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Politica

Procuradores de Curitiba reagem à transferência do caso de Lula para SP

Procuradores responsáveis pela investigação da Lava-Jato afirmam que tirar das mãos de Sérgio Moro os trechos da delação da Odebrecht sobre Lula cria um "lamentável tumulto processual"



A decisão da 2; Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de enviar parte das delações da Odebrecht que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Justiça Federal de São Paulo desagradou aos procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba. Para manifestar o descontentamento, os integrantes enviaram uma carta ao juiz federal Sérgio Moro, da 13; Vara Federal de Curitiba, e afirmaram que a decisão da Corte não muda a competência de julgar processos referentes a Lula.

No documento, diversos trechos demonstram a insatisfação dos integrantes do Ministério Público com o entendimento do Supremo, considerado ;superficial;. A carta também é assinada por Deltan Dallagnol, um dos coordenadores da operação que investiga crimes de corrupção na Petrobras. Em uma parte do texto, os procuradores afirmaram que o STF ignorou fatos relativos ao processo. No caso, a referência de que as investigações estariam em fase embrionária não tem qualquer sustentação na realidade, já que há uma ;larga e profunda investigação conduzida sobre os fatos envolvendo o Sítio de Atibaia;, diz a nota. Por duas vezes a turma do STF havia decidido manter as delações com Moro, mudando o entendimento apenas na última terça-feira.

O que procuradores defendem é que as provas foram colhidas, em parte, muito antes da colaboração da Odebrecht, e lembram que há fatos conexos envolvendo benefícios concedidos ao ex-presidente Lula pela empreiteira OAS. Assim, eles afirmam que a decisão da Corte não tem por objeto a modificação de competência, mas sim o ;mero encaminhamento de termos de colaboração;. ;Apesar do lamentável tumulto processual gerado pela remessa de depoimentos a uma jurisdição diversa da definida nas vias ordinárias, ignorando realidade conhecida, a decisão majoritária da 2; Turma do STF não tem qualquer repercussão sobre a competência desse douto juízo para processar a presente ação penal;, concluiu o texto.

A Procuradoria-Geral da República afirmou que o assunto ainda está sendo discutido entre os procuradores. O órgão decidiu aguardar a publicação da decisão do STF para definir qual caminho será adotado. ;Uma das possibilidades que está sendo estudada é a de apresentação de embargos de declaração;, disse em nota. Se concluído, será levado para a mesma turma do Supremo.

O entendimento da 2; Turma, no entanto, é de que os depoimentos de ex-executivos da empreiteira, que relatam fraudes na compra do um terreno para o Instituto Lula e do Sítio em Atibaia, não têm relação com os desvios na Petrobras. Com isso, abriu-se uma brecha para discutir se Moro tem ou não competência para julgar os próximos casos de Lula, e pode dar margem para os argumentos de defesa do ex-presidente.

Pedidos de afastamento do juiz Moro de denúncias contra o ex-presidente Lula já ocorreram na ação penal relacionada ao tríplex do Guarujá. Mas foram negadas pelo Tribunal Regional Federal da 4; Região (TRF-4). Em dois recursos apresentados pela defesa do petista, os advogados pedem que o processo que levou o ex-presidente para a cadeia seja anulado, por ter sido ;julgado por um juiz que não tem competência jurisdicional para isso;. O primeiro questionamento, um recurso especial, foi protocolado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o segundo, um recurso extraordinário, está em tramitação no STF. Ambos, se o entendimento da 2; Turma do Supremo for seguido, podem resultar na anulação de todo o processo.

O professor Ronaldo dos Santos, que dá aulas de direito penal na Fundação de Estudos Sociais do Paraná (Fesp), avalia que mesmo com parte do processo sendo remetida para São Paulo, Moro pode solicitar o uso das provas no processo contra o petista. ;Eu não vejo prejuízo para o curso do processo. O depoimento dos delatores ainda pode ser usado pela Justiça Federal do Paraná. O que ocorre é que os delatores serão processados em São Paulo. Mas isso não impede, a princípio, que sejam convocados pelo juiz Sérgio Moro para prestar depoimento;, afirma.

Porém, para o professor do curso de pós-graduação de direito penal da Faculdade de Direito do IDP, em São Paulo, Conrado Gontijo, é possível que essa decisão traga consequências no futuro, inclusive no caso do tríplex. ;Em uma decisão que o Moro proferiu em relação a um pedido feito pela defesa, ele sinalizou que não existiam nos autos, elementos que apontassem de forma concreta que a doação do tríplex teria relação com a Petrobras;, explicou. ;Essa manifestação do Supremo sinaliza para a possibilidade técnica de que essa discussão seja feita;, afirmou.

Confusão


Os fatos revelados pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, trouxeram a público um emaranhado de acontecimentos que se firmam no pagamento de propina por parte de empreiteiras para políticos e funcionários públicos, que influenciaram em contratos realizados pela Petrobras. Esse esquema se desdobrou em diversos estados e das mais diversas formas. Lula é apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como o chefe do esquema. Entre as acusações estão a de que o ex-presidente recebeu propina da empreiteira OAS, que fechou contratos com a Petrobras.

Um desses contratos é referente à refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Os trechos das delações referentes a essa fraude foram remetidos pelo STF a Justiça estadual pernambucana. Outra acusação se refere ao sítio de Atibaia, em São Paulo. Essa é uma das ações mais polêmicas que envolvem o ex-presidente. Neste processo, ele é acusado de receber um sítio, que foi reformado por três empresas, Schahin, Odebrecht e OAS, envolvidas na Lava-Jato. O caso foi denunciado ao juiz Sérgio Moro em maio de 2017. O imóvel, localizado na cidade de Atibaia, no estado de São Paulo, está registrado no nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna, que são amigos do ex-presidente e sócios de Fábio Luís da Silva, conhecido como Lulinha, filho de Lula.

A Polícia Federal encontrou uma nota de compra dos pedalinhos que ficam no lago do sítio. O documento está no nome do subtenente Edson Antonio Moura Pinto. Ele é integrante do Exército Brasileiro e faz a segurança do ex-presidente Lula. No Brasil, todos que ocuparam o cargo de presidente da República possuem, de forma vitalícia, uma equipe de assessores e seguranças à disposição. Apesar do envolvimento de três empreiteiras no esquema, o STF entendeu que não existe relação direta com os desvios na Petrobras. Por isso, o assunto deve ser tratado de forma regional pela Justiça.