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Internação prolongada de Bolsonaro trava ações do governo federal

Negociadores de temas econômicos de grande repercussão, como reforma da Previdência e cessão onerosa, aguardam retorno do presidente às atividades no Planalto para tocar as pautas. Alta hospitalar está prevista para ocorrer até o fim desta semana

O presidente Jair Bolsonaro completa hoje 15 dias internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, após a cirurgia de reconstrução do trânsito intestinal. Enquanto a sociedade acompanha atentamente a evolução do quadro clínico, parte importante das atividades no Palácio do Planalto continua em compasso de espera até que ele volte à ativa. Temas econômicos de grande repercussão, como reforma da Previdência e cessão onerosa, estão na lista de matérias que aguardam o retorno do presidente para serem tocadas.

Complicações como a pneumonia detectada na semana passada e alguns momentos de febre fizeram com que Bolsonaro precisasse ficar mais tempo no hospital do que era esperado. A previsão inicial era de que ele recebesse alta na semana passada, 10 dias após a cirurgia, feita em 28 de janeiro. Agora, a expectativa é de que ele seja liberado nesta semana.
Embora algumas discussões tenham avançado nesse meio tempo ; como o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro ; a agenda econômica está travada. O texto da reforma da Previdência, por exemplo, não pode ser enviado ao Congresso sem que o presidente dê a última palavra sobre o conteúdo. Assim, mesmo que a equipe econômica já tenha um projeto que considera ideal, tudo ainda pode mudar.

[SAIBAMAIS]Por isso, alguns aliados consideram que, enquanto Bolsonaro estiver no hospital, o cronograma da reforma ficará em aberto, com previsões difusas. A apresentação do texto, que seria nos primeiros dias de fevereiro, deve ser adiada mais uma vez, para a semana que vem. Oficialmente, ninguém se arrisca a definir uma data para votação.

Longe de Brasília, além de não participar da definição do conteúdo, o presidente também não tem como se articular de forma eficiente em busca dos votos para a aprovação da proposta ou para prosseguir com a discussão de outras pautas, como a da cessão onerosa de excedentes da Petrobras.

Estratégia

O que os integrantes do alto escalão do governo podem fazer, enquanto Bolsonaro continua internado, é assumir e intensificar a articulação política pela aprovação das medidas, avalia o cientista político César Alexandre Carvalho, da CAC Consultoria. ;O tempo a mais de Bolsonaro no hospital pode ser encarado como uma semana extra para negociar votos com os aliados. Não acho que tenha prejudicado a pauta. Acho que, se a reforma já estivesse pronta, já teriam apresentado alguma coisa;, comentou.

O analista ressaltou que a figura do presidente nas discussões é importante, mas o papel de articulação política é atribuição do ministro da Casa Civil. E, a julgar pela agenda cheia e pelo resultado das eleições no Congresso, o comandante da pasta, Onyx Lorenzoni, mostra que tem assumido bem o papel. ;Desde a campanha, Bolsonaro sempre teve um perfil de gerente, mais do que de articulador direto;, disse Carvalho.

Serviço

É natural que Bolsonaro seja poupado de atividades mais pesadas enquanto está no hospital. Ainda assim, ele tem feito o possível para mostrar que, mesmo que o presidente esteja internado, o governo não parou. Na última sexta-feira, um dia após ser diagnosticado com pneumonia, ele recebeu no hospital o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Jorge Oliveira. ;O Brasil não pode parar!”, escreveu no Twitter.

No dia seguinte, Bolsonaro disse, na rede social, que Freitas anunciará medidas de ;desburocratização e economia; para o trânsito, como a ampliação da validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o fim da obrigatoriedade de aulas em autoescolas com simuladores. Nenhum projeto que faça parte da agenda de prioridades do governo, mas a declaração cumpre o objetivo de mostrar que o presidente continua atuando.

Além disso, ao mostrar serviço, Bolsonaro aproveita para desviar os holofotes do vice, Hamilton Mourão. À época da cirurgia, Mourão chegou a assumir o comando do governo por 48 horas. As várias entrevistas que deu naqueles dias geraram desconfiança entre familiares e aliados do presidente, que agora preferem evitar um protagonismo do vice. ;Quanto mais um vice aparece, menos o presidente gosta, ainda mais nessas circunstâncias. Uma coisa é ir a eventos já marcados, assinar um decreto. Outra coisa é dar tanta entrevista;, explicou o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Análise da notícia


Luiz Carlos Azedo

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) deve receber alta na quinta-feira, se não houver nenhuma nova complicação médica. Internado no Hospital Israelita Albert Einstein, segundo o boletim médico divulgado na tarde de ontem, tem boa evolução clínica, não tem febre e o quadro pulmonar apresenta melhora significativa. Uma pneumonia bacteriana, que está sendo combatida com antibióticos, retardou a alta do presidente da República. Bolsonaro reassumiu a Presidência dois dias após a operação de retirada da colostomia e religação dos intestinos grosso e deslado, mas não estava em condições de exercer plenamente o cargo. O governo ficou meio descoordenado.

Entretanto, o ambiente no Congresso é favorável ao governo, tanto na Câmara quanto no Senado, porque há uma maioria favorável à reforma da Previdência e ao projeto de combate à corrupção e ao crime organizado apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Mas o diabo mora nos detalhes, diz o ditado popular. Há decisões que ainda precisam ser tomadas para que as propostas sejam apresentadas ao Congresso, notadamente a reforma da Previdência, que deve gerar uma economia de R$ 1 trilhão, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro precisa bater o martelo em definições do tipo idade mínima para homens e mulheres e tempo mínimo de contribuição.

Também há que se discutir as prioridades. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já alertou o ministro Paulo Guedes de que o governo precisa definir uma prioridade. Não dá pra discutir outros projetos ao mesmo tempo da reforma da Previdência, sem enfraquecer a mobilização para sua aprovação. É outra decisão que depende de Bolsonaro.

Há quem questione a decisão do presidente da República de não se licenciar do cargo para passar o comando do Palácio do Planalto para o vice-presidente, Hamilton Mourão, com o argumento de que isso paralisou o governo, mas é leite derramado. Tudo indica que houve um agastamento entre ambos, por causa das declarações de Mourão e sua performance durante as interinidades, na viagem de Bolsonaro para Davos e nos três primeiros dias de sua internação.

É preciso cuidado. Intrigas palacianas são mesmo corrosivas, como nos mostrou Carlos Castelo Branco ao relatar as disputas entre Raul Riff e José Aparecido nos bastidores do governo Jânio Quadros. Do ponto de vista prático, porém, não há muito a fazer, a não ser esperar a recuperação de Bolsonaro.

O tempo a mais de Bolsonaro no hospital pode ser encarado como uma semana extra para negociar votos. Se a reforma já estivesse pronta, já teriam apresentado

César Alexandre Carvalho,
cientista político