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Politica

Artigo: A quem interessa esta greve?

"Existe uma crise, uma guerra em curso e uma chance sem precedentes de mudar nossa história. Saibamos votar e defender a democracia, que não pode ser abalada pela ineficiência dos poderes constituídos"

Há no seu encalço e no meu uma pergunta que persegue o juízo, lateja na mente, martela na alma e agoniza sem resposta: quando acabará o movimento dos caminhoneiros? Ainda que seja essa a indagação mais repetida, há outras: como será o fim da paralisação? Com força e resistência ou mediante acordo, que parece difícil e pouco viável devido à complexidade das reivindicações, à pulverização de lideranças, à falta de estratégia do governo? Como o Brasil sairá disso? Que lições poderemos tirar? Em tempos de narrativas de WhatsApp ; em que fake news, piadas e realidade têm a mesma escala de importância e envolvimento ; no que realmente podemos acreditar? Greve de trabalhadores ou locaute de empresários?

Há dúvidas e angústias a perder de vista. Aguardamos o desfecho da paralisação dos caminhoneiros com o temor de quem conta os litros finais de gasolina no tanque do carro ou os alimentos que ainda restam na despensa. O desabastecimento e a impossibilidade de ir e vir são condições a que o brasileiro mirava com razoável distância até poucos dias atrás. Não mais que de repente, a população tornou-se refém. Faz fila em postos, corre para o supermercado e mostra o seu lado mais humano ; para o bem, sendo solidário; para o mal, pensando apenas em si e na própria sobrevivência, o que de alguma forma também é justificável.

Apesar disso, pode-se identificar na vizinhança, na família, nas redes sociais vestígios bastante evidentes de que a maioria reconhece legitimidade no movimento. A radicalização, a insistência e a resistência dos manifestantes são traduzidas como um cansaço da categoria e de todo o povo brasileiro em relação a governos que viram as costas para as principais reivindicações da população. Uma hora, a insatisfação sai da bolha, ganha vida, corpo, alma, discurso, ação, dimensão.

A atual situação não é fácil, mas era previsível. Governos são normalmente bastante competentes para postergar problemas que crescem de forma assustadora, fermentados pela omissão. Normalmente, são resultado de anos e anos de ouvidos moucos, promessas não cumpridas, pouco apego para encontrar soluções reais que demandam investimentos e tempo. Sobram paliativos, placebos que perdem eficácia do dia para a noite. Taí o resultado. Não faltam recados diários, claríssimos, de que a paciência do cidadão pode ser elástica, mas há limite. Agora o problema é outro: como conter os ânimos? Como garantir o bom senso? Como trazer de volta a normalidade?

Estamos a poucos meses de uma eleição dificílima. É perceptível o uso político do movimento grevista. Há casuísmos de todo lado. Identificar esses sinais, reconhecer notícias e alarmes falsos no meio do caminho e evitar a interferência de tudo isso nas próximas eleições é tarefa hercúlea. Mas há uma verdade impossível de negar: o Brasil não aguenta mais o Brasil como é ; cheio de desmandos, de falsos interessados nas reais soluções, de mordomias para uns e sufoco para outros. Existe uma crise, uma guerra em curso e uma chance sem precedentes de mudar nossa história. Saibamos votar e defender a democracia, que não pode ser abalada pela ineficiência dos poderes constituídos, todos eles em parte culpados pela atual situação.