Marina Silva invadindo uma fazenda no Acre: mentira. Ciro Gomes agredindo a atriz Patrícia Pillar: mentira. O padre Marcelo Rossi declarando voto: igualmente mentira. E até a apresentadora Fátima Bernardes, da TV Globo, pagando por uma reforma na casa do homem que deu uma facada em Jair Bolsonaro: outra mentira. São só algumas das postagens repelidas pelas vítimas das fake news, praga que prolifera nas redes sociais nesta reta final da corrida eleitoral.
"A campanha provocou um aumento na divulgação das fake news e isso é preocupante", disse o desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, vice-presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), que estuda o assunto. "Essa é uma questão que preocupa por causa do discurso de ódio. Tem de ser combatida culturalmente." Para o magistrado, a própria internet pode ser usada para esclarecer "esses casos de pessoas que se sentem protegidas pelo anonimato e têm prazer em espalhar ódio e preconceitos".
Foi exatamente o que fez Fátima Bernardes. Com sua imagem ligada a Adelio Bispo de Oliveira, a apresentadora divulgou um vídeo em sua conta do Instagram. "Mais uma notícia falsa me obriga a fazer esse esclarecimento (...). Eu jamais apoiaria qualquer ato de violência", disse ela na mensagem postada no dia 21. Uma semana depois, o post já contava 2,5 milhões de visualizações. Procurada na semana passada, via assessoria, Fátima não respondeu.
A internet foi também o terreno encontrado pela atriz Patrícia Pillar para desmentir uma fake news. Ela publicou um vídeo em que diz que sua imagem está sendo usada para disseminar notícias falsas contra seu ex-marido, o candidato Ciro Gomes (PDT). Até a tarde da última sexta-feira, o post tinha 7,3 mil comentários, 38 mil compartilhamentos e mais de 1,6 milhão de visualizações.
Campanhas
No meio dessa "guerra de desinformação", as campanhas tiveram de se adaptar. Antes mesmo do início da disputa eleitoral, o PT montou uma equipe de monitoramento de redes sociais que selecionou centenas de sites responsáveis pela propagação de fake news.
Cada vez que o nome de Fernando Haddad, presidenciável do partido, é citado, a equipe recebe um alerta, avalia o potencial de perigo e executa as "vacinas", como são chamados os desmentidos.
Os responsáveis pelo monitoramento das redes têm canal direto com o departamento jurídico da campanha que, se for o caso, aciona a Justiça para que a mentira seja removida das redes.
Vítima de um boato recentemente, a vice na chapa de Haddad, Manuela d'Ávila, diz que enfrenta a questão política e juridicamente. "Acredito que precisamos denunciar a rede de mentiras e exigir investigação com relação a autores e financiadores das fake news. Não me acostumo com nenhuma injustiça com nenhum cidadão. Comigo também não."
As campanhas de Ciro e Marina Silva (Rede) trabalham de maneira semelhante: monitoram as redes e, se avaliam que é o caso, acionam o departamento jurídico. As equipes de Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB) não responderam.
Termos
Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo no Google Trends, plataforma que mostra quais as buscas que estão sendo feitas por internautas, aponta que, desde o início da campanha, em 16 de agosto, pelo menos um boato relacionado aos presidenciáveis esteve entre os dez termos que mais cresceram em buscas no Google por semana.
Bolsonaro é o que mais tem notícias falsas ligadas ao seu nome. Dos 12 boatos que mais tiveram crescimento nas buscas, sete são ligados ao candidato do PSL, dois a Ciro, um a Haddad e um a Marina.
Para efeito de comparação, em 2014, mesmo considerando o período eleitoral mais extenso, desde julho daquele ano houve somente três boatos relacionados aos presidenciáveis - todos referentes à então candidata do PT, Dilma Rousseff.
Os dados, no entanto, não apontam se houve um aumento da proliferação da desinformação, mas que mais pessoas têm se interessado em buscar mais informações sobre as notícias a que têm acesso. "Com certeza, esse é o assunto das eleições", afirma o diretor do Instituto Tecnologia & Equidade, Ariel Kogan. "Houve um processo de mudança de cultura. As pessoas estão muito mais atentas ao que estão lendo."
Kogan lembra que, no início do ano, 28 partidos firmaram um acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para evitar a disseminação de notícias falsas. "Vemos, da parte dos políticos, uma certa responsabilidade sobre o tipo de conteúdo que é veiculado", diz.
Ações violentas
"O que estamos vendo é diferente de outras campanhas, como a de 1989, porque as manifestações de violência acontecem no âmbito das plataformas sociais", explicou Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). "É muito preocupante. São fatos que podem estimular novos episódios", afirmou Bucci, ressaltando que observa o quadro como um estudioso da Comunicação.
"Esse contexto encoraja as pessoas a tomar atitudes violentas. É preciso ter cuidado, ter respeito pela democracia", disse. Para o professor da USP, "esse tipo de violência veio à tona com o discurso de ódio na campanha, que 'desreprime' as manifestações de violência física". Segundo Bucci, os episódios devem ser observados junto com outros casos. "O ataque a tiros à caravana de Lula, no interior do Paraná, o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio, e a facada no candidato Jair Bolsonaro, em Minas Gerais", citou. O professor da ECA lembrou ainda que há também as ameaças, como no caso de Manuela d'Ávila.
Bucci argumentou que os casos de violência não são episódios ligados entre si, "com nexo orgânico", especificou, "mas estão conectados pela exacerbação da linguagem violenta da radicalização". Para ele, "o que vincula os episódios violentos é a elevação da temperatura de setores sem compromisso com a democracia".
Bucci insistiu que é preciso observar "que pode haver um debate político franco e forte, mas sempre com respeito à democracia". Ele destacou a necessidade de reconhecer os princípios "da legitimidade do outro e do compromisso com a integridade física das pessoas". Bucci afirmou ainda que quando começam a ser rompidas as premissas da democracia "tudo pode se esgarçar".
Para o pesquisador Bruno Rangel, do Grupo de Estudos e Pesquisa de Direito Eleitoral da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), a violência por conta das fake news é novidade.
"É, sem dúvida, muito preocupante numa campanha que já teve atentado contra um candidato", afirmou o pesquisador.
Rangel argumentou que ainda não há dados suficientes para estabelecer comparações acadêmicas, mas pode-se enxergar responsabilidades. Ele acredita também que os candidatos nestas eleições têm responsabilidades no ambiente de confrontos. "É como num jogo de futebol: se os jogadores brigam dentro do campo, é provável que as torcidas passem a brigar também." Segundo ele, "quem perde é o eleitor". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.