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'Todo mundo tirou casquinha', diz Jungmann sobre políticos durante greve

Ministro da Segurança Pública diz que políticos tentaram se aproveitar do momento caótico do país, mas depois perceberam que todos estavam no mesmo barco. Ele aponta o dedo, também, para alguns governadores e empresários

Alguns governadores se esquivaram de ajudar a combater a greve dos caminhoneiros, afirmou o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, em entrevista ao programa CB.Poder, parceria entre TV Brasília e Correio. Segundo ele, houve até mesmo um estado ; ele não cita qual ; em que a Polícia Militar estava ajudando a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e foi retirada do local por ordem expressa do chefe do Executivo estadual.

De acordo com o ministro, esses políticos tentaram ;tirar casquinha; da crise, mas depois se deram conta de que isso seria ruim. ;Caiu a ficha e todo mundo percebeu que está no mesmo barco.; Jungmann também aponta o dedo para empresários da área de transportes. Sem o apoio deles, explica, o movimento dos caminhoneiros teria sido impossível. Esses casos são objeto de inquéritos ainda sigilosos, que têm como alvo 20 donos de transportadoras.

O movimento está acabando, crava Jungmann, porém ainda assusta. ;O fim do processo de greve se dá de forma lenta, mas o que não tínhamos visto antes é o grau de violência com que isso está acontecendo.; Segundo o ministro, essa violência ocorre principalmente na hora de dispersar bloqueios. ;Tentam impedir que caminhoneiros voltem a trabalhar e voltem para suas famílias. Temos até cenas de violência que são inaceitáveis e, sobretudo, covardes, porque muitas vezes é um grupo agredindo um único caminhoneiro.;

O maior problema, ressalta, está na demora até a chegada das unidades aos territórios em questão, muito por conta da vastidão do país. ;Eles estão muito espalhados pelo território nacional. Só a Polícia Rodoviária Federal tem uma malha de 70 mil km.;

A greve já foi dada como encerrada, mas ainda vemos filas nos postos, desabastecimento, problemas na agricultura; Quando a normalidade voltará?

O processo do fim de uma greve, ainda mais nacional e de caminhoneiros, historicamente se dá de forma lenta. O que não tínhamos visto anteriormente é o grau de violência que está acontecendo. Tentam impedir que caminhoneiros voltem a trabalhar e voltem para as suas famílias.


Isso já está acontecendo?

Sim, e temos até cenas de violência que são inaceitáveis e, sobretudo, covardes, porque muitas vezes é um grupo agredindo um único caminhoneiro. Estamos criando uma central de atendimento ao caminhoneiro para todos aqueles que queiram pedir para se libertarem, para que possam voltar a circular, como a grande maioria deseja neste momento. Vamos, inclusive, despachar o pedido para a Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, Forças Armadas, quem estiver mais próximo naquele momento.

As Forças Nacionais não estão conseguindo conter essa violência?

Eles estão muito espalhados pelo território nacional. Só a PRF tem uma malha de 70 mil km. Imaginem as polícias estaduais. Quem estiver sofrendo constrangimento ou acha que vai sofrer nos procure, por meio da Central, que nós vamos procurar chegar até lá. E aqueles que tiverem registros de violência, nos mandem, porque vamos identificar e punir os responsáveis.

Que medidas preventivas foram tomadas para evitar a greve? A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) fez o papel dela?

Ela fez o papel dela. São inúmeras categorias que mandam aviso de que vão paralisar. Isso faz parte da própria negociação. Agora, o que foi que aconteceu? O governo iniciou de uma forma extremamente democrática a negociação com o Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos e fechou esse acordo, acreditou que seria cumprido. Hoje, os governos convivem com a situação tradicional, que é a negociação com coletivos (sindicatos, partidos, igrejas, associações coletivas) e com a rede. O sindicato é vertical e centralizado; a rede é descentralizada e absolutamente horizontal. O líder, na rede, surge no momento em que se dá o ato, não é um líder anterior, com um histórico. Ele cresce no interior da própria paralisação. Não há uma experiência de negociação sindical como tem o sindicalismo tradicional. Os movimentos foram ultrapassados por esse movimento na rede. Isso levou à dimensão dessa paralisação e à dificuldade de se negociar para terminar essa greve.

Isso não foi previsto nem ventilado como possibilidade?

Os governos hoje convivem muito mal em todo lugar. Nos EUA foi surpresa; na França; países árabes; O Manuel Castells é o grande teórico das redes sociais, e ele fala que, quando você tem uma crise econômica e política, a ignição, às vezes, é um estalo. No caso da revolta árabe, resolveram se movimentar na frente do Palácio da Tunísia, e quem ia imaginar que aquilo viraria de cabeça e pernas para o ar todo o Oriente Médio? Hoje, não temos ainda o mecanismo de lidar. Sabemos lidar com mecanismos tradicionais, com coletivos, mas não com essa particularidade.

Os planos de contingência só estão sendo feitos agora. Seria o caso de todo mundo parar para pensar e fazer autocrítica?

Acho que se tem de fazer autocrítica e, sobretudo, tirar lições. As Forças Armadas têm um plano de contingência. Agora, dada a dimensão do problema e o fato de eu ter sido ministro da Defesa, sei que os militares não saem sem ter planejamento, e isso leva um certo tempo. Anteriormente, se fizeram planos e projetos achando que o Brasil ia continuar se desenvolvendo sem parar com a perspectiva dos governos Lula e Dilma. Facilitou-se a compra, e hoje há sobreoferta de caminhões. A economia, pelo contrário, se contraiu. Isso é somado ao locaute. Tanto ficou comprovado que hoje temos 52 inquéritos abertos e investigações em curso na Polícia Federal daqueles que cometeram locaute.

Quem começou a greve, os avulsos ou as empresas?

Acho que foram os dois. A PRF era chamada para escoltar uma carga e, chegando lá, as empresas não mobilizavam seus motoristas. Não era obrigar, era simplesmente uma ordem. Então, de fato, havia interesses econômicos, o que não é permitido por lei. A greve é legal, mas o locaute, não. É isso que verificamos, que havia interesses econômicos por trás. Sem o locaute, sem o apoio de transportadoras e distribuidoras, o processo não teria começado com essa força nem se sustentado por tanto tempo. Caminhoneiros tinham reivindicações justas, mas acho que perderam a mão e, já nessa fase final, tiveram infiltração de interesses políticos para pedir intervenção militar, realização de eleições. Evidentemente que a sociedade e imprensa, reparando nisso, houve um recuo.

Há evidência de utilização de robôs e perfis falsos, todas essas técnicas de fake news, nesta greve. Isso está sendo investigado?

Estamos muito focados na questão do abastecimento, de inibir essa violência. Vamos trabalhar nisso. Mas tivemos relatórios de inteligência apontando que os ataques aconteceram, e as fake news voam de forma absurda. Isso foi uma prévia do que serão as eleições. Os EUA, a França e a Espanha não escaparam disso. É preciso muito cuidado porque os ataques têm a intenção de deturpar, redirecionar a vontade popular e soberana.

Estamos tomando providências para prevenir isso?

O ministro Gilmar Mendes, quando ainda presidente do Tribunal Superior Eleitoral, montou um grupo com o ministro da Defesa e a Abin. Não tenho participado de novas reuniões, mas acredito que devem estar trabalhando nisso.

Os estados não querem abrir mão de receitas advindas do ICMS aplicados sobre os combustíveis. Isso está sendo conversado?

Não vou citar nomes, mas quero dizer que a PRF ficou sozinha porque houve estado que mandou a Polícia Militar sair de lá. Tivemos de enviar 200 homens, ficamos sozinhos e tivemos de agir. Até que a circulação começou a se agravar e a corroer, e os governadores passaram a se empenhar mais. Mas, num primeiro momento, ninguém se preocupou e teve quem dissesse que o problema é do governo federal.

O que é mais grave? A situação da primeira semana ou esta? O que está sendo feito?

Acredito que o mais crítico foi a primeira semana. O que temos hoje é que determinados grupos, seja por interesse político, seja de poder, não querem ceder.

Quanto tempo mais o senhor acha que vai durar a greve?

Não tenho uma previsão. Isso já não é uma questão dos caminhoneiros em si, é a questão da violência, sobretudo a violência política. Por isso mesmo, criamos uma central de atendimento àqueles coagidos para fazerem denúncia e mandarem registro para que possamos fazer algo.

Como a greve dos petroleiros está sendo vista? Não pode ser um elemento de reaquecimento?

Ela preocupa, não vamos deixar de dizer isso. Em conversa com a Petrobras, havia uma avaliação de que em greves passadas não aconteceram grandes adesões. E tem reserva técnica. Ouvi isso do próprio Pedro Parente.

Não é necessário usar mais a força?

Acho que o exercício da força tem de ser proporcional. Nós tivemos uma dissolução, hoje (ontem), de aproximadamente 600, 700 pontos de paralisação. Só se utilizou o choque da Polícia Rodoviária Federal 25 vezes, em um total de 700 e tantas.

Estamos a quatro meses das eleições. O governo teme chantagem de outras categorias?

Isso é inerente à democracia. O período eleitoral é bastante instável, e o Brasil vive um período de mau humor. As pessoas estão apreensivas, mas não vejo ninguém relevante hoje no Brasil que esteja apostando no caos ou no fim da democracia.


Esta greve mostrou um certo isolamento político do presidente Temer. Como isso está sendo tratado do ponto de vista dos militares?

Num primeiro momento, há a perplexidade com que a sociedade tomou pé, e todo mundo citou como exemplo o Executivo. Todo mundo ficou parado para ver no que ia dar. O segundo momento é a questão de o governo conseguir ser resiliente. Aí, veio o momento eleitoral, e todo mundo tirou casquinha. O momento seguinte foi quando caiu a ficha e todo mundo percebeu que está no mesmo barco. E qual é barco? Calendário eleitoral democrático.

A imagem do governo sai enfraquecida?

Sim, qualquer governo que convive com uma situação como esta sai com arranhão, porque uma parcela da população sempre põe a conta na autoridade, só que não é só a autoridade federal. Ao mesmo tempo, isso também significa que o governo tem resiliência e capacidade de liderança, de superar, mas a longo prazo a popularidade é perdida ou ganhada. O governo agiu legitimamente, tomou a decisão correta.

E como isso afetará a gestão do país?

Há um grande impasse. Nós somos herdeiros de uma política, volto a dizer, que trabalhava e se acostumou a trabalhar com instituições. São permanentes, estáveis, coletivas. O caminhoneiro sabe o que é uma medida provisória, o quórum disso? Ele tem cultura, é claro. Mas ele olha para aquilo e não quer saber disso, sobretudo com o descrédito das instituições. Se você quer derrubar governos, a internet é um raio. Agora, para governar, ninguém sabe.

O maior imprevisto vai ser a eleição, então?

Hoje, na minha experiência, nós estávamos nos indagando o que é, como é, como será. Quem pode dizer?

Colaborou Leticia Cotta, estagiária sob supervisão de Paulo Silva Pinto e Cida Barbosa