O governo mudou as regras da regulamentação da Lei de Acesso à Informação, gerando preocupações de especialistas sobre a transparência. Para eles, o decreto publicado, nesta quinta-feira (24/1), no Diário Oficial da União (DOU), limita o acesso à informação, porque amplia muito o número de pessoas que podem decidir sobre o sigilo de dados públicos.
O decreto número 9.690/2019, assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, aumenta o número de pessoas que podem atribuir sigilo aos dados que antes poderiam ser solicitados pela Lei de Acesso à Informação, de 2011, contrariando o princípio inicial proposto pela norma. Essa ampliação foi escalonada sobre quem decide quais dados são sigilosos, secretos ou ultrassecretos, por exemplo. A classificação de um dado reservado a ultrassecreto determina o quanto um documento pode levar para ser tonrnado público, variando de cinco até 25 anos.
Conforme o decreto, a classificação "ultrassecreta", que inclui dados que podem se tornar públicas apenas depois de 25 anos por serem considerados estratégicos, pode ser feito por servidores com cargos comissionados do Grupo-DAS de nível 101.6 (Direção e Assessoramento Superiores, de remuneração R$ 16.944,90), assim como chefes de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista. Antes, isso só poderia ser feito pelo presidente, pelo vice-presidente, pelos ministros e pelos comandantes das Forças Armadas.
;A Lei tinha como regra a transparência, o sigilo era exceção. Agora, com essa ampliação do número de pessoas que podem decretar sigilo, o número de documentos que poderiam ser públicos tende a diminuir, pois a restrição dessa possibilidade era justamente dar mais acesso à população aos dados do governo;, criticou o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. Para ele, o governo está indo na contramão do discurso de campanha de que abriria as caixas pretas dos governos anteriores. ;Esse decreto, além de ir contra o princípio da Lei de Transparência, está contrariando a promessa do governo. Confesso que não entendi o motivo;, emendou.
O diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, também demonstrou surpresa com o novo decreto que regulamenta a Lei de Transparência, porque não houve consulta à sociedade civil sobre essa ampliação do número de servidores que agora podem decidir sobre os dados ultrassecretos. Para ele, seria natural que esse decreto fosse publicado para incluir as atribuições dos ministérios que foram criados e retirar os que foram extintos, como o Planejamento. ;Existe um conselho de transparência junto à CGU (Controladoria-Geral da União), do qual fazemos parte, mas essa ampliação nunca foi comentada. Não fomos informados e essa mudança não tem justificativas aparentes para com trabalha com o tema, infelizmente;, lamentou. Galdino informou que a entidade prepara uma nota sobre o assunto.
Na avaliação do deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR), essa medida a medida é um ;retrocesso;. ;Esse decreto é um retrocesso porque fere de morte a Lei de Acesso à Informação, que é uma das maiores conquistas da nossa sociedade. Essa medida é um ataque à democracia;, criticou.
A Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor em 2012, permite que qualquer pessoa possa ter acesso a dados públicos de órgãos e entidades, sem a obrigatoriedade de apresentar o motivo, destacou o parlamentar.
Rubens Bueno afirmou ainda que o decreto pode criar ;condições; para que atos ilegais e de corrupção que possam vir a ser praticados por agentes públicos não sejam investigados. ;O ministro da Justiça, Sérgio Moro, precisa vir a público explicar o teor deste decreto;, cobrou.
Procurada, a assessoria da Casa Civil ainda não retornou com a explicação dos motivos desse decreto. Contudo, garantiu que enviará uma resposta ainda nesta quinta-feira. A Controladoria-Geral da União também não se manifestou sobre o assunto.
Confira a íntegra da nota divulgada pela Controladoria-Geral da União
"A Lei de Acesso à Informação (Lei n; 12.527/2011), em seu artigo 27, ;1;, já previa a possibilidade de delegação da competência para classificação de informações em grau secreto e ultrassecreto, delegação esta que não foi regulamentada pelo Decreto n; 7.724/2012 no âmbito do Poder Executivo federal.
O Decreto n; 9.690, publicado hoje, supre essa omissão e ajusta a composição da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), que passa a ser composta por nove membros ; e não mais dez, como anteriormente ; refletindo a nova estrutura administrativa do Poder Executivo federal, em que os antigos ministérios do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Fazenda passaram a compor o Ministério da Economia.
Quanto às alegações de que alterações relativas à classificação de informações trariam efeitos nocivos na aplicação da LAI, ressaltamos que tal assertiva não procede, visto que as mudanças ora propostas tem por intuito simplificar e desburocratizar a atuação do Estado.
Destacamos, por exemplo, que tanto o Estado quanto a capital estadual que obtiveram maior pontuação em 2018 na Escala Brasil Transparente, respectivamente Alagoas e Belo Horizonte, também previram em sua regulamentação da Lei de Acesso tal possibilidade de delegação.
Finalmente, ressaltamos que as mudanças ora realizadas são fruto de intensa discussão, desde 2018, entre a CGU e diversos atores, dentre eles o Gabinete de Segurança Institucional, evidenciando a atuação integrada do Governo Federal na busca do aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência pública.
O ministro Wagner Rosário fará comentários sobre os pontos acima logo mais em seu perfil no Twitter que será lançado ainda hoje (24)"
Confira a íntegra da nota divulgada pela Transparência Brasil
A Transparência Brasil recebe com preocupação o decreto n. 9.690/2019publicado hoje, dia 23 de janeiro de 2019, pelo governo federal, que altera as regras sobre quem pode classificar informação em grau secreto e ultrassecreto, ao permitir que dirigentes de órgãos da administração pública indireta, bem como servidores DAS 6 possam classificar informações como ultrassecretas (fixando sigilo de até 25 anos).
A Lei de Acesso à Informação (LAI), em vigor desde 2012, regulamentou o direito à informação garantido pela Constituição Federal. A LAI determina que informações possam ser categorizadas como sigilosas em situações extremas, por exemplo, quando se coloca em risco a soberania nacional, a saúde da população, ou a estabilidade financeira do estado.
A mudança na regulamentação da LAI foi feita sem transparência e diálogo com a sociedade civil. Em 12 de dezembro de 2018, houve reunião do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), presidida pelo atual ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, e composta por representantes do governo e da sociedade civil. Conforme registrado em ata, foi anunciado que eventuais mudanças na LAI seriam comunicadas e discutidas previamente com os membros do CTPCC, e que o governo entendia que aquele era um espaço para discutir a agenda da CGU. Assim, recebemos com surpresa que essa mudança tenha sido feita de forma oposta à anunciada pelo ministro da CGU na reunião, que permanece à frente do órgão na nova gestão.
É verdade que o presente decreto vem corrigir eventual incompatibilidade do decreto anterior com a LAI, já que esta (Art. 27, ;1%u0966) dava à autoridade responsável o poder de delegar a competência a agentes públicos a classificação de documentos como ultrassecretos. Tal prerrogativa havia sido vedada pela regulamentação anterior. Porém, o atual decreto amplia a possibilidade do uso infundado e excessivo deste instrumento, o que pode vir a prejudicar o monitoramento do poder público e, nos casos em que a classificação seja de fato justificada, estende-se o rol de agentes públicos que tenham acesso a informações que, por representar risco para a sociedade ou para o Estado, deveriam ter acesso o mais restrito possível .
As normas que regulamentam a concessão de sigilo são ainda subjetivas, posto que não há critérios claros para determinar o que é um risco à sociedade ou ao estado, por exemplo. Ao ampliar o leque de servidores para escalões mais baixos, é de se esperar que diminua a uniformidade dentro do estado do que deve ou não ser sigiloso. De maneira prática, isso implicaria potencialmente em mais pedidos de revisão para a Comissão Mista de Reavaliação da Informação. Por outro lado, se existe a necessidade de aumentar autonomia da administração pública indireta, é imprescindível, mais uma vez, que este tema seja debatido com a sociedade civil e que parâmetros mais claros sejam estabelecidos. A título de exemplo, ao melhorar os critérios para definir o que é ;prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico; (Art. 23 da LAI), evitaríamos que cada reitor de universidade classificasse as informações como bem entender, comprometendo de maneira arbitrária o acesso à informação.
O governo, ao não consultar nem discutir com a sociedade o decreto, contribuiu para a repercussão negativa da decisão. As boas práticas de governo aberto, encampadas pela CGU, preconizam a colaboração da sociedade civil. Ao não seguir essas práticas, o governo levanta suspeitas e temores de retrocesso. Esperamos que explique à sociedade as razões que motivaram a decisão, reparando a falta de transparência na regulamentação da transparência governamental.