O Supremo Tribunal Federal (STF) está a apenas um voto de encerrar o julgamento sobre a restrição do foro privilegiado para deputados e senadores. Na sessão de hoje, o ministro Gilmar Mendes vai proferir o último voto sobre o tema. Dez ministros já se posicionaram no sentido de que a prerrogativa seja mantida apenas para crimes cometidos por parlamentares no exercício do mandato. Apesar de ser um passo contra a impunidade, a decisão, como está sendo tomada, afeta apenas 1% de todas as autoridades com direito ao benefício em todo o país. A decisão leva parlamentares a uma corrida desesperada pelo foro.
O caso foi tema de uma sessão que ocorreu em novembro do ano passado. Até então, oito ministros tinham votado. Sete deles, ou seja, a maioria, avaliaram que devem ser desvinculados do Supremo crimes cometidos pelos políticos que não têm ligação com a atividade legislativa, mesmo que ocorram durante o exercício do mandato. Neste caso, por exemplo, um deputado acusado por homicídio, furto ou abuso sexual passa a responder pelos atos na justiça comum. Na Corte, há um debate sobre o que é um crime ; ou quais ; cometido no exercício do mandato.
Em sessão plenária na tarde de ontem, mais dois magistrados se posicionaram a favor da restrição ao privilégio. No entanto, os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski seguiram o entendimento do ministro Alexandre de Moraes, e defenderam que o STF deve manter na Corte todos os processos de crimes cometidos durante o mandato, mesmo que não tenham relação com a atividade parlamentar.
Segundo Lewandowski, é necessário preservar o que diz a Constituição Federal sobre o julgamento de integrantes do Poder Legislativo. Para o magistrado, uma alteração mais profunda na abrangência do foro privilegiado só pode ocorrer por meio de uma emenda constitucional que seja aprovada pelo Congresso Nacional. ;Já temos 8 votos e agora, nove. Eu entendo que se adotarmos essa saída sugerida pelo Moraes, estaríamos de certa forma conservando o cerne da garantia que cerca uma atuação independente e autônoma dos parlamentares;.
Mesmo sem votar, Gilmar Mendes opinou sobre o tema. Ele deu a entender que pode solicitar que a decisão tomada pelo STF seja válida para todas as autoridades com foro por prerrogativa de função, o que incluiria ministros de Estado, integrantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, entre outros. ;Por que parlamentar não terá mais foro, mas promotor de Justiça que fez concurso público terá? Se isso vale para deputado, valerá para juízes e comandante do Exército?;, indaga Gilmar Mendes.
O Correio apurou que essa possibilidade está sendo discutida por pelo menos três ministros desde a noite de ontem. A presidente do tribunal, Cármen Lúcia, é uma das que têm mostrado descontentamento com a fraca abrangência da decisão.
Apenas 1%
De acordo com dados da Consultoria Legislativa do Senado, em todo o país, 54 mil autoridades têm foro privilegiado. O benefício engloba 16 mil autoridades estaduais, como deputados, vereadores e prefeitos, 2.381 desembargadores e juízes, 2.389 membros do Ministério Público da União, 10 mil membros do Ministério Público estadual, 564 parlamentares federais. Já um levantamento da Fundação Getúlio Vargas mostra que existem 431 inquéritos e 101 ações penais contra políticos no STF. Um mesmo processo pode ter mais de um denunciado. A restrição de foro para 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) representa apenas 1% do número total de privilegiados.Divergência
A votação no STF levantou críticas de alguns parlamentares, principalmente por não afetar integrantes de outros poderes. O deputado Daniel Vilela (MDB-GO), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara, afirma que ;é totalmente a favor da perda do foro;, mas não concorda com a retirada da prerrogativa apenas para os parlamentares. ;Tem que ser para todo mundo. Senão, faremos uma carta para os privilegiados. E a ideia é justamente o contrário. Na CCJ, temos uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional) sobre o tema. A Câmara tem que parar de ser omissa e votar logo esse negócio.;Segundo Ivan Valente (SP), líder do PSol na Câmara, ;essa história de perder o foro sempre foi algo esperado. Sempre acreditei que isso aconteceria em breve;. O deputado, entretanto, aponta que a mudança pode fazer com que ;você dá margem para o juiz interpretar tudo o que quiser; como crime comum. A sugestão de Ivan é a mesma de Vilela, abrir um debate na Câmara para tratar do assunto. Já existe, aliás, a indicação dos integrantes de uma comissão própria para tratar do tema ; ainda que ela sequer tenha sido instaurada.
Entenda o caso
AdiamentosA discussão sobre o foro privilegiado teve início no STF há cinco anos. O assunto foi adiado diversas vezes. No ano passado, uma denúncia de corrupção contra o ex-deputado Marquinho Mendes reacendeu o tema. Atualmente, ele é prefeito da cidade de Cabo Frio (Rio), e chegou a sair e voltar ao cargo entre 2016 e 2017. A troca de cargos fez com que o processo de Marquinho mudasse diversas vezes de competência, entre STF, Justiça de 1; instância e STJ. O MPF, então, pediu que o foro fique restrito aos crimes cometidos durante o mandato e que estejam ligados à função exercida. Dez ministros votaram pela restrição do foro somente para crimes cometidos no exercício do cargo. O ministro Gilmar Mendes ainda não votou. O STF ainda precisa decidir o alcance da decisão que pode ser tomada hoje.