A renovação do Congresso ocorreu no último domingo. E o padrão discursivo utilizado por Fernando Collor (PTC) 30 anos atrás conversa com as ideias do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que hoje disputa o segundo turno das eleições presidenciais com Fernando Haddad (PT), cujo argumento é o mesmo usado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002 ; a igualdade entre ricos e pobres. Para especialistas, o caráter cíclico da política brasileira caracteriza a democracia, permitindo que o poder mude de mãos e novas soluções sejam propostas ; e encontradas ; a cada novo governo (teste seus conhecimentos sobre as eleições no Brasil fazendo um quiz abaixo).
O professor de história política contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) Antônio José Barbosa acredita que o país viveu momentos delicados, mas não vê a possibilidade de um caos absoluto com a vitória dos petistas nem dos liberalistas ao Planalto. ;O país está maduro o suficiente para não embarcar em situações que coloquem em risco a democracia. Há a possibilidade de as coisas irem se acomodando, voltarem para o leito da normalidade alguns meses depois de iniciado o governo;, acredita. Tradicionalmente, o presidente eleito encontra uma boa vontade atípica do Congresso para avaliar as medidas propostas nos primeiros 100 dias. ;Isso não vai mudar. Quem ganhar terá a chance de testar a governabilidade;, detalha.
Ao contrário do que ocorreu em 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi eleita com 3% de diferença contra Aécio Neves (PSDB) não deve se repetir, segundo as últimas pesquisas. O último levantamento do Datafolha aponta Bolsonaro com 16 pontos percentuais à frente de Haddad. ;Estamos vendo o cansaço da sociedade civil, que foi às ruas em 2013 para pedir mudanças. Aquelas manifestações culminaram com a eleição do domingo passado. Há um divórcio entre a política e a sociedade. Isso explica a mudança radical do mapa político brasileiro;, complementa o especialista. Barbosa também lembra que os efeitos da Lava-Jato são ;muito fortes e mostram como a corrupção está entranhada no sistema político;.
Para a professora de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Flávia Biroli, no entanto, o sentimento de antipetismo, após os escândalos da Operação Lava-Jato não ficou contido apenas no PT, mas atingiu o sistema político e abalou o equilíbrio eleitoral. ;Chegamos em 2018 com o antipetismo ampliado por um candidato de extrema direita, que se torna uma visão autoritária da própria disputa;, complementa. A docente destaca que essa é a primeira vez que um presidenciável com chance de vitória nas urnas não se mostra disposto a seguir o rito do processo eleitoral: ;Atacou o sistema de votação, não vai aos debates e já afirmou que não se contentará com um resultado negativo;.
Olhar regional
O Fiat Elba, pivô do impeachment de Fernando Collor, e as pedaladas fiscais, que retiraram Dilma Rousseff do poder, mostram que, em diferentes momentos, a população foi explícita ao sinalizar que não tolera roubo de dinheiro público. A história perpassa, inclusive, no fim do primeiro mandato de Lula, quando veio à tona o primeiro caso grande de desvio de recursos, o mensalão. Os discursos que embasaram a campanha pela reeleição de Lula, em 2006, e de Dilma, em 2014, tentavam afastar a imagem de ambos nas investigações. Em contraposição, investiram na comunicação para mostrar os números de desenvolvimento do país, que vieram com o ex-presidente petista desde 2003.
Já na primeira vitória de Lula, quando foi ao segundo turno com José Serra (PSDB), o petista aproveitou o desgaste de oito anos de governo tucano para deslanchar a narrativa petista. Com um olhar regional, o PT, que na década de 1990 era querido pela classe média, conquistou o eleitorado mais pobre com o discurso de combate às privatizações, à extrema pobreza e à desigualdade social. Ao passo que, no passado, a população apostava no liberalismo; em 2002, acreditava a estatização. ;Ali, o PT conseguiu emplacar no PSDB a identidade de partido de elite. O Lula, que venceu as eleições, era diferente do Lula de 1989. O PT se tornou uma sigla de centro-esquerda, que conversava tanto com o mais pobre quanto com o empresário. Muito pelas alianças construídas;, justifica Biroli.
Foi o que precisou para conquistar o Planalto. Como num ciclo, o anterior foi protagonizado pela sigla tucana, que se aproveitou da má fase econômica do país e o alto índice de inflação para propor o Plano Real, que norteou a campanha e os discursos de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Antes ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco, o tucano se candidatou e venceu naquele ano e em 1998, ambos no primeiro turno ; é o único presidenciável que venceu sem segundo turno até agora. ;O país começou a subir. Ele criou um mecanismo genial que deu certo. A reeleição foi baseada na manutenção do sucesso do Real;, destaca.
Assim como em 1989, em que um partido nanico saiu vitorioso, 2018 estampa o crescimento do PSL, de Bolsonaro. Um cenário que revela uma ruptura no sistema eleitoral, quando havia apenas dois partidos protagonistas na disputa presidencial: PT e PSDB. As siglas, que sempre tiveram posturas diferentes para os problemas do país, competiam diretamente nas eleições desde 1994. ;Os dois nasceram com a transição da ditadura para democracia e com a Constituição de 1988, que estabeleceu limites dos agentes do regime militar, e criou o pacto social. Durante as eleições, a Carta Magna foi imprescindível para nortear as campanhas políticas. Os dois partidos respeitavam isso, mesmo com pensamentos distintos;, conclui Biroli.
A história recente
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