Rodolfo Costa , Renato Souza
postado em 20/04/2019 07:00
Mesmo com a derrubada da censura imposta a veículos de imprensa, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda trabalha para estancar os problemas causados pela abertura de um inquérito que se transformou na peça central de uma crise. Além de conter reações no Congresso e no Executivo, o presidente da Corte, Dias Toffoli, lida agora com um racha interno entre os ministros. Integrantes do tribunal dizem que o assunto só estará resolvido com o arquivamento total dos autos. O assunto pode ir parar no plenário, o que jogará ainda mais lenha na fogueira que se tornou as relações na mais alta instância da Justiça brasileira. Na próxima quarta-feira, durante a sessão plenária, haverá o primeiro encontro entre todos os ministros desde o auge da polêmica, e o assunto pode ganhar novos contornos.
Nos bastidores, ministros avaliam que é preciso enterrar as diligências relacionadas a ;ataques e fake news; contra a Corte para que os demais assuntos, que precisam de deliberação, avancem, entre eles, a prisão em segunda instância, que deve voltar logo para a agenda do plenário, depois de ter sido retirada por um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De acordo com integrantes mais antigos do Supremo, a abertura de um inquérito de ofício para investigar atos externos desvirtuou a competência do tribunal e causa insegurança. Além disso, a censura aplicada à revista Crusoé e ao site O Antagonista deixou um rastro de insegurança jurídica, já que a apuração jornalística não precisa seguir o mesmo caminho de uma ação judicial para provar sua veracidade. Pelo menos seis, dos 11 ministros, são contra a continuidade da investigação e prometem reagir na próxima semana.
Competência
O receio dessa parcela do colegiado é a de que ocorram reações mais fortes no Parlamento, principalmente por parte de deputados e senadores que dizem que o Regimento Interno do Supremo pode ser novamente usado para justificar outras ações controversas. O ministro Marco Aurélio Mello argumenta que, entre os acusados, não existem pessoas com foro por prerrogativa de função, o que não justifica o julgamento do caso pelo STF. Ele destaca que, a partir de agora, a situação não se limita ao ministro-relator, Alexandre de Moraes. ;Aquilo, ele resolveu (a censura). Mas o inquérito, eu não acredito que ele mesmo resolva. Tem que ver o problema de competência. Não há envolvido com prerrogativa de ter o inquérito capitaneado pelo Supremo;, disse.
O ministro destacou ainda que, diante de erros, não existem instituições com a tarefa de corrigir o tribunal, ou instância para a qual seja possível recorrer. ;Quem seria o autor de ato que poderia reclamar da atuação do Supremo? Eu acho que não tem. Até aqui não apareceu ninguém;, completou.
A decisão do STF em manter o inquérito já ecoa no Parlamento, que, na semana passada, já reagiu às decisões dos ministros. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da minoria na Casa, demonstra preocupação com a investigação. Afinal, ela mantém os ânimos exaltados e abre brecha para a discussão do impeachment de Toffoli e Moraes. Caso isso ocorra, o presidente Jair Bolsonaro poderia indicar até quatro ministros da Suprema Corte até o fim do mandato ; cerca de um quarto. ;Claro (que preocupa). Por isso que eu espero uma retomada de confiança e bom senso notadamente pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que tem ajudado o presidente da República no festival de trapalhadas;, criticou Randolfe.
O temor com o poder que a crise criada pelo STF pode dar a Bolsonaro não vai, entretanto, fazer o senador recuar de discutir o eventual processo de impeachment de Toffoli e Moraes. Para ele, a manutenção do inquérito dá razões para que os senadores encaminhem o processo. ;Quanto mais alguém entender que está acima da ordem constitucional, da lei e da razão, se dá a proposta de investigação por qualquer tipo de delito, inclusive por crime de responsabilidade;, destacou.
É por esse motivo que Rodrigues garante que a Rede não abrirá mão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), ação que tem por objetivo anular o inquérito do STF. ;Se mantém, até porque seria impossível para nós, agora, desistirmos;, declarou. A decisão, pondera, é um instrumento que o partido oferece em um ato de pacificação. ;É a mão estendida que damos aos ministros para uma saída honrosa;, alertou.
Impeachment
Não são apenas quatro ministros que Bolsonaro poderia indicar. Em um cenário mais otimista para a base governista e pessimista para a oposição e o próprio STF, ele poderia indicar até seis ministros. É o que poderia acontecer com a revogação da PEC da Bengala, pauta defendida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), vice-líder do governo no Congresso. Se aprovada a matéria, que pode ser conduzida por projeto de lei complementar ; embora a parlamentar também colha assinaturas para apresentar uma emenda à Constituição ;, além dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que vão completar, respectivamente, 75 anos em novembro de 2020 e julho de 2021, se aposentariam também os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
A revogação retomaria a idade máxima para aposentadoria compulsória dos servidores públicos de 75 anos para 70 anos. Kicis garante que essa é uma defesa antiga, que poderia valorizar a carreira em todo o magistério. ;Sou muito procurada pelos juízes e desembargadores, que pedem para revogar isso. Hoje, o magistrado tem que ficar por mais de 20 anos como juiz em primeiro grau para conseguir promoção. Não é bom para o Judiciário;, justificou. No entanto, ela reconhece que a crise instalada no STF reforça o debate.
A parlamentar classifica os últimos dias como ;tenebrosos;. ;Do tipo de terror mesmo;, justificou. Kicis avalia que é inadmissível que o STF, o guardião das liberdades e dos direitos fundamentais, instaure inquérito sem previsão constitucional para isso. ;A gente está à mercê de uma Corte extremamente poderosa que, infelizmente, não usa o poder para trazer a pacificação social. Ao contrário, o STF é o que mais imprime temor na alma do brasileiro;, sustentou.
A vice-líder do governo no Congresso garante que a defesa da revogação da PEC da bengala é uma pauta pessoal, e não do Palácio do Planalto, e que faz isso por defender o resgate das instituições. ;O STF tem que ser realmente uma corte respeitada. Os ministros do Supremo deveriam ser pessoas probas, respeitadas. Mas, quando isso não acontece, a gente vê que precisa mexer para que o STF volte a ocupar local de destaque no país para que as pessoas o vejam como uma Corte constitucional que vai zelar pela Constituição;, disse.