Maior preocupação dos brasileiros, a saúde é um dos maiores desafios do próximo presidente. O Sistema Único de Saúde (SUS), universal e gratuito, é responsável pelo atendimento de 75% da população. Contudo, da forma como está estruturado hoje, pode entrar em colapso, principalmente por conta da transição demográfica que vive o país, com mais pessoas envelhecendo e, portanto, com maior demanda por cuidados.
Para os especialistas, é preciso repensar o sistema e focar o fortalecimento da atenção primária, capaz de atingir até 85% de resolutividade se bem aplicada, com economia de custos de internação. Mas também é consenso entre os analistas que é necessário mais investimento em ciência e tecnologia, na capacitação de profissionais, na manutenção dos equipamentos e na melhoria da eficiência e de gestão, para que o SUS, de fato, seja uma rede coordenada de saúde.
O professor do Insper Paulo Furquim alerta para a urgência em resolver os gargalos da saúde. ;O sistema está à beira de um colapso, a situação é muito precária no sistema público. Somente 25% é de saúde complementar, que também está com problemas porque os custos subiram muito e recursos foram contingenciados;, afirma. O setor está mais pressionado do que a educação, compara Furquim. ;Cada vez as pessoas têm menos filhos para colocar nas escolas, mas todo mundo está ficando mais velho, sofrendo de doenças crônicas que exigem assistência médica;, diz.
Apesar de prioritário, o tema é pouco abordado entre os candidatos à Presidência, lamenta Furquim. ;O que circula nas propostas aborda apenas o financiamento da saúde, mas é preciso revisitar questões como a redução de desperdício e a melhoria da eficiência. Precisamos resgatar o clínico geral. A saúde da família é importante para orientar qual o caminho. Só assim não serão realizados exames caros e inúteis. O sistema também precisa de um cadastro unificado para todas as ocorrências;, sugere.
O especialista destaca ainda a necessidade de prevenção. Mudar a ênfase do sistema, que é de assistência à doença, para um foco na saúde. ;Isso passa por alimentação, educação, combate ao sedentarismo. Vivemos uma epidemia de doenças crônicas por falta de educação. É uma agenda do fim do século 19 e não cumprimos até hoje;, ressalta.
A presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), destaca que a saúde ultrapassou a situação da violência entre as demandas da população. ;Já temos subfinanciamento e o governo congelou o teto de investimentos por 20 anos;, lamenta. Segundo ela, o Brasil investe 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde. ;A Inglaterra, que tem um sistema universal e público como o nosso, investe 9%;, compara.
Teto de gastos
Gulnar afirma que acabar com o teto é fundamental para melhorar a eficiência do SUS, implantar uma política de recursos humanos, desde a assistência básica até a urgência, e fazer funcionar a coordenação da rede. ;Algumas redes são boas, mas a maioria é muito desorganizada;, revela. A presidente da Abrasco diz ainda que é prioritário garantir uma participação mais efetiva da população organizada nos conselho de saúde. ;Não pode ter fila de espera;, sentencia.
Mas tem. A estudante Hellen Resende, 23 anos, aguarda na fila do SUS há dois anos para realizar uma cirurgia de retirada de pedra na vesícula. Nunca recebeu sequer um retorno. ;A médica disse que eu precisava fazer a cirurgia com rapidez. Passo mal subitamente, tenho dores abdominais insuportáveis, fico sem ar. Eles me esqueceram. O jeito é viver no hospital para me remediar;, conta. Hellen não vê indicativo de melhora no cenário da saúde a partir de 2019 e tenta, com o próprio esforço, conseguir a cirurgia. ;Sou muito prejudicada com as dores e vou ficando sem perspectiva. Esses problemas vêm de anos e anos. Espero trabalhar e pagar minha cirurgia, porque depender do SUS não dá;, afirma.
Sem votos
Para não chegar a esse ponto, a saída, conforme a professora de Saúde Coletiva Universidade de Brasília (UnB) Carla Pintas Marques, é investir na atenção básica. ;O problema é que isso não rende votos, apesar de evidências internacionais apontarem a eficácia do serviço. Construir hospitais chama mais a atenção da população;, diz. Conforme ela, com a simples expansão da atenção básica, que requer uma equipe mínima, sem lançar mão de equipamentos muito robustos, é possível garantir resolutividade. ;Quando essa área é organizada, onera menos o sistema hospitalar;, pontua.
O maior desafio, na opinião do ex-presidente do Conselho de Saúde do Distrito Federal, Helvécio Ferreira da Silva, é elevar o investimento em ciência e tecnologia e qualificação de profissionais. ;O SUS se tornou refém do privado, porque os governantes foram negligentes no aspecto de ciência e tecnologia;, critica. Para Silva, a administração do sistema precisa considerar quatro pilares: comprar, contratar, manter e controlar. ;Não temos recursos, nem infraestrutura. Além do financiamento, a execução do próprio orçamento é um desafio, porque há desvios;, denuncia.
Com a crise econômica, alerta o especialista, muitas pessoas perderam seus empregos e planos de saúde, sobrecarregando o SUS. ;Essa sobrecarga aumenta o caos. O profissional hoje tem que escolher quem vai atender, para não dizer ;quem vive ou morre;;, lamenta. Silva alerta que a falta de manutenção adequada nos equipamentos aumenta o caos do SUS. ;O resultado são hospitais lotados e sem capacidade resolutiva dos pacientes internados. Uma cirurgia que poderia ser feita em cinco dias vai para 45, 90, ou nem é realizada porque não existe capacitação e especialização da mão de obra na parte tecnológica.;
A diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Ana Costa, ressalta a referência de o Brasil ter definido na sua Constituição, que a saúde é um direito e um dever do Estado. ;O grande desafio é fortalecer a presença do Estado no setor. O SUS nunca teve financiamento adequado desde seu início;, pontua. Quando surgiu, 30% da seguridade social seria destinado ao sistema, mas isso foi cortado logo de cara. Depois, a CPMF foi criada para financiar o setor e acabou tendo seu fim desviado. ;O poder público investe pouco. O Congresso aprovou o teto dos gastos que congela por 20 anos os investimentos, que são insuficientes para uma população que está envelhecendo e demanda mais o sistema;, aponta.
O Ministério da Saúde informa que o SUS atende mais de 150 milhões de pessoas de forma gratuita, desde um simples atendimento ambulatorial a serviços de média e alta complexidade, e mostra que houve expansão orçamentária (veja quadro). ;O Ministério da Saúde, há mais de 30 anos, reafirma seu compromisso e maior desafio, que é cuidar bem da saúde de todos os cidadãos do país e ainda promover ações básicas de estrutura;, afirma, em nota.
*Estagiário sob supervisão de Igor Silveira