Jacqueline Saraiva
postado em 15/03/2018 08:54
Mulher, negra, mãe, feminista, socióloga, "cria da favela", como ela mesmo gostava de falar. Nascida no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, em 27 de julho de 1979, Marielle Francisco da Silva, a Marielle Franco, era referência na luta pelos direitos humanos. A mais recente conquista na área foi o mandato de vereadora na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, eleita pelo PSOL.
Aos 38 anos, Marielle Franco foi brutalmente assassinada a tiros no bairro Estácio, no Centro do Rio na noite de quarta-feira (14/3). O motorista Anderson Pedro M. Gomes, 39, que dirigia o veículo também morreu. Pela esposa, foi descrito como "um pai amoroso e um marido maravilhoso". O chefe da Polícia Civil do Estado do Rio, Rivaldo Barbosa, não confirmou que se trata de execução, alegando sigilo nas investigações, mas disse que a polícia "não descarta nenhuma possibilidade" (veja o que se sabia sobre o crime na tarde desta quinta-feira).
Com bolsa integral, após ser aluna do Pré-Vestibular Comunitário da Maré, Marielle Franco se graduou em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Durante os estudos na PUC, ela não se envolveu com movimentos estudantis, por conta da pouca disponibilidade de tempo, dividido entre estudos e trabalhos para sustentar a filha Luyara, nascida quando Marielle tinha 19 anos. Hoje, a jovem tem 18 anos.
Com o diploma de socióloga, ela, que já tinha trabalhado como educadora infantil na Creche Albano Rosa, na Maré, se tornou professora e pesquisadora respeitada. Depois, virou mestre em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Ações contra a violência nas favelas
A vida na política foi dedicada à militância na defesa dos direitos humanos e contra ações violentas nas favelas. A luta foi impulsionada após a morte de uma amiga, vítima de bala perdida, durante um tiroteio envolvendo policiais e traficantes de drogas na favela onde nasceu e viveu.
[SAIBAMAIS]Marielle Franco integrou, em 2006, a equipe de campanha que elegeu Marcelo Freixo à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Após a posse dele como deputado, foi nomeada assessora parlamentar dele. Depois, assumiu a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da assembleia.
Há dois anos, na primeira disputa eleitoral, foi eleita com 46.502 votos para o cargo de vereadora na capital carioca pela coligação Mudar é possível, formada pelo PSOL e pelo PCB. Marielle Franco foi a quinta mais votada na cidade. Sua trajetória acadêmica e política lhe valeu a declaração pública de voto de 257 acadêmicos e professores, que declararam apoio a Marielle.
"Nossa conta era de superar cerca de 6 mil ou 6,5 mil votos. Até o último minuto no sábado à noite a gente estava fazendo campanha. Fiquei muito feliz com essa votação expressiva porque eu acho que é uma resposta da cidade nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas", disse ela pouco depois dos resultados.
Carismática, gritava com orgulho uma frase de efeito que arrancava aplausos da plateia: "Lugar de mulher é onde ela quiser".
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Crítica da intervenção federal
Marielle Franco era crítica da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Há duas semanas, ela assumiu a função de relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio, criada para acompanhar a atuação das tropas na intervenção.
Nesta quinta-feira (15/3), em homenagem a ela na Câmara dos Deputados muitos parlamentares criticaram a intervenção na capital fluminense. O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) avaliou que o duplo assassinato é uma falha da intervenção. Já o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, defendeu a ação do governo Temer .
Em 10 de março deste ano, ela havia denunciado, em seu perfil no Facebook, indícios de que policiais do 41; Batalhão de Polícia Militar haviam cometido abusos de autoridade contra os moradores do bairro de Acari. "O 41; Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari", escreveu a vereadora, usando uma imagem onde havia a frase "Parem de nos matar".
No Facebook, o Coletivo Fala Akari lamentou a morte de Marielle e ressaltou ainda a responsabilidade do Estado pela morte da vereadora. "Nós não estamos aqui afirmando que foi o Batalhão X ou Y, mas estamos dizendo que, mesmo com outros lugares no Brasil com números de violência bem maior que o Rio de Janeiro, se este estado está na situação que está ninguém, além do Estado, é o maior culpado de mais essa morte", escreveu. .
Morta a tiros no Centro do Rio
Quando foi morta, Marielle voltava de um evento chamado "Jovens Negras Movendo Estruturas", na Lapa. Um carro emparelhou com o veículo de Marielle e foram efetuados ao menos nove disparos. Cerca de quatro tiros atingiram Marielle na cabeça, de acordo com a investigação da polícia. Uma assessora da vereadora, que também estava com os dois no carro, ficou ferida pelos estilhaços. Ela foi socorrida e passa bem.