Perfil conservador, declarações polêmicas e inicialmente dado como um azarão na corrida presidencial. As semelhanças entre Jair Bolsonaro (PSL) e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fazem muitos eleitores ; simpáticos ou não ao deputado federal ; acreditarem que as eleições brasileiras podem ser uma espécie de repetição do pleito norte-americano de 2016. A um mês do primeiro turno, no entanto, especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que a similaridade entre os dois é apenas superficial, e que o caminho de Bolsonaro à Presidência é muito mais árduo do que foi o de Trump.
Já citado por um jornal norte-americano como o "Trump brasileiro", Bolsonaro, de fato, repete estratégias que ajudaram o magnata a se eleger e não foge das comparações ; no ano passado, por exemplo, disse ao Correio, que, caso eleito, seria ainda melhor governante que o norte-americano. "Ele quer que isso seja passado para o eleitorado, ou seja, que mesmo subestimado Trump chegou lá. (Bolsonaro) quer transmitir que também pode", analisa Leandro Consentino, cientista político do Insper.
As diferenças, porém, são muitas, aponta o especialista, a começar pelo fato de Bolsonaro não ser um outsider da política, o que diminui um pouco do apelo junto aos eleitores que procuram o novo. "Trump nunca tinha ocupado cargo político e é oriundo do meio empresarial. Bolsonaro, não. Desde os anos 1980, está na vida parlamentar. Sempre foi um deputado de baixo clero, sem atuação brilhante, mas isso não significa que ele é um outsider;, afirma.
Rejeição
Outra diferença que pesa contra Bolsonaro está no sistema eleitoral dos dois países, ressalta o analista político Lucas Fernandes, do Barral M Jorge Consultores Associados. No Brasil, leva a eleição quem conquista mais votos, diferentemente dos Estados Unidos, onde a vitória em determinados estados permite a vitória mesmo do candidato numericamente inferior. "Lá, é um modelo indireto, e aqui é direto. Se Trump tivesse concorrido pelas regras brasileiras, não teria sido eleito, pois ficou numericamente abaixo de Hillary", lembra Fernandes.
Isso faz toda a diferença porque, no Brasil, a alta rejeição a um candidato acaba sendo um empecilho muito maior à sua eleição. E o estilo polêmico de Trump e Bolsonaro, com declarações muitas vezes consideradas racistas, homofóbicas e machistas, costuma agradar muito uma parcela do eleitorado, mas afastar enfaticamente outra. Nos EUA, o presidente atual chegou a ter 53% de rejeição ao longo da campanha e ganhou. Isso é mais difícil para Bolsonaro.
O militar reformado é hoje o presidenciável mais rejeitado: 44% dos eleitores dizem que não votariam nele de jeito nenhum, segundo a última pesquisa do Ibope, divulgada na quarta-feira (5/9). Duas semanas atrás, esse índice era de 37%, um crescimento de 7%. Já as intenções de voto do candidato subiram apenas 2%, segundo o levantamento, de 20% para 22%, dentro da margem de erro. "Isso pode ser suficiente para levá-lo ao segundo turno, mas mostra que ele não tem crescido", aponta o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Mackenzie.
Como resultado, no segundo turno ele perderia hoje, de acordo com o Ibope, para Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB). Bolsonaro só aparece na frente de Fernando Haddad (PT), e mesmo assim com 1% de vantagem e sem que o petista tenha sido oficializado como o indicado para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por fim, os especialistas apontam outras duas diferenças fundamentais entre Trump, o magnata, e Bolsonaro, o ex-capitão do Exército: recursos e estrutura partidária. "Trump faz parte do Partido Republicano e tinha muito dinheiro para destinar para a campanha", resume Lucas Fernandes. Já Bolsonaro, além de menos dinheiro, conseguiu apenas nove segundos por programa no horário eleitoral gratuito.
A falta de apoio de grandes partidos seria ainda um problema para a governabilidade de Bolsonaro, caso eleito. "Ele não é de um PSDB, PT, MDB. É de um partido nanico. Ele tem que fazer jogo de coligação. Para montar um legislativo, vai ser muito mais complicado para ele. E eu acho que está claro para ele todas essas dificuldades;, avalia Consentino.
Voto envergonhado
Apesar de todas as dificuldades, Rodrigo Prando destaca um ponto que pode aparecer como surpresa nas eleições. O especialista da Universidade Mackenzie lembra que, no caso de Trump, houve o chamado "voto envergonhado", ou seja, parte do eleitorado tinha vergonha de admitir que votaria no candidato republicano, mas acabou votando. "Para muitos, não pega bem, sobretudo em círculos politicamente corretos, apoiar Bolsonaro. Mas, na intimidade, o número (de eleitores) seja maior (do que as pesquisas apontam)", pondera.
Lucas Fernandes, do Barral M Jorge Consultores Associados, há ainda um fator dentro do Congresso brasileiro. Apesar de não ter conseguido "formalmente" o apoio de nenhum partido político para a campanha, "informalmente" Bolsonaro consegue. "Quando ele vai para os estados, ele recebe o apoio de muita gente que está se candidatando. Muitos políticos que estão filiados a partidos e em outras coligações ;tiram uma casquinha dele;", comenta.