Mateus Parreiras/Estado de Minas
postado em 11/09/2018 08:33
Filho de uma funcionária do serviço de varrição da Prefeitura Municipal de Montes Claros e de um gari, Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos, deixou sua cidade natal pela primeira vez em 1995, quando tinha 17 anos. Desde então, e antes de ficar internacionalmente conhecido ao tentar matar com uma faca o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), na última quinta-feira, seus vestígios não eram muito claros.
[SAIBAMAIS]Nesses 23 anos, trabalhou poucas vezes com carteira assinada ou em serviços que emitiam nota fiscal. Não era muito conhecido por seus vizinhos, pois mudava-se com frequência para municípios de vários estados num mesmo ano e para casas em bairros diferentes numa mesma cidade.
Seus rastros mais claros ficaram registrados em Santa Catarina e em Minas ; em Uberaba e em Montes Claros. Uma rotina que por um lado constitui um perfil baixo, ideal para um atentado por não deixar rastros ou conexões. Mas que por outro pode ser o de uma pessoa perturbada e antissocial.
Em 2007, Adelio se filiou ao Psol, no diretório de Uberaba, no Triângulo Mineiro. De acordo com sua filiação, ele trabalhava como servente de pedreiro sem carteira assinada. Durante esse tempo há registros de imagens dele se manifestando nas ruas contra a prefeitura administrada por Anderson Adauto (2005 a 2009), que era do PL e posteriormente se filiou ao então PMDB.
Nesse período, segundo declaração do presidente do diretório e candidato a deputado federal pelo Psol, José Eustáquio dos Reis, Adelio não chegou a participar de reuniões expressivas, se mantendo mais em atividades nas ruas. "Era uma pessoa comum. Não era assíduo nas nossas reuniões, mas não aparentava ser alguém violento, que pudesse tomar uma atitude agressiva contra alguém", disse o político.
Enquanto esteve em Uberaba, Adelio morou por curtos períodos em muitos bairros, o que fazia com que sua vizinhança não registrasse bem seus hábitos, tidos como os de uma pessoa normal, sem queixas da comunidade nem problemas com a lei. Morou no Bairro Elza Amui, um local de periferia muito próximo à BR-262 e ao limite urbano/rural do município, onde as residências são em grande parte humildes, muitas delas de muros e paredes de tijolos sem reboco.
Depois, morou também no Jardim Bela Vista, uma área na porção norte do município, mais arborizada e também próxima à área rural, ainda que mais perto do Centro, local que tem também muitos conjuntos habitacionais.
Por fim, informações deram conta de que viveu também no Jardim Uberaba 1, o bairro mais humilde onde ele residiu, um local de casas de acabamento mais precário, muitas sem reboco e às margens do Rio Uberaba, o que as expõe a acúmulo de lixo, inundações e concentração de animais que infestam águas poluídas por esgoto, como ratos e baratas. O local é repleto de bota-foras, mas apesar da degradação, conserva uma população ainda de forte ascendência rural.
Adelio depois ressurgiu em Santa Catarina, em 2009, quando teve um passaporte emitido em seu nome, em setembro daquele ano, constando para a Polícia Federal que seu endereço seria no Bairro de Itacorumbi, em Florianópolis, local considerado de classe média. Essa, talvez, a mais estranha movimentação de uma pessoa que apenas trabalhou em lugares de baixa remuneração antes dos atentados.
Três anos depois, Adelio retornou a Montes Claros, no fim do ano, quando esteve com parentes, ajudou no trato de sobrinhas e foi admitido como garçom num hotel do Centro, em 9 de outubro de 2012. A passagem foi muito rápida, sendo que ele próprio pediu demissão 31 dias depois, em 10 de novembro. Funcionários que trabalharam com ele e pediram para não ter seus nomes revelados, comentaram que o suspeito desempenhou bons serviços e não teve qualquer tipo de incidente que o desabonasse.
No ano seguinte, Adelio retornou mais uma vez para Santa Catarina, onde duas ocorrências policiais foram registradas contra o homem que confessou ter esfaqueado Bolsonaro. Uma delas foi pela invasão de um canteiro de obras, em Itajaí, e outro em Capivari de Baixo, por furto ; ele teria surrupiado um cartão de ponto da obra em que trabalhava.
Naquele mesmo ano, ao voltar para Montes Claros, foi acusado de ter arrombado um barracão no terreno de parentes. Segundo informações de familiares, ele se refugiou por mais de um mês no local, chegando a brigar com o cunhado por não ter pago a conta de luz ; fato que foi registrado pela Polícia Militar em boletim de ocorrência. Em relatos, parentes disseram que, apesar desse desentendimento, o pedreiro não apresentava comportamento violento e vivia praticamente recluso quando no município norte-mineiro.
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O vínculo com o Psol foi encerrado em 2014, pelo próprio Adelio. Há especulações de que uma candidatura dele a deputado federal tenha sido rejeitada, algo não confirmado pelo partido. No ano seguinte, a Justiça do Trabalho catarinense registrou um processo em que o pedreiro ainda requer vínculo empregatício com uma construtora por uma obra em Balneário Camboriú. Em 5 de julho de 2018, em São Carlos, também em Santa Catarina, foi registrada sua entrada no mesmo clube de tiro que é frequentado pelos filhos de Bolsonaro Carlos (vereador no Rio de Janeiro) e Eduardo (deputado federal por São Paulo).
Ele teve apenas uma aula, ao lado de um instrutor. Sua última pista no estado apareceu nas redes socais, onde foi fotografado numa manifestação contra o presidente Michel Temer, em Florianópolis. Depois disso, Adelio foi a Juiz de Fora, onde se hospedou numa pensão no Centro por 15 dias antes do atentado contra Bolsonaro. Ele pagou à vista e em dinheiro o adiantamento de R$ 400 pelo quarto.
Passagem por Brasília
Adelio Bispo de Oliveira, autor do atentado contra Jair Bolsonaro (PSL), esteve em 2013 na Câmara dos Deputados, em Brasília. A informação foi divulgada pelo deputado federal Delegado Francischini (PSL), principal articulador político da campanha do presidenciável, que afirma ter obtido um levantamento que registra a entrada do agressor pela portaria do Anexo IV, onde ficam os gabinetes dos parlamentares.
Pelo Facebook, o deputado informou que, em 6 agosto daquele ano, Adelio entrou no prédio para uma reunião com um deputado federal, que não foi identificado. ;Estou requerendo ao presidente (da Câmara) Rodrigo Maia uma investigação para saber quem é o deputado;, disse. ;Vamos levantar o que aconteceu naquele dia na Câmara para tentar saber o que levou Adelio lá;, ressaltou. Francischini ainda afirmou que teve acesso a fotos do homem na frente do Congresso, supostamente na mesma data. (Lucas Negrisoli, estagiário com supervisão do editor Renato Scapolatempore)