja matéria em análise já tenha uma jurisprudência consolidada no tribunal também podem ser decididos em alguns cliques.
Transparência
O objetivo dos ministros também é aperfeiçoar a ferramenta. A equipe de Toffoli pretende fazer mudanças no sistema para que o julgamento seja acompanhado minuto a minuto por qualquer pessoa, além de permitir que advogados gravem sustentações orais para serem ouvidas pelos ministros durante as sessões online.
"O plenário virtual ajuda a desafogar o serviço da Corte. Sem instrumentos como esse, a Corte ficaria inviabilizada", disse Lewandowski, que defende o uso do método.
Mas para o professor Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio, a medida é uma solução ruim para o excesso de processos que congestionam o Supremo. "A principal razão pela qual o 'plenário físico' e as turmas são importantes é porque são a única garantia que nós temos de que os ministros efetivamente estão analisando o caso", afirmou. "Temos um cenário onde cada ministro produz milhares de decisões por ano e ninguém no Brasil acredita que eles estão analisando com cuidado cada um desses processos individualmente."
Prática difundida
A exemplo do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também realizam julgamentos virtuais para acelerar a tramitação de processos.
No TST, os julgamentos realizados em sessões online tiveram início em março de 2017, inicialmente na 3.ª e na 6.ª Turmas. Hoje, as oito turmas do Tribunal utilizam o sistema no dia a dia. Segundo o órgão, todos os processos de competência do órgão podem ser submetidos a julgamento em ambiente eletrônico, exceto os casos de competência da Seção Especializada em Dissídios Coletivos.
Entre 2017 e 2018, o número de processos julgados pelo TST na plataforma virtual saltou de 14.437 para 49.801 - uma alta de 245%. Neste ano, foram analisados 20.421 casos no ambiente virtual até maio.
Já no STJ, o plenário virtual foi formalmente criado um ano antes, em 2016, mas após estudos e testes, passou a funcionar efetivamente apenas em agosto de 2018.
De acordo com o órgão, o objetivo de implantação do sistema "foi dar mais celeridade ao julgamento dos recursos e propiciar uma forma de trabalho mais eficiente, uma vez que os ministros não precisam estar presencialmente numa sala para julgar embargos e agravos internos ou regimentais".
Segundo o STJ, a ferramenta está disponível na web, podendo ser acessada de qualquer computador, a qualquer hora. Assim como ocorre no STF, o relator do caso é o responsável por colocar o tema em pauta, obedecendo a cronograma previamente estabelecido. A pauta então é publicada, e em cinco dias úteis, abre-se prazo para os advogados, o Ministério Público e os defensores públicos envolvidos se manifestarem.
Em seguida, os ministros têm sete dias corridos para julgar toda a pauta. Finalizado o processo virtual, o resultado é tornado público. Nos últimos dez meses, o STJ julgou 19.750 casos no ambiente virtual. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.