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Para onde vão os 14 milhões de votos que eram de Joaquim Barbosa?

Com a desistência de Joaquim Barbosa da candidatura ao Palácio do Planalto, presidenciáveis se sentem aliviados e buscam os eleitores do ex-ministro do STF


Depois da surpresa, a primeira reação dos presidenciáveis com o abandono da candidatura de Joaquim Barbosa (PSB) foi de alívio. O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) representava uma atração de votos incomparável no cenário eleitoral recente. Na primeira testagem, Barbosa acumulou 14 milhões de votos, percentual muito maior que o de qualquer outro político na mesma condição, e assustou os adversários. A saída dele pode acabar com as chances de os pessebistas encabeçarem alguma chapa, o que coloca novamente no radar a possibilidade das coligações.

Com pinta de outsider, Barbosa declarou motivos pessoais para desistir da candidatura, que anunciou pelo Twitter antes mesmo de o partido se pronunciar. A notícia não agradou ao presidente do PSB, Carlos Siqueira, que disse ao Correio que uma reunião na próxima semana resolverá a questão. A desistência de Barbosa estava entre as possibilidades, admite o líder pessebista, mas nunca foi encarada como uma possibilidade real. Tanto que não há plano B.

;Ele estava com ressalvas. Aí, falei: olha, ministro, só vale ser candidato se tiver muita vontade. Se não tiver, melhor desistir. Foi o que ele fez.; Com a mudança no cenário, foi convocada uma reunião em tom de emergência. ;A executiva deve se encontrar nos próximos dias, talvez na semana que vem, para ponderar tudo o que aconteceu. Não há plano B, então, o mais provável é que não exista outro candidato;, complementou Siqueira.

[SAIBAMAIS]Nascido em Paracatu, Barbosa, 63 anos, enfrentou muitas dificuldades antes de chegar à presidência do Supremo. Também figurou na lista das 100 pessoas mais importantes do mundo, em 2013, e foi relator dos mais emblemáticos processos de combate à corrupção em âmbito nacional até então. Era o perfil ideal para levantar a bola de um partido que queria andar ao lado dos grandes, chegando ao Planalto.

Foi a escolha de Siqueira, que saiu derrotado com o declínio. Por isso, evita falar sobre coligações. Para ele, ainda é um tema muito delicado para se tratar imediatamente após uma notícia dessas. ;A decisão será tomada em conjunto, mas ainda não sabemos em que tom isso ocorrerá;, detalhou, ao ser questionado sobre uma parceria com Ciro Gomes. Entretanto, o pedetista seria uma escolha natural dos governadores, que podem pressionar o partido em busca do embarque em uma chapa presidencial.

A pressão dos caciques, aliás, pode favorecer o namoro entre PDT e PSB. Diálogos foram abertos ainda em 2017, mas paralisaram após o desejo dos pessebistas em emplacar Barbosa. O presidente pedetista, Carlos Lupi, afirmou que a tendência, agora, é fortalecer as conversas. ;Já tínhamos diálogos permanentes com a direção. Vamos intensificá-los para ver se finalmente essa aliança sai. Mas vamos respeitar o tempo de cada um;, destacou.

União

Sem Barbosa, a probabilidade de selar uma união entre os dois partidos é cada vez mais real, e tem tudo para agradar a gregos e troianos. Para o PSB, é a chance de fortalecer o partido no cenário nacional, que já conta com cinco governadores. Para o PDT, significa o fortalecimento do capital político para emplacar a candidatura de Ciro, que inclui mais recursos e minutos de televisão no horário eleitoral gratuito.

As negociações ainda vão avançar, mas a possibilidade de o PSB emplacar um nome para a vice-presidência da chapa de Ciro não está descartada, admite Lupi. ;Isso faz parte do jogo político;, destacou. Ele não acredita, no entanto, que este espaço será ocupado por Barbosa. ;Acho pouquíssimo provável. Não é a natureza do Joaquim. Se não quis ser candidato a presidente, ele vai querer ser vice? Acho pouquíssimo provável. Mas tudo pode acontecer;, justificou.

Para Lupi, é necessário analisar o perfil do eleitorado do ministro aposentado. Independentemente disso, o comandante pedetista avalia que a situação é favorável para o crescimento da candidatura do partido. ;Acho que Ciro fica sem grandes concorrentes na área (da esquerda);, ponderou. Os demais candidatos fazem contas favoráveis em relação aos votos.

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB), avaliou como ;sábia; a opção de Barbosa, mas criticou o magistrado. ;Ele tem suas qualidades, que são de conhecimento do povo brasileiro. Todavia, já havia colocado meu pensamento no sentido de que, para o exercício da Presidência, são necessárias algumas qualidades, que o ministro ainda não havia demonstrado, principalmente articulação política e, digamos, até um conhecimento mais amplo das questões nacionais;, afirmou.

Após a movimentação de Barbosa, aumentou a lista de presidenciáveis que desistiram de concorrer ao Planalto. Além dele, há o apresentador Luciano Huck (PPS) e o cirurgião plástico Dr. Rey (PEN). João Doria (PSDB) também não está mais no páreo, mas, em vez de desistir, foi dissuadido pela legenda.

Reação dos eleitores

Os votos de Barbosa parecem não ter dono. Pelo menos de imediato. O auxiliar de consultório Elvis Silva da Conceição, de 25 anos, morador de Ceilândia, se diz desencantado da política. ;Sempre foi algo a se pensar, mas eu tive um pouco de esperança, de alegria por ter alguém em quem votar e confiar. Só decidi votar em alguém depois que fiquei sabendo da candidatura dele. Agora, não tenho mais candidato, vou votar em branco ou nulo, a não ser que ele volte atrás;, declarou.

Moradora do Recife, a analista de informática Andiara Rodrigues do Rego, 40 anos, criou a página ;Joaquim Benedito Barbosa Gomes para presidente; nas redes sociais para apoiar a candidatura. Com quase 23 mil curtidas, o espaço é usado para compartilhar notícias sobre o ministro aposentado. ;Virou meu candidato por sua atuação como membro do STF no julgamento do processo do Mensalão. Fiz a página porque acreditei que ele chegaria ao Planalto, e era uma maneira de divulgar. A desistência é uma pena, pois sua índole seria de grande valia para o Brasil.;

[SAIBAMAIS]A servidora Priscila Fernandes dos Santos, 28 anos, garante que votará em branco ou nulo. ;Acredito que ele não é um político e tentaria se desvincular da sujeira, para o bem do país. Precisaríamos de maior representatividade das minorias e Barbosa, como um dos poucos ministros negros que o STF teve, seria um grande símbolo. Ele tem a visão do judiciário e dos processos que bitolam o país, uma visão panorâmica dos problemas que mais afligem o Brasil.;

Ela reconhece, no entanto, que o trabalho do ex-ministro não seria fácil. ;Acho que, ao tentar se ambientar no ambiente político, Joaquim Barbosa viu que não conseguiria se soltar das amarras da política suja no Brasil. Infelizmente, vamos precisar de muito tempo para subverter a ordem no Brasil.;

Reações dos adversários


Marina Silva (REDE)
;Respeito o debate interno do PSB, mas destaco a identidade programática que cruzou nossos caminhos (em 2014).
Mas a decisão do ministro ainda é muito recente. É preciso dar tempo ao PSB para debater a decisão;

Henrique Meirelles (MDB)
;O ex-ministro Joaquim Barbosa tomou uma decisão de cunho pessoal, e eu respeito essa opção.
Ele deu uma importante contribuição ao país por tudo o que fez na vida pública. Foi um personagem relevante da história recente do Brasil;

Geraldo Alckmin (PSDB)
;É uma perda, porque precisamos de novas lideranças como ele, com mais participação e serviços para o Estado. Tenho certeza que, se não for como candidato, a participação dele será de outra forma;

Álvaro Dias (PODE)
;Ainda é difícil avaliar qual candidato ganha com a decisão de Barbosa de não entrar na disputa, mas uma decisão personalíssima como essa precisa ser respeitada. Não dá para ficar especulando;

*Estagiária sob supervisão de Leonardo Cavalcanti