Os programas de Segurança Pública dos presidenciáveis incluem medidas rejeitadas por especialistas e cuja eficácia é altamente questionada. Eles também indagam sobre a capacidade de o petista Fernando Haddad colocá-las em prática, enquanto apontam excesso de ideologia no documento que Jair Bolsonaro (PSL) apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Parece tudo feito para agradar ao anseio do eleitor por segurança, mas com poucos detalhes. O que significa a frase investir em inteligência? Sem explicar como, tudo vira uma fórmula mágica", afirmou o coronel José Vicente da Silva Filho, que assessorou o candidato Geraldo Alckmin (PSDB).
O programa de Segurança Pública de Bolsonaro reúne propostas como endurecimento de penas, aumento do encarceramento e presença das Forças Armadas no combate à criminalidade. Também facilita o acesso às armas de fogo e enquadra nesse capítulo a política de direitos humanos. Pretende ainda criminalizar ações de movimentos sociais, tornando crime de terrorismo invasões de terra praticadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. E defende a redução da maioridade penal, que hoje é de 18 anos.
No começo do ano, o pesquisador Tulio Kahn ouviu uma centena de especialistas em Segurança Pública - policiais, cientistas sociais, criminalistas etc - e nenhuma dessas propostas obteve consenso. "É a pauta da bancada da bala. Muita ideologia e pouca política com eficiência comprovada. Esse grupo tem uma pauta com muita demanda corporativa, de interesse mais das polícias do que da população em geral", disse.
A redução da maioridade penal foi rejeitada por 65,7% dos entrevistados e apoiada por 33,85%; a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, rejeitada por 70% deles; e o uso do Exército como polícia teve a rejeição de 71%. "Há projetos como o que prevê punir de forma mais grave os adolescentes que cometem crimes hediondos, o que é correto. Rebaixar pura e simplesmente a idade penal é insano", diz José Vicente.
O Fórum Brasileiro de Segurança, o Instituto Sou da Paz e o Instituto Igarapé também apresentaram uma pauta conjunta para a área que previa exatamente o contrário: regular e controlar a venda e o uso de armas de fogo, a adoção de penas alternativas para romper com o encarceramento em massa e fortalecer o Ministério da Segurança Pública, em vez de ampliar o uso das Forças Armadas no combate ao crime.
Há duas notáveis exceções no programa de Bolsonaro: investir em inteligência policial e integrar as polícias, medidas defendidas pela quase unanimidade dos especialistas da área. Elas são tão consensuais que, na pesquisa de Kahn, receberam o apoio de 97,3% (integração) e de 69% (criação de um banco de dados unificado para a inteligência). O investimento em inteligência também consta no plano de governo de Haddad.
Desmilitarização. No caso do programa petista, a proposta mais polêmica é discutir a desmilitarização da polícia. Os especialistas não chegaram a um consenso sobre a medida e preferem defender a integração. A criação de um ciclo completo - permitir que a polícia trabalhe desde a prevenção até a investigação do crime - tem apoio entre os especialistas (92%) e entre as Polícias Militares, mas enfrenta a resistência de delegados de polícia, que defendem a manutenção do inquérito policial como atividade exclusiva da chamada polícia judiciária.
Haddad também pretende mudar o artigo da Constituição que regula a Segurança Pública, para rediscutir as atribuições das polícias, da União, dos Estados e Municípios. O uso do instrumento (proposta de emenda constitucional) não é consenso entre os analistas, que sabem da dificuldade da aprovação de PECs no Congresso.
Já outras medidas propostas por Haddad têm o apoio de especialistas, como o controle de armas de fogo e concentrar o uso das polícias no ataque a crimes violentos, além do combate à lavagem de dinheiro do crime organizado. "Mas o PT esteve 13 anos no poder e não as pôs em prática", diz Kahn.