Os dois bem que tentam se descolar da imagem de Geraldo Alckmin, mas tanto o ex-prefeito João Doria (PSDB) como o atual governador Márcio França (PSB), que busca a reeleição, reciclaram uma série de promessas já feitas pelo ex-governador ao longo da atual campanha pelo governo de São Paulo. Como ocorreu há quatro ou oito anos, o eleitor paulista, mais uma vez, ouve compromissos relacionados, por exemplo, à conclusão do Rodoanel e das linhas 4 e 5 do metrô. O que muda é o preço a se pagar por elas. Somadas, as contas de Doria e França ultrapassam R$ 30 bilhões só em obras.
A comparação das listas mostra que um eventual governo Doria investiria ao menos R$ 26,4 bilhões durante os próximos quatro anos, enquanto França aplicaria no mínimo R$ 19,3 bilhões - para se chegar à soma de R$ 30 bilhões, a reportagem. O mesmo foi feito em relação a despesas com manutenção e contratação de pessoal. Com elas, o valor seria até três vezes maior, já que o custeio de um equipamento público vale, por ano, o mesmo investido em sua construção.
A regra é usada para hospitais, creches e linhas de metrô, desde que administradas pelo Estado. A reportagem também não considerou propostas genéricas, como despoluir os Rios Pinheiros e Tietê, promover integração entre secretarias e valorizar financeiramente os servidores - Doria e França já se comprometeram a dar aumento a policiais e professores.
Neste contexto, ambos os candidatos teriam dificuldades para encaixar suas promessas no orçamento do Estado. Nos últimos quatro anos, a gestão Alckmin investiu cerca de R$ 40 bilhões e não conseguiu terminar parte das obras agora novamente prometidas pelos candidatos, especialmente as ações na área de transportes rodoviário e público. O mesmo atraso ocorreu com a promessa de entregar mil creches em quatro anos - só 300 ficaram prontas desde 2015.
Especialista em Direito Administrativo, Adib Kassouf Saad considera a legislação eleitoral falha no sentido de não impedir que políticos em campanha prometam programas e serviços que não possam ser cumpridos em função da Lei de Responsabilidade Fiscal. "Sabe como isso se chama? Estelionato político. Os planos de governo aceitam tudo, mas a prática é outra", afirma Saad.
Empatados tecnicamente segundo pesquisa Ibope/Estado/TV Globo divulgada no dia 17, com 52% e 48% das intenções de voto, respectivamente, Doria e França prometem ampliar a rede paulista de hospitais e a malha rodoviária, mais vagas em ensino a distância, base comunitárias da polícia e delegacias da mulher, entre outros serviços.
Palanque duplo
Considerados aliados de Alckmin até o início da campanha, nenhum dos dois candidatos fez uma defesa do legado de 13 anos do ex-governador à frente do Estado. A seis dias do segundo turno das eleições, a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes tem se baseado principalmente em ataques mútuos nos comerciais e debates de TV.
Doria abandonou o padrinho político já no final do primeiro turno e passou a estimular o voto no presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), hoje sua principal estratégia de campanha contra França. O atual governador, por sua vez, prega o discurso da "mudança" e aposta todas as fichas na rejeição do ex-prefeito na capital, após ele descumprir a promessa de permanecer no cargo por quatro anos.
Para o cientista político José Alvaro Moisés, da USP, houve pouca ênfase durante a campanha para propostas caras ao eleitorado paulista. "Era preciso um plano muito mais proponente e incisivo para poder assegurar melhoria na mobilidade urbana, por exemplo, que São Paulo tanto precisa. Algo muito mais elaborado do que isso", afirmou o analista, em referência ao repeteco de promessas.
Neste domingo, 21, França prometeu moradia popular no centro da capital paulista. "O governo vai comprar apartamentos já reformados e pagar em torno de R$ 120 mil cada. Dá para fazer 10 mil unidades por ano", disse. Doria esteve em ato pró-Bolsonaro na Avenida Paulista. Em discurso, além de pedir voto para o presidenciável do PSL, ele voltou a ligar França ao PT e à esquerda.
A campanha de França afirmou que a "filosofia" do candidato é terminar as obras em andamento - são cerca de 700 - e aprimorar a qualidade do serviço público, o que explica o repeteco de promessas. A assessoria de Doria disse que "alguns compromissos firmados por gestões anteriores, como a conclusão das obras do Rodoanel, foram apoiados por todos os candidatos pois são demandas da população". "Já a expansão de Baeps e Deics regionais são propostas de João Doria originadas nos debates dos grupos de trabalho da campanha, criados para debater as necessidades da população e formular soluções."
Planos similares
Classificado pelo ex-prefeito João Doria como "esquerdista", o atual governador e candidato à reeleição Márcio França tem praticamente a mesma solução para os problemas do Estado que o tucano defende. Uma análise dos planos, discursos e projetos apresentados por ambos ao longo da campanha mostra que há dezenas de promessas semelhantes e até iguais.
As coincidências estão em praticamente todas as áreas estratégicas, como Segurança Pública, Habitação, Saúde, Educação e Transportes. Nessa última, os programas se confundem. Doria e França prometem, por exemplo, prolongar a Rodovia Carvalho Pinto até a cidade de Aparecida, concluir o Rodoanel, iniciar um trem intercidades que conecte São Paulo aos municípios de Campinas e Americana, no interior, e ainda fazer a Linha 18-Bronze do metrô, na direção do ABC Paulista.
Na área de Habitação, mais sinais de afinidade entre os adversários. Ambos prometem ampliar a oferta de moradia por meio do fortalecimento de órgãos da atual gestão - a agência Casa Paulista e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Os programas de Doria e França também propõem parcerias com o setor privado e com municípios para ampliar a oferta de moradia popular, além de ações para promover regularização fundiária e reurbanização de favelas.
Da mesma forma, os candidatos exaltam programas que se tornaram bandeiras dos governos tucanos no Estado - a promessa de ampliar o "padrão de atendimento do Poupatempo" para outras áreas do governo, por exemplo, é idêntica nos dois planos.
No caso de Doria, muitas das propostas não foram incluídas no plano de governo, mas apresentadas nas redes sociais e por meio de entrevistas concedidas ao longo da campanha. Ao menos 37 delas foram divulgadas pela internet, e a maioria não consta no documento apresentado à Justiça Eleitoral - fazer a semiblindagem de 8 mil viaturas da PM é um dos exemplos.
França segue o mesmo padrão. No decorrer da campanha, o candidato passou a divulgar propostas que não incluiu em seu plano de governo, especialmente quando passou ao segundo turno, como instalar elevadores em prédios da CDHU com até sete andares e contratar cem policiais para a Rota.
Mas, se o conteúdo é semelhante, ao menos em um ponto os candidatos se diferem: o plano de governo de Doria tem 21 páginas e o de França, 68. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.