Fernando Jordão
postado em 14/12/2018 19:34
O presidente Michel Temer sancionou na última quarta-feira (12/12) a Medida Provisória n; 846 ; aprovada em novembro pelo Senado ;, cujo foco é a destinação de parte das verbas arrecadadas com as loterias para a segurança pública.
Além disso, o texto regulamenta as apostas esportivas no Brasil. Por isso, o Correio ouviu o presidente do Instituto Jogo Legal, Magnho José, e o coordenador do curso de Gestão do Esporte da Fundação Getúlio Vargas, Pedro Trengrouse, para saber o que muda com a nova lei. Confira:
O que muda?
Com a sanção da MP pelo presidente Michel Temer, as apostas de quota fixa, popularmente conhecidas como apostas esportivas (quando o montante que o apostador vai receber já é conhecido no instante da aposta), passam a ser legais no Brasil.
Quando entra em vigor?
Pelo texto da MP, "a loteria de apostas de quota fixa será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda", que tem um prazo de dois anos ; prorrogáveis por mais dois ; para regulamentar a atividade. Magnho José acredita que a regulamentação deva levar, pelo menos, um ano. "Estamos começando praticamente do zero. O ministério vai ter que criar uma estrutura para poder fiscalizar, escrever um regulamento...", elenca. O Ministério da Fazenda, por sua vez, disse não conseguir estimar um prazo de quando a regulação vá ocorrer. "Considerando a complexidade dessa futura operação, que envolve canais de comercialização físicos e virtuais, além de um número elevado de stakeholders nacionais e internacionais, o planejamento da regulamentação preverá a conclusão dos trabalhos no menor prazo possível, sem, entretanto, comprometer a efetividade do modelo regulatório e operacional dessa nova modalidade", afirma a pasta.
Como ficam os sites de apostas estrangeiros que já atuam no Brasil?
Primeiro, cabe ressaltar que esses sites ; como SportingBet e Bet365, por exemplo ; conseguem atuar no Brasil porque suas sedes não são aqui. Assim, eles estão sujeitos apenas à legislação de seus respectivos países de origem. Para Pedro Trengrouse, esse cenário não deve mudar. "Vão continuar fazendo como estão fazendo. Ninguém vai vir para o Brasil. A regulamentação vai servir para a cooperação com autoridades brasileiras, monitoramento, tributação de prêmios e nas licenças", projeta. Já Magnho José espera que essas empresas venham, sim, para o país. "É preciso criar regras proibindo que sites de fora operem jogos aqui para que essas empresas se interessem em vir para cá. Hoje, é muito cômodo para elas", avalia. Os dois ressaltam, no entanto, que essas são apenas especulações. Apenas a regulamentação do Ministério da Fazenda poderá dizer, de fato, o que vai acontecer.
E as outras modalidades de apostas, como cassino, bingo e jogo do bicho?
Todas as outras modalidades de apostas seguem proibidas. Tanto a Câmara quanto o Senado têm projetos que preveem a regulamentação deles. Os textos já passaram por comissões e consultas públicas, aguardando, agora, apenas serem pautados para votação em plenário. A expectativa dos especialistas ; considerando, inclusive, a mudança de legislatura no próximo ano ; é que isso aconteça em breve. "Esse assunto foi muito discutido nos últimos quatro anos. Tá maduro já. O Legislativo, o Executivo e o Judiciário não podem mais se omitir. Temos que avançar. Não pode é continuar do jeito que está", pontua José. "Cabe lembrar que a proibição dessas apostas nunca foi discutida no Congresso. Ela veio de um decreto-lei da Constituição do Estado Novo, nunca passou pela discussão da sociedade. Cabe ao Congresso votar [a liberação] e já tem uma frente parlamentar com 260 deputados favoráveis. Não tem por que não votar", acrescenta Trengrouse.
O que pensam os especialistas?
Os dois especialistas consultados pelo Correio reconhecem a sanção da MP como um avanço. Ambos, no entanto, fazem uma analogia de que o governo está "começando a construir uma casa pelo telhado". "Hoje, o Brasil é atacado por sites estrangeiros. Essas apostas são operadas no país largamente por sites hospedados fora. Normalizar essa atividade é um ganho porque será possível arrecadar com ela. Mas, em todos os mercados não regulados, ela é a última atividade a ser legalizada. Só ocorre depois que os mercados estão maduros, com cassinos e outros já regularizados. O ideal era legalizar antes atividades que já são operadas, a exemplo do jogo do bicho", detalha o presidente do Jogo Legal. "O Congresso e o governo precisam discutir o tema com responsabilidade e não dá para tratar de uma modalidade deixando a outra de lado. O mercado ilegal canibaliza o legal", completa o professor da FGV.
Em um memorando entregue ao Congresso durante as audiências públicas para a discussão do tema, Trengrouse também elenca alguns problemas que a falta de regulamentação dessas outras modalidades estaria trazendo ao país. Entre eles, estaria a exploração das modalidades pelo crime organizado, a falta de assistência para os apostadores e, a mais óbvia, os montantes que o governo estaria deixando de arrecadar em tributos. Pelas contas de Magnho José, com o que já existe hoje, o governo deixa de arrecadar R$ 6 bilhões por ano. Se esse mercado fosse explorado, ele teria, ainda nas contas do Instituto Jogo Legal, um potencial para render R$ 18 bilhões por ano em tributos e outros R$ 10 bilhões em outorgas (concessão para funcionamento de cassinos, por exemplo).