O presidente da Comissão Especial da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PR-AM), é categórico ao exigir maior comprometimento do governo, em especial, do presidente Jair Bolsonaro com a proposta. Caso contrário, segundo ele, não será possível cumprir o cronograma do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que quer votar a matéria no plenário até julho.
;O governo também tem de querer, e todos os maiores partidos também têm de querer. Se um desses só não quiser, não tem. O governo tem de ter capacidade para se articular. O desejo de fazer rápido, eu tenho, mas garantir 308 votos, não controlo;, afirmou. Em entrevista ao
CB.Poder, programa parceria do
Correio Braziliense com a TV Brasília, ele disse existirem dois Bolsonaros, que estão em conflitos diariamente. ;Em alguns desses conflitos, prevaleceu o populista;, lamentou.
Para Ramos, o presidente precisa defender integralmente a proposta, que prevê R$ 1 trilhão de economia em 10 anos. Contudo, ele acredita que o Congresso pode desidratar a proposta para R$ 950 bilhões, retirando as mudanças do Benefício de Prestação Continuada (BPC), da aposentadoria rural e de professores. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como está a expectativa do senhor em relação ao tempo de tramitação da PEC da Previdência na Comissão Especial?
Nós tivemos uma reunião hoje (ontem), eu, o vice-presidente Silvio Costa Filho (PRB-PE) e o relator Samuel Moreira (PSDB-SP). Definimos um calendário mínimo. A ideia é usar o mês de maio, quando contarão as 10 sessões do plenário da Câmara de apresentação de emendas, para realizar as audiências públicas na nossa comissão, para que, em junho, a gente tenha tudo preparado para começar a debater a matéria. Por enquanto, trabalhamos com o calendário do presidente Rodrigo Maia. Ele quer votar em julho no plenário.
E dá para fazer as 40 sessões até lá?
O regimento diz até 40 sessões. O problema é que tem um elemento externo que não depende de nós: que é o governo garantir maioria absoluta no plenário. Eu não posso preparar a matéria na comissão, sem que o governo tenha a maioria absoluta no plenário dos 308 votos (mínimo para aprovação em dois turnos na Câmara). Temos um planejamento, mas esse planejamento terá de ser coordenado com a articulação política do governo. Ele terá que ser coordenado com o engajamento dos líderes partidários em torno de uma proposta de reforma.
Nessas conversas que o senhor teve com líderes, é possível saber quem será a primeira pessoa que o senhor vai chamar para ouvir? Quantas audiências públicas pretende fazer?
Nós definimos, a priori, 11 audiências públicas, usando todo o mês de maio. Eu entendo que a primeira audiência pública, nós devemos utilizar para ouvir a equipe econômica do governo. Claro que isso vai ser coordenado com eles. Pretendemos aprovar todos os requerimentos na primeira reunião, que será terça-feira (dia 7), para já começar as audiências públicas a partir do dia 8.
O senhor pretende fazer o convite ao ministro da Economia, Paulo Guedes, já que, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), houve tumulto e a sessão foi interrompida?
Isso vai ser construído com o governo e demais coordenadores partidários na Comissão Especial. A equipe econômica do governo deveria ser a primeira a participar. E a presença do ministro Paulo Guedes é imprescindível. Ele tem de ir à comissão defender a proposta, apresentar as justificativas econômicas, políticas e sociais dela. O ambiente é menos tenso do que foi na CCJ. Há uma unidade maior em torno da proposta, salvo pontos específicos. Agora, é óbvio que isso é um caminho de duas mãos. Espero também que o ministro vá à comissão disposto a debater o conteúdo da proposta e não a fazer o enfrentamento político com a oposição, porque eu entendo que não é o papel dele e isso não contribui com o debate.
Há um documento assinado pelos líderes do partido de centro dizendo que eles querem excluir mudanças no BPC e na aposentadoria rural. E o senhor disse que, se Bolsonaro falou que a capitalização pode ficar para depois, é sinal de que ela já ficou. A proposta vai ser muito desidratada?
Primeiro, quem sou eu para dizer o que o presidente Bolsonaro tem de fazer? Ele está legitimado pela grande maioria do povo brasileiro. Houve uma vitória consagradora. Agora, a proposta é dele. Ele tem de defender a proposta integral. Ele não pode defender R$ 800 bilhões. Ele tem que defender R$ 1,240 trilhão. Ele não pode defender a retirada de BPC, de rurais ou de capitalização. Parece-me que BPC e rurais são temas que estão fora. A capitalização tem um problema, porque o governo até agora não explicou como ele vai pagar o estoque de aposentados que vão ficar no regime antigo. Quanto é essa conta? Ela pode ser de mais de R$ 1 trilhão em 10 anos. O governo não apresentou isso até agora. Acho que o governo vai acabar, em diálogo com os parlamentares, flexibilizando para a capitalização como um regime complementar alternativo.
Mas já existe uma previdência complementar que as pessoas fazem, quem quer ganhar mais um pouquinho;
Eu penso que é o ambiente de hoje. Não é só o que eu acho. O que o PSL acha, isoladamente, significa muito pouco. O que a oposição acha, isoladamente, também significa muito pouco. O que o centro acha significa muito, porque a decisão está nessa maioria. Na comissão mesmo, o PSL e o Novo, que são os partidos da base do governo, têm sete votos. A oposição, 14. E o centro, 28. Então, quem vai decidir é esse centro. Eu penso que, nesse centro, não há um amadurecimento para uma transição tão radical para o modelo de capitalização. E penso que deve caminhar para um sistema solidário de repartição que cria um piso de Previdência mínimo e um sistema de Previdência complementar.
O ministro Paulo Guedes tem defendido que, para haver o regime de capitalização, o impacto da reforma tem de ser de R$ 1 trilhão, pelo menos. Como é que fica essa questão?
Como o governo reavaliou as contas para R$ 1,240 trilhão. Estou arredondando. Parece que a gente está falando de trocado, mas não é. Se fosse tirar desse volume BPC, rurais, professores, que têm uma pressão grande, mas é uma faixa pequena, de R$ 12 bilhões, e abono, que são R$ 160 bilhões, estaríamos ainda com uma economia da ordem de R$ 950 bilhões. Eu acho que a gente tem de esquecer o que o presidente disse, de R$ 800 bilhões. Senão, você abre margem para uma série de exceções, e uma exceção puxa a outra.
E como fica essa questão das pressões das categorias? Tem servidores, militares, professores; Quem gritar mais vai levar, e aí o coitado do trabalhador da iniciativa privada é que vai pagar a conta?
Na verdade, a gente já tem alguém que gritou mais e levou, que são os militares das Forças Armadas. Eles gritaram e já levaram. Estamos cobrando um sacrifício enorme do povo brasileiro, e eu gosto da verdade. Ela, às vezes, nos expõe, nos submete a alguns julgamentos injustos e a algumas incompreensões, mas o tempo cura. Quem diz que a reforma é só para combater privilégio mente. A reforma não é só para combater privilégio. A reforma é para fazer ajuste fiscal. A reforma é para ajudar a equilibrar a conta do país, para que o que ele gasta caiba em tudo o que ele arrecada. A reforma é para ajudar nisso, e ela também combate alguns privilégios.
Há muitos casos no funcionalismo de pessoas que se aposentam muito cedo, antes dos 50 anos. Como é que esse assunto está sendo visto pelos integrantes da comissão?
Primeiro, nenhum país razoável considera que é justo alguém se aposentar com menos de 50 anos e menos ainda alguém se aposentar com menos de 50 anos recebendo o salário integral. E mais uma diferença: ele recebe integral, mas contribuiu com 14%. Logo, a conta não fecha. Não tem jeito. E isso não acontece nunca com o trabalhador da construção civil, com a empregada doméstica. Eles vão se aposentar por idade e com um salário mínimo. A reforma de 2013, que trouxe os servidores para uma realidade do país, promoveu uma justiça absoluta dali para a frente. Hoje, quem entra no serviço público já sabe que vai contribuir para o teto e, quando se aposentar, sabe que vai receber o teto. Se quiser receber um pouco mais, faz uma previdência privada ou contribui para o Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal), ou faz uma capitalização privada.
Mas a conta do deficit do RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), dos servidores, tem crescimento contínuo pelos cálculos atuariais até 2050, mesmo com o Funpresp;
Esse é um erro. Muita gente diz assim: não precisa da reforma, vamos cobrar quem deve. Primeiro: entre quem deve tem uma série de dívida morta, de empresas falidas e tudo mais. E, segundo: quando você fala em cobrar quem deve, fala que vamos conseguir recuperar um estoque de dívida de R$ 500 bilhões. Não vai acontecer nunca, mas vamos supor esse valor. Ele resolve dois anos ou 1,5 ano de deficit. O deficit é contínuo. Logo, você não pode resolver um deficit contínuo com uma medida única. E o que o Brasil está fazendo é uma escolha. No fim dessa história, o país pode resolver não fazer uma reforma. Eu também não gosto de vender ilusão. Esse negócio de, aprovou a reforma, o Brasil vai crescer, esquece. Este ano já foi. O Brasil foi irresponsável do ponto de vista fiscal por causas nobres, mas uma hora a conta vem. É igual tarifa pública. Fez demagogia com tarifa pública, pode esperar a volta. Fizemos com a tarifa de energia e hoje estamos pagando uma conta muito maior. Fizemos demagogia com a gasolina e com o diesel, vamos pagar uma conta muito maior.
O senhor citou a energia; Acredita que o presidente está tomando atitudes à la Dilma Rousseff?
Acho que existem dois Bolsonaros: o parlamentar de 30 anos que tinha o compromisso populista e comprometido com essas pautas corporativas e o liberal, que surgiu na eleição. Esses dois Bolsonaros estão em conflitos diariamente. Em alguns desses conflitos, prevaleceu o populista. Na questão do diesel, ele segurou o preço.