Os gastos com as ações militares que o Brasil realiza na fronteira com a Venezuela superam, com folga, a média anual dos custos que as Forças Armadas do País dedicaram às ajudas humanitárias no Haiti, um país devastado pela guerra civil e terremotos.
Nos últimos 12 meses, o governo sacou R$ 265,26 milhões dos cofres públicos para apoiar as ações militares em Roraima, na fronteira com o país governado por Nicolás Maduro. Isso equivale a mais que o dobro da média anual que o Brasil dedicou às operações no Haiti, entre 2004 e 2017. Na média, nos 13 anos da missão realizada no país caribenho, foram injetados R$ 130 milhões por ano pelo Brasil.
Ao jornal O Estado de São Paulo, o Ministério da Defesa confirmou que o presidente Jair Bolsonaro já sinalizou que serão feitos mais investimentos na ação militar em Roraima. Por trás desses custos, justifica o governo, está a complexidade e abrangência da missão nas bordas da Venezuela. "Trata-se de uma atuação muito mais complexa, pela abrangência das responsabilidades que temos hoje", disse o general Carlos Teixeira, que coordena a operação de ajuda humanitária em Roraima.
Teixeira, que também atuou em missões no Haiti, afirma que as ações militares em Boa Vista e Pacaraima abrangem desde a manutenção do efetivo até o suporte de toda atividade humanitária, diferentemente do que foi feito no país caribenho. "No Haiti, o gasto brasileiro foi feito para manter nossa tropa por lá, pagar o treinamento, a alimentação e os insumos dos militares. Agora, na Venezuela, esse custo para manter a tropa é só uma pequena parcela. A maior parte dos recursos é usada para receber os refugiados que chegam doentes e famintos. Temos de receber essas pessoas, dar alimento, medicar. E tudo isso custa dinheiro."
620 militares trabalham nas fronteiras do País
Atualmente, o efetivo de oficiais brasileiros deslocados para os trabalhos na fronteira é de 620 militares, entre agentes da Marinha, Exército e Aeronáutica. O governo brasileiro mantém, em alojamentos, 8.500 venezuelanos refugiados. "Cada uma dessas pessoas precisa tomar café, almoçar e jantar todo dia. Numa conta rápida, são mais de 25 mil refeições, diariamente. Por isso, o custo é muito maior mesmo."
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmou que o governo já admite a necessidade de colocar mais dinheiro nas ações, mas que avalia como isso será feito, para que não afete o orçamento da própria pasta. "O presidente determinou que haja aporte de mais recursos para dar continuidade ao trabalho da Operação Acolhida."
O Ministério da Defesa, a Casa Civil e o Ministério da Economia avaliam a forma como esse aporte será feito, afirmou Silva. "Vale destacar que a Operação Acolhida tem sido muito elogiada, virou referência. É um trabalho conjunto de várias instituições e entidades."
Os R$ 265,26 milhões que o governo já usou para lidar com a crise na fronteira com a Venezuela saíram do Tesouro Nacional, em créditos extraordinários sacados em março e novembro do ano passado. Medidas provisórias liberaram a verba para os programas de assistência emergencial, segurança na fronteira, acolhimento humanitário e interiorização de venezuelanos no Brasil.
A fronteira com o país vizinho foi fechada por Maduro no dia 21 de abril e assim permanece até hoje. A crise prossegue e, na avaliação do general Carlos Teixeira, não há prazo para o fim da operação, devido às incertezas políticas do País e a situação de caos em atendimentos sociais básicos. Apesar do bloqueio, venezuelanos continuam a entrar no Brasil pela mata, em áreas mais isoladas.
"Sabemos que, no total, cerca de 160 mil venezuelanos entraram no País desde 2015. A maioria está em Roraima. Desse total, 8.500 são refugiados e estão abrigados conosco. Outros 8 mil foram interiorizados por meio do Ministério da Defesa e da ONU", diz Teixeira.
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP Pedro Feliú, os recursos que o Brasil tem injetado nas ações são altos, mas necessários não só pela situação trágica vivida pela população venezuelana, mas também pela consequência da posição política que o País adotou. "É claro que esse gasto se justifica pela urgência da ajuda humanitária. O Brasil não poderia fechar a sua fronteira. Quem fez isso foi Maduro. Agora, é preciso admitir que há um custo político nessa conta. O Brasil, ao reconhecer Juan Guaidó como presidente da Venezuela, dispensou a possibilidade de mediar o conflito", avalia Feliú.
"O Brasil poderia ter sido a força neutra para atuar nesse caso, mas acabou por romper uma tradição política histórica."
Manaus vira opção para venezuelanos
A cidade de Manaus tem sido a segunda parada para muito refugiados venezuelanos que, com a demora em conseguir trabalho ou regularização de suas situações em Pacaraima e Boa Vista, partem rumo à Zona Franca. "Isso tem acontecido, de fato. Muita gente não quer aguardar a regularização de sua entrada no País e parte para se aventurar em Manaus. Tivemos problema, mas agora a situação já está regularizada. Estamos cuidando disso", disse o general Carlos Teixeira, que coordena a operação de ajuda humanitária.
Atualmente, há 13 abrigos montados em Roraima, sendo 11 deles em Boa Vista e dois em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela. Os abrigos foram organizados para receber, separadamente, mulheres solteiras, homens solteiros, casais com e sem filhos, LGBTs e indígenas. "Toda pessoa tem o direito de sair, de circular, de arrumar o trabalho. Nós estimulamos isso. Mas há um processo que deve ser cumprido para a interiorização das pessoas. É preciso que um município do País abra uma vaga", comentou Teixeira.
Duas semanas atrás, durante a madrugada, uma ação integrada do governo do Amazonas com o Ministério Público e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) fez a realocação voluntária de 230 refugiados venezuelanos que estavam dormindo no entorno da rodoviária de Manaus. Eles foram levados para espaços provisórios da prefeitura da capital. A ação mirou pessoas de maior vulnerabilidade, idosos, mulheres, gestantes e famílias com crianças. A ONU informou que 3 milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos anos, o equivalente a 10% de sua população total.
A 214 quilômetros da fronteira com a Venezuela, dentro de um galpão em Boa Vista, 200 toneladas de alimentos e remédios estão armazenadas há um mês e meio, à espera que o governo venezuelano libere a entrada dos mantimentos e medicações para a população.
"Os produtos são não perecíveis, mas têm limite. Hoje, estão em condições de serem entregue. Assim que o governo venezuelano sinalizar, vamos enviar", disse o general Carlos Teixeira. Os alimentos e remédios, que chegaram em 23 de fevereiro, foram doados pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.