A área da comunidade é reconhecida pelo Incra desde 2011. Os primeiros registros da ocupação são de 1746. Lá, ocorre a tradicional Festa do Marmelo, doce reconhecido internacionalmente. O decreto do Incra que encolheu a área quilombola não levou em consideração o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), também feito pelo órgão. A medida também não observou as regras do acordo da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao qual o Brasil é signatário. A demarcação de terras quilombolas passou a ser direito constitucional em 2003, quando foi editado o Decreto 4.887.
[SAIBAMAIS]Lideranças quilombolas dizem que a decisão do Incra ocorreu após pressão de políticos e empresários que têm terrenos na região. Um dos supostos envolvidos no lobby é o deputado federal Jovair Arantes (PTB). Seu sobrinho, Rogério Arantes, é diretor do Incra. Ele foi preso no começo do mês pela Polícia Federal, acusado de envolvimento em esquema de pagamento de propina. As terras pertencem à empresa Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários, que tem o ex-presidente José Sarney (MDB) e o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro entre os sócios.
As famílias da região temem a desapropriação. É o caso dos agricultores Erismar Braga Ramos, 49, e a mulher, Claudinete Coutinho, 56. Os dois já chegaram a receber ameaças de despejo. O casal tem uma filha de 15 anos. A quinta geração da família no Quilombo Mesquita. ;Meu bisavô foi escravo. Meu avô nasceu em 1889 (um ano após a abolição da escravatura). Aqui toda a minha família se criou. Não tenho referência de outro lugar, de outra cultura, de outro trabalho e de outra casa a não ser aqui. Basicamente todos os que vivem nesta comunidade são parentes;, conta Erismar.
Com a redução da área quilombola, o módulo fiscal ; índice de área mínima para exploração economicamente viável ; ficou abaixo dos níveis de Goiás e da Cidade Ocidental. As famílias quilombolas ficaram com 0,9 hectare de terra, enquanto o estado tem 75 hectares por família e o município 40 hectares por família. Sandra Braga, líder comunitária do Quilombo Mesquita, cobra explicações. ;Essa decisão não consultou os quilombolas. Quais são os interesses? Sabemos que essa é uma área valorizada por ser próxima a Brasília e essa relação nunca foi pacífica;, reclama.
Rito legal
Pelo menos 16 organizações repudiaram a redução do terreno quilombola. Hoje, 92 líderes da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq) se reúnem no quilombo para discutir o caso. ;Esse ataque prejudica a possibilidade de preservação da história e da continuidade dessas famílias. O Incra não cumpriu o rito legal de demarcação e tomou uma decisão impositiva;, critica Denildo Rodrigues de Moraes, coordenador nacional da entidade.No âmbito judicial, a regularização fundiária do território Quilombola Mesquita é discutida em três ações em trâmite na Subseção Judiciária de Luziânia, sendo duas de defesa dos interesses quilombola. Também tramita na 1; Vara Federal da Seção Judiciária do DF uma ação da Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários, com o objetivo de proibir que o Incra inclua a Fazenda São José do Pericumã no território quilombola. O procurador da República Guilherme Guedes Raposo, da Procuradoria da República no Município de Luziânia, cobrou explicações ao Incra.
Em nota, o Incra disse que os custos para regularização fundiária do Quilombo Mesquita na forma proposta pelo RTID custaria R$ 1 bilhão em indenização aos donos. ;Tal volume de recursos representa três vezes o orçamento total do Incra para 2018, e 300 vezes o orçamento destinado à regularização de territórios quilombolas para todo o país;, destaca o texto. A nota conclui: ;A redução poderia beneficiar a comunidade com a regularização fundiária em um patamar exequível pelo erário, eliminando a insegurança jurídica em que vivem os quilombolas daquele território;.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, um dos sócios da Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários, disse que não acompanha a situação e que não tem nenhuma informação sobre a questão que envolve os quilombolas. ;Sou sócio investidor, mas não acompanho nada e não tenho gerência sobre nada;, explicou. A assessoria de imprensa do deputado Jovair Arantes (PTB) não respondeu à reportagem.