Vera Batista
postado em 06/09/2018 23:09
O atentado brutal contra a vida do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro é lamentável e inaceitável, independentemente das divergências políticas, sociais, religiosas, étnicas e de gênero. Neste momento difícil que o Brasil atravessa, de incitação ao ódio e de ameaça às instituições democráticas, o ato isolado de um único cidadão desvairado provou que a apologia à violência, em qualquer situação, sempre acaba mal e faz vítimas inocentes. Infelizmente, o que chama a atenção é que o agressor não está sozinho na prática de crimes hediondos por motivos fúteis. Ele é o reflexo de uma população que ; não se sabe quando começou e por quanto tempo perdurará ; apoia extremismos, leva às últimas consequências a intolerância às ideias e ao contraditório e escamoteia o debate dentro da lei e da ordem.
Fato inédito nas eleições brasileiras, a agressão a um candidato com significativa pontuação nas pesquisas de intenção de votos feriu em cheio a sociedade. O povo do bem anseia por um pleito limpo, com concorrentes qualificados e à altura dos problemas que enfrentarão em 2019. Não há lugar para salvadores da pátria, para mitos, para vingança, para santificação ou crucificação de homens comuns ou de buscas oportunistas por culpados de ocasião. A situação inusitada que se estabeleceu no interior da nação, pela reprovável e singular opção de um infrator em Juiz de Fora, prejudica a todos nós que nos vemos diante de um cenário de corrupção, desvio de dinheiro e descontrole das contas públicos, privilégios para poucos e uma legião de desvalidos largados à própria sorte.
R$ 300 milhões por dia é o custo estimado da violência no Brasil. Valor que não contabiliza o sofrimento físico e psicológico das vítimas da violência brasileira, uma das mais dramáticas do mundo. Entre as causas dos desastres fratricidas, a predominante é conhecida, segundo especialistas. E pelo fato de que a opção ilegal é favorecida pela tolerância cultural aos desvios sociais e pelas deficiências das instituições de controle social: polícia ineficiente, legislação criminal defasada, estrutura e processos judiciários obsoletos e sistema prisional caótico. A interação entre essas deficiências institucionais enfraquece sobremaneira o poder inibitório do sistema de justiça criminal.
De acordo com o Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), na última década, 553 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta. A cada 10 minutos, uma pessoa morre, ou seja, são seis mortes por hora. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. O racismo foi a causa de 80% das mortes de negros no país.
Em 2017, as mulheres foram vítimas de 4.473 homicídios dolosos, um aumento de 6,5% em relação a 2016. O que significa que uma mulher é assassinada a cada duas horas. Mesmo assim, de acordo com a professora Lourdes Bandeira, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), em 70% dos casos, assassinatos são tratados como crimes de paixão ou de honra. A situação das mulheres negras é ainda mais grave: a taxa de homicídio entre elas foi 71% superior à de mulheres não negras.
No país, 33.590 jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. O número representa aumento de 7,4% em relação ao ano anterior. O Brasil é também o país que mais mata LGBTs no mundo: um a cada 19 horas, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia, que levanta dados sobre assassinatos da população LGBT, há 38 anos.
Os números falam por si. No entanto, é fundamental ressaltar que mesmo diante da conjuntura de desmando, a barbárie não pode tomar conta dos corações e das mentes, e contaminar o processo eleitoral. As estocadas insperadas e traiçoeiras em Jair Bolsonaro sinalizam que o Brasil tem que encontrar o equilíbrio para apaziguar a divisão entre os brasileiros. É hora de a pátria refletir por que Jair Bolsonaro foi atacado. Mas também de combater as causas da escalada da fúria desenfreada, do revanchismo, da represália, da retaliação barata e do desalento que atacam a vida da maioria.
"A violência no Brasil atingiu índices inaceitáveis e a grande dificuldade em se por um fim a esse mal é a multiplicidade e grandeza de suas causas. Existe um ciclo vicioso: condição econômica do país; desigualdade social; crimes; violência; polícia ineficiente. Tratar esses problemas exige total participação da sociedade e empenho singular dos órgãos administrativos", aponta José Vicente da Silva Filho, mestre em psicologia social, coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública. Segundo ele, o tratamento intensivo e contínuo das atividades do crime organizado deve receber particular ênfase, principalmente sobre o tráfico de drogas, contrabando, pirataria, roubo de cargas, furto e roubo de veículos, jogos ilícitos e crimes financeiros.