Nos primeiros 100 dias do governo Jair Bolsonaro, a agenda internacional dá sinais de mudança na área política, mas, do ponto de vista comercial e de negócios, analistas avaliam que nada mudou. Polêmicas à parte, uma das principais promessas de campanha, a abertura comercial, ainda não tomou corpo, e tudo indica que ela será gradual, como tem sinalizado a equipe econômica comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Bolsonaro quebrou uma tradição de governos anteriores, que era sempre visitar primeiro a Argentina, principal parceiro brasileiro no Mercosul. E, após ir a três países em menos de um mês: Estados Unidos, Chile e Israel, deixou claro quais são as suas prioridades na agenda internacional, e ela não está focada no eixo Sul-Sul, como nas gestões petistas.
Essas foram as mudanças da política externa elencadas por analistas. Para eles, o discurso ideológico do ministro Ernesto Araújo (das Relações Exteriores), mais alinhado à direita, pode ser tão equivocado como foi o da esquerda, pela falta de pragmatismo na diplomacia. Contudo, o recuo no anúncio da mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, que acabou ganhando um escritório comercial, foi visto por especialistas com bons olhos, pois os danos econômicos da decisão poderiam ser altos perante parceiros árabes.
;Os governos passam, e os Estados vão ficando. Não se pode tomar partido em momentos delicados nem fazer um compromisso com um alinhamento tão grande que prejudique as relações comerciais;, alertou Lia Valls Pereira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). ;A história mostra que o pragmatismo das relações diplomáticas é importante. O Brasil não pode comprar a agenda dos EUA, porque ele não consegue levá-la adiante;, emendou.
Alessandra Ribeiro, sócia e diretora da área de Macroeconomia e Política da consultoria Tendências, resumiu os 100 dias de gestão Bolsonaro: ;A frustração é generalizada com o que se esperava e o que o novo governo está entregando. E isso vale tanto para a agenda econômica quanto para a agenda externa;.
Ela demonstrou preocupação, principalmente pelo custo ao país para obter uma sinalização de apoio dos EUA no processo de adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse respaldo para a entrada no ;clube dos ricos; está condicionado ao fato de o Brasil abrir mão do status especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial de Comércio (OMC). ;Esse alinhamento mais dogmático pode nos causar mais prejuízo por conta da perda de status especial na OMC. E a entrada do Brasil na OCDE não deve compensar, de longe, as perdas na OMC. Os sinais não são bons;, resumiu.
Quedas
O ano de 2019 começou com queda no superavit comercial do Brasil, e a agenda com medidas para melhorar a competitividade ainda não saiu do papel. Entre janeiro e março, o saldo da balança encolheu 11,4%, para US$ 10,9 bilhões, na comparação com o mesmo intervalo de 2018. As exportações caíram 3%, e as importações, 0,7%. A participação de produtos básicos na pauta de exportação aumentou, passando de 44,5% para 49,8% no acumulado do trimestre, reduzindo a fatia de itens de maior valor agregado, que exigem preços competitivos para ganhar mercado.
;Ainda é cedo para atribuir essa queda das exportações ao governo Bolsonaro, porque o comércio de agora é reflexo do que ocorreu no passado, pois os contratos são mais longos, mas o Brasil não é competitivo em um cenário de queda no comércio global;, explicou o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
Na avaliação do embaixador José Alfredo Graça Lima, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), é preciso que o Ministério da Economia apresente as medidas prometidas para recuperar a competitividade do país. Assim, será possível ter alguma perspectiva mais positiva no comércio internacional, inclusive, que avance na questão da abertura comercial. ;Nada disso aconteceu. O país é um ator comercial global e, para crescer, precisa estar mais integrado e ter uma política comercial mais liberalizante, mesmo se isso, em um primeiro momento, implicar deficit na balança comercial;, explicou.
O especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, também criticou a falta de andamento na agenda de abertura comercial. ;Na prática de negócios, a abertura comercial não aconteceu, porque é complexo tomar essa decisão, pois existem limitações de ordem prática dos acordos comerciais, como o do Mercosul.;
Para ele, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é quem mais tem feito negociações comerciais. A pasta divulgou ontem que ela vai promover produtos do agronegócio no Japão, na China e no Vietnã em maio.