Xingamentos, ameaças e difamações têm sido expediente comum na internet nesta época de campanha eleitoral. Para que os autores das agressões não fiquem impunes, uma rede de coletivos e organizações não-governamentais (ONGs) entregou nesta quinta-feira (27) ao procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, o pedido de designação de um promotor que atue especificamente na apuração da autoria das ofensas que se espalham pela internet.
"Alguns políticos têm se valido do ódio para ganhar votos. Não se trata de um episódio ou outro. Estamos falando de uma nova estratégia de marketing político. Isso é totalmente contrário à democracia", defende Evorah Cardoso, pesquisadora da Rede Feminista de Juristas e integrante dos movimentos #MeRepresenta e #VoteLGB. De acordo com o advogado Ademar da Costa Filho, que representa o grupo, a ideia é que o promotor possa quebrar o sigilo dos perfis usados para promover os ataques ; geralmente, desferidos contra mulheres, comunidade LGBT e negros.
Os grupos que assinam o pedido lançaram recentemente a plataforma Tretaqui! (www.tretaqui.org), onde se pode denunciar os ataques e discursos de ódio na internet. Em quatro dias, foram 383 denúncias, que são enviadas pelo site diretamente ao Ministério Púbico Federal (MPF). Atualmente, sete procuradores do órgão trabalham com a apuração de acusações do tipo, mas a ideia das ONGs é envolver também o Ministério Público Eleitoral (MPE) quando os ataques se referem às eleições. "Nós queremos que haja desdobramentos na Justiça Eleitoral, não só na Comum", justifica Evorah Cardoso.
"Alguns políticos têm se valido do ódio para ganhar votos. Não se trata de um episódio ou outro. Estamos falando de uma nova estratégia de marketing político. Isso é totalmente contrário à democracia"
Evorah Cardoso, pesquisadora da Rede Feminista de Juristas e integrante dos movimentos #MeRepresenta e #VoteLGB
A pesquisadora da Rede Feminista de Juristas diz que muitas vítimas de manifestações de ódio na internet não sabem como agir e deixam de denunciar as ofensas sofridas. Para que os casos cheguem à Justiça, porém, é preciso denunciá-los. No Tretaaqui! o processo é anônimo e rápido. O usuário copia o link onde estão as ofensas e/ou ameaças, explica a situação e envia à plataforma, que encaminha diretamente a denúncia ao MPF.
É preciso persistência
A investigação de crimes cometidos na esfera virtual, porém, ainda exige persistência por parte da vítima. Xingada por e-mail, telefone e nas redes sociais por simpatizantes do candidato Jair Bolsonaro (PSL), a jornalista Marina Dias, da revista Encontro BH, está indignada com a burocracia enfrentada nos dois últimos dias. Ela foi confundida com a autora de uma matéria da Folha de S. Paulo sobre supostas ameaças de morte feitas por Bolsonaro à ex-mulher, Ana Cristina Valle, entrou na mira de usuários do Twitter e do Facebook.
"Mesmo que eu fosse a autora, isso não poderia ter acontecido. Fui à delegacia e me avisaram que o processo é lento. É surreal que pessoas mal-intencionadas e irresponsáveis façam isso, sem enxergar as consequências dos seus atos, e eu, que sou a vítima, tenha de enfrentar tanta burocracia", indigna-se a jornalista. "Muitas pessoas podem se sentir destimuladas de procurar a Justiça", acredita.
Às 5h de quarta-feira (26), a jornalista foi alertada por um amigo que ela estava sofrendo ataques no Twitter. "Tinha um post com a minha foto e, na hora que vi, já havia 600 comentários e centenas de compartilhamentos;, diz. Um simpatizante de Bolsonaro encontrou e publicou a foto e as informações pessoais de Marina O tuíte foi deletado, mas, no Facebook, a imagem dela permanece atrelada à falsa postagem, com 50 mil compartilhamentos, até o fim da tarde de ontem. Um dos comentários avisava à jovem: "Você vai ter o que merece".