Leonardo Cavalcanti - Enviado especial, Gabriela Vinhal
postado em 24/03/2019 08:00
Santiago e Brasília ; A 3.010 km de distância um do outro, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), continuam protagonizando um embate. A troca de farpas entre os dois evidencia os ruídos de comunicação entre os Poderes e coloca em xeque a aprovação da agenda do Planalto no Congresso, o que causa um desconforto na equipe econômica (leia mais na página 3). No Brasil, Maia convoca o governo para a linha de frente da articulação do Executivo no Legislativo, a fim de viabilizar e dar celeridade à tramitação da reforma da Previdência. Do outro, em terras chilenas, Bolsonaro atribuiu ao Parlamento a responsabilidade de fazer a proposta de emenda à Constituição (PEC) andar. Se o deputado fluminense sair de cena no jogo de negociação política, a previsão do governo de ter as mudanças no sistema de aposentadoria aprovadas até o segundo semestre fica cada vez mais distante.
Neste sábado, ainda no Chile, Bolsonaro disse que não será ;arrastado; para um ;campo de batalha; que não é o seu, em referência à cobrança de Maia para que ele lidere a articulação no Congresso. Segundo o chefe de Estado, os poderes são ;independentes; e, por isso, ele só responde pelos atos no Executivo. ;Não serei levado para um campo de batalha diferente do meu. Eu respondo pelos meus atos no Executivo. Legislativo são eles, Judiciário é o Dias Toffoli. E assim toca o barco, isso se chama democracia;, disse, ressaltando que não entende os motivos de Maia se comportar ;dessa forma um tanto quanto agressiva;
Reunião
Depois de passar três dias fora do país, o presidente brasileiro retornou ao Brasil na noite de ontem. A expectativa, por parte dos aliados do deputado fluminense, é de que Bolsonaro procure o presidente da Câmara para aparar as arestas e pedir desculpas. Entretanto, até o fechamento desta edição, não constava nenhum compromisso oficial na agenda de ambos.
Com a decisão de ficar de fora da articulação entre o governo e o Parlamento, Maia tem reforçado a cobrança ao presidente e à sua equipe para tomar frente do processo de negociação política no Congresso. Segundo o deputado, o presidente estava ;terceirizando; a articulação e transferiu para ele e para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), uma responsabilidade que é somente de Bolsonaro. ;Quer dizer, transfere para o presidente da Câmara e para o presidente do Senado uma responsabilidade que é dele e fica transferindo e criticando: ;Ah, a velha política está me pressionando, estão me pressionando;. Então ele precisa assumir essa articulação, porque ele precisa dizer o que é a nova política;, afirmou Maia.
O presidente, contudo, rebateu o deputado e, com ironia, questionou jornalistas sobre o significado de ;articulação; e citou exemplos de ex-presidentes que dialogavam com o Congresso para dizer que não seguirá pelo mesmo caminho. ;O (governo) anterior deu errado e olha onde estão os ex-presidentes;, disse. ;Não são todos (os parlamentares), mas alguns não estão acostumados com a nova forma de fazer política;, repetiu Bolsonaro. Para o chefe de Estado, o compromisso do Planalto com o Parlamento já foi cumprido com o envio do pacote da reforma da Previdência ao Congresso. Agora, de acordo com ele, a responsabilidade da Casa é ;regimental;, de despachar o projeto e fazê-lo andar dentro da Câmara dos Deputados.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Maia criticou o governo ao dizer que o governo não tem um projeto fechado para o país, ;só a reforma da Previdência;. Ele comparou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a uma ;ilha; que ficaria dentro do Executivo. ;O governo é um deserto de ideias;, declarou Maia. ;Se tem propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a Previdência? Não se sabe;, acrescentou. Para o deputado, Bolsonaro precisa fortalecer as conversas com os líderes e parar de atribuir ao processo dele de conversa o ;toma lá, dá cá;. ;A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática. Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50 deputados na base;, destacou.
Pauta de votações
Com a relação estremecida entre os Poderes, a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Previdência pode se arrastar por mais tempo do que o previsto pela equipe econômica do governo. Isso porque quem pauta as sessões no Plenário é o presidente da Câmara. Maia, até o momento, tem afirmado que não estará à frente da articulação política pela viabilidade da reforma. O texto da PEC tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde o último dia 13. Em um acordo com os líderes partidários, ficou decidido que só começariam a análise após o envio do projeto da reforma dos militares, que chegou à Câmara na quarta-feira. Entretanto, o teor da proposta desagradou parlamentares, inclusive do PSL, sigla do presidente até o momento, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), não anunciou a relatoria. A expectativa é que ele divulgue o nome depois da visita de Guedes à comissão, na terça-feira.
"Brasil é maior que nós"
;Eu vivo num país democrático, e dentro daquilo que vocês me perguntam, e que a sociedade me demanda, eu falo o que acredito. Sem nenhum tipo de agressão a ninguém;. A declaração é do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, ainda magoado, repudiou os ataques que têm sofrido nas redes sociais depois que o filho do meio do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro, criticou a postura adotada por ele como articulador político no Congresso.
Assim que teve conhecimento da fala de Maia, Bolsonaro se defendeu das acusações: ;O Brasil é maior do que todos nós. O Rodrigo Maia, eu nunca o critiquei, eu não o critiquei. Nas redes sociais, eu não o critiquei;, afirmou o presidente, antes de embarcar para o Brasil. O chefe de Estado justificou ainda a intensidade com que usa as redes sociais. ;Eu uso o Twitter 20 minutos por dia, não mais do que isso. Por meio do Twitter, a gente consegue chegar a uma quantidade enorme de pessoas;, explicou.
;Olhando para frente;
Maia, que esteve em São Paulo ontem, em um encontro com o governador João Doria (PSDB), falou à imprensa sobre o desgaste dele com o Executivo. Questionado sobre a crise, não quis comentar, apenas disse que, a partir de agora, ;está olhando para frente;. Entretanto, quando soube do comentário de Bolsonaro sobre nunca tê-lo criticado, o presidente da Câmara ressaltou: ;Você pode pesquisar os meus tuítes e os tuítes do presidente e do entorno do presidente para você ver quem está sendo agredido nas redes sociais. Aí você vai poder chegar à conclusão de que há uma distorção na frase do presidente;.
Bolsonaro, que viajou ao Chile acompanhado de uma comitiva (leia mais na página 13), estava também acompanhado do filho caçula, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara. Desde que assumiu o comando do colegiado, o deputado tem acompanhado o pai nas viagens internacionais e tem afirmado que não descarta o uso de força por parte das Forças Armadas brasileiras para tirar Nicolás Maduro do poder da Venezuela.
Questionado se apoia a ideia de Eduardo Bolsonaro, Maia afirmou que ;não é o melhor caminho; e que o Brasil ;não tem nem condições de segurar 24 horas de confronto; com o país venezuelano. Surpreso com a declaração, Bolsonaro disse: ;Mas ele está desprestigiando as Forças Armadas brasileira? Ele falou isso mesmo? Nós não queremos guerra com ninguém, em algum momento eu falei em guerra?;, questionou.