A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu nesta sexta-feira, 3, ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para que reconsidere a decisão que remeteu para o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí a investigação contra o senador Marcelo Castro (MDB/PI). Procuradora-geral afirma que investigação sobre suposto R$ 1 milhão da J a Marcelo Castro em troca de apoio a Eduardo Cunha (MDB) na Presidência da Câmara em 2014 se trata de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e não está relacionada com delitos eleitorais. As informações foram divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República.
A procuradora-geral ainda requer a retirada da pauta da sessão virtual do agravo interposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e a inclusão do processo na pauta da sessão presencial.
O nome do parlamentar foi citado nas colaborações dos executivos da J Joesley Batista, Ricardo Saud e Demilton Antônio de Castro como beneficiário de uma propina de R$ 1 milhão como contrapartida ao fornecimento de apoio à candidatura de Eduardo Cunha para a Presidência da Câmara dos Deputados.
Segundo a PGR, os repasses "ocorreram em 2014, e Eduardo Cunha se elegeu presidente da Câmara em 2015". "Na época dos fatos, Marcelo Castro era deputado federal, cargo ocupado até o início de 2019, quando foi diplomado senador da República".
"Trata-se de um 'mandato cruzado', ou seja, situação de um parlamentar que deixa de ocupar o cargo eletivo, por causa do término da legislatura, para assumir um outro, mas em uma casa legislativa diferente. Dessa forma, Marcelo Castro, ao deixar a condição de parlamentar federal para ocupar uma vaga de senador da República, já não teria mais direito ao foro especial para crimes cometidos como deputado", afirma a PGR.
Segundo a Procuradoria-Geral, o "entendimento decorre de decisão tomada há um ano pelo STF quando, ao julgar a questão de ordem na Ação Penal nº 937, definiu que o foro para deputados e senadores na Suprema Corte se aplica apenas a crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo parlamentar. Os demais processos em curso devem ser remetidos para outras instância da Justiça".
O delator Ricardo Saud afirma que a JBS pagou R$ 30 milhões em propina ao então deputado federal Eduardo Cunha, para que ele financiasse campanha de políticos aliados que posteriormente votariam nele para presidente da Câmara dos Deputados. Nesse contexto, o senador Marcelo Castro teria sido beneficiado com a quantia R$ 1 milhão, repassada por Cunha, como forma de garantir-lhe apoio. O valor teria sido retirado em espécie em um supermercado no Estado do Piauí.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, as "informações foram corroboradas por dados contidos numa planilha fornecida por Saud na qual consta a expressão 'Beneficiário EC-RJ', em referência a Eduardo Cunha eleito pelo Rio de Janeiro, além da presença do nome 'Marcelo Castro' e a quantia a ser paga em um estabelecimento chamado Comercial Carvalho".
"Isso afasta por completo a ideia de que tais repasses tenham sido feitos a título de doação de campanha, ainda que não contabilizada. Sem qualquer dúvida, o pagamento ao deputado Marcelo Castro teve como contrapartida o seu apoio à candidatura de Eduardo Cunha para presidente da Câmara dos Deputados", afirma Raquel.
Na interpretação da chefe do Ministério Público Federal, "as delações de Josley Batista e de Demilton Antônio também confirmam as suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro".
De acordo com os termos de colaboração, as propinas destinadas a Eduardo Cunha, no valor total de R$ 30 milhões, terias sido pagas em três modalidades: doações eleitorais oficiais; entregas em espécie, realizadas por clientes do grupo J (casas de carnes ou supermercados); e emissão de notas fiscais fictícias em nome de alguma empresa do grupo.
"A narrativa dos colaboradores aponta, em tese, para o cometimento de crimes por parte do atual senador da República Marcelo Castro, evidenciando-se a necessidade de aprofundar a investigação dos fatos, uma vez que presentes indícios mínimos de materialidade e autoria de crime", destaca Raquel Dodge.
A procuradora-geral afirma que "não existem indícios de crimes eleitorais. Ela afirma que, embora as transferências tenham sido realizadas em 2014 e coincidam com o período eleitoral, isso não significa que essas verbas tenham sido utilizadas para custear gastos de campanha"; "ao revés, trata-se simplesmente de um coincidência temporal inevitável, já que havia um fluxo contínuo de propina transitando pelos caixas desses empreendimentos".
Para a PGR, as "condutas não se amoldam ao artigo 350 do Código Eleitoral (falsidade eleitoral), configurando, na verdade, crimes de corrupção ativa e passiva, além de possível lavagem de capital". "Ausentes indícios mínimos sobre a utilização, em campanha eleitoral, de valores não contabilizados e não declarados à Justiça Eleitoral, não há o que se falar na prática de falsidade ideológica eleitoral, pois inexistiu omissão dos então candidatos em suas respectivas prestações de contas", conclui.
Raquel diz que a "competência jurisdicional deste caso deve ser da Justiça Federal, pois envolve supostos atos praticados por parlamentar valendo-se da função pública". "Quanto ao aspecto territorial - em qual Estado deve tramitar o processo -, a PGR afirma ser necessário remeter o caso para a Seção Judiciária do Distrito Federal e para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Primeiro, pelo fato de o Ministro Edson Fachin já ter determinado a remessa de cópias dos termos de colaboração de Joesley Batista, Ricardo Saud, Demilton Antônio de Castro e do doleiro Lúcio Funaro à Justiça do Distrito Federal. E ainda, por já existir no TRF1 um inquérito policial com a finalidade de apurar a suposta prática de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, por pessoas apontadas por Lúcio Funaro".