Natural de Barreiros, uma cidade da zona da mata pernambucana de apenas 42 mil habitantes e com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M), o general Joaquim Silva e Luna deixou a família há 50 anos para fazer a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), no Rio. Na última segunda, ele foi chamado para o maior posto no serviço público ao ser anunciado pelo presidente Michel Temer como ministro interino da Defesa. A pasta, criada em 1999, tem pela primeira vez um militar no comando. O protagonismo dos oficiais com a intervenção federal no estado fluminense abriu o debate político, principalmente por causa da surpresa com a ação do Planalto, chamada de eleitoreira pela oposição.
“Os militares não são usados politicamente, posso afiançar que não”, disse Silva e Luna em entrevista ao Correio na tarde da última sexta, no terceiro andar do Ministério da Defesa. “O que é mais urgente no momento? Ninguém duvida que segurança pública, particularmente no Rio. Podia esperar mais? Acho que não”, completou. Filho de pais analfabetos, Silva e Luna foi chefe do Estado Maior do Exército, comandou a missão militar de instrução no Paraguai e foi adido em Israel. O general defende mudanças nas regras para os confrontos, mas acredita que, mesmo sem alterações na legislação, é possível que a intervenção apresente resultados.
O senhor assume a Defesa em um momento delicado por causa da intervenção no Rio. Como o senhor avalia a intervenção?
Criou-se uma impressão de que seria uma intervenção militar e que as Forças Armadas iriam para lá. Falso. Aquele cargo pode ser ocupado por um juiz, advogado, delegado, jornalista, não há diferença. Definiu-se um militar num entendimento razoável pois está havendo uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), então a ideia foi a de juntar as duas coisas. Ficou bem claro que a intervenção era apenas na área de segurança pública que vai ao encontro da GLO, que é a preservação da ordem pública, segurança das pessoas, do patrimônio. Como a carência no Rio é essa, há um clamor. Mas ficou a percepção de que era uma intervenção militar. Essa percepção acabou ficando.
Há uma pressão dos militares em mudar as regras para os confrontos com os traficantes, essa pressão é correta?
Todas essas operações militares e até as missões internacionais têm regras de como será travado o enfrentamento. Temos dois tipos de ameaças: a intenção hostil e o ato hostil. Por exemplo, há um cidadão com um fuzil na mão, não é normal alguém, seja homem ou mulher, com um fuzil. Isso revela uma intenção hostil. E você tem uma pessoa atirando com um fuzil é um ato hostil. Para cada situação dessa, como deve ser o procedimento militar? O militar não está sozinho, tem os comandos, mas ele precisa ter o princípio da iniciativa, que é um conceito de guerra milenar. Tem de ter regras de ataques e de defesa. Só que isso precisa ser amparado pela lei.
Mas os amparos serão criados?
Essas regras estão sendo definidas. De certa forma, já existem. Eles são suficientes, precisa mais de alguma coisa? Outra coisa que está sendo discutida são os mandados de busca coletiva. E aqui há uma coisa que não ficou clara. Por que o mandado coletivo? Por que não se faz em Copacabana? Lá, os endereços, os edifícios, estão bem definidos. Nas comunidades, você pode até definir pontos por um GPS, mas as casas são interligadas, pode-se passar de uma para outra. Sabe-se que o tráfico proíbe que se coloque muros, por exemplo. Então, como eu vou conseguir capturar ou cumprir o mandado de busca?
O debate sobre os mandados coletivos vai voltar, então?
Essa discussão existe, ela tem uma motivação para existir. Estamos tratando de resultados. Sem resultado, fica uma ação inócua. Qual é a definição do trabalho? Força versus deslocamento. Se não tem deslocamento, não tem trabalho, tem perda de energia.
O senhor concorda com a frase do comandante do Exército, general Villas Bôas, que disse ser preciso dar aos militares a garantia de agir sem risco de surgir uma nova Comissão da Verdade?
A frase é uma interpretação de cada um, uma percepção própria da realidade. O que eu acho que ele quis dizer é o seguinte: o sujeito, quando estiver exposto, que não tenha um amparo legal, poderá estar sujeito a um processo que vai ficar rodando na vida do militar que participou da intervenção. Acho que foi usada uma metáfora para reforçar uma ideia, de dar segurança jurídica para que se possa trabalhar.
E quando essas mudanças na legislação ocorrerão?
Essa discussão vai ter de seguir no Congresso, não tem escapatória. Já existem regras, como a de engajamento, por exemplo. Mas é possível avançar nessa legislação? É possível e seguramente o resultado das operações será mais efetivo, com prazos mais curtos. Se não for possível mudar, o resultado se dará de outra forma, a intervenção se dará a partir dos dispositivos que existem.
O senhor acredita que sem, as mudanças, os resultados serão baixos ou inócuos?
Eu não faço essa avaliação. Não tivemos intervenção dessa forma, onde se pode centralizar as ações de segurança pública, com as polícias Militar, Federal, Civil, Rodoviária Federal, Forças Armadas, Inteligência, todos trabalhando juntos. O resultado vai aparecer. É bom ficar claro que as regras de enfrentamento são detalhes, é refinamento, parece um mundo, mas é muito pouca coisa. O que está ocorrendo é que estamos vindo de 13 anos de missões de paz no Haiti, onde as regras de engajamento são diferentes, o militar tem uma liberdade de ação um pouco maior. A ONU dá muito mais liberdade de ação. Mas, agora, temos uma operação dentro do nosso país, as condições são outras. Assim, esse ponto de equilíbrio tem de existir, entre o desejável e o possível.
Neste momento, o protagonismo é dos militares?
Eu acho que não há esse protagonismo. Não seria razoável, em um momento em que há um clamor da sociedade por segurança pública, o presidente da República, com a união suprema das Forças Armadas, tendo gente preparada, que não usasse esses meios. A gente sabe que a Garantia da Lei e da Ordem é um momento, ele tem suas particularidades, é local, definido bem o prazo, o tempo e é um fato episódico.
Não pode ocorrer uma interpretação de que o que está ocorrendo no Rio poderia contecer no Ceará ou em Brasília, e isso virar uma necessidade?
Essa necessidade existe. Ontem (quinta), aconteceu uma reunião com todos os governadores, vice-governadores, com o presidente. O assunto foi segurança pública. Há estado que está solicitando que o mesmo apoio seja prestado, mas a ideia foi essa mesma. O clamor deles, na verdade, é que seus meios estão sucateados, o clamor principal foi recursos. Quando foi passada a responsabilidade da segurança pública para o estado, a União ficou com outras áreas de segurança, e agora acusam que não receberam os meios financeiros necessários para isso, são insuficientes. Há muito tempo, nós, da Defesa, temos trabalhado no sentido de passar uma percepção de que a defesa do Brasil é responsabilidade dos brasileiros, tem que parar de achar que esse assunto é dos militares, não é. É responsabilidade de todos os brasileiros, cidadãos fardados têm mais responsabilidade, mas não é diferente, essa percepção precisa ser melhor trabalhada para que a defesa possa trafegar com desenvoltura pela alma da nação. Você gera um consenso, é isso mesmo, sou responsável por isso, não há por que entregar um ao outro, é assunto de todos nós.
Militares não temem ser usados politicamente?
Não, posso afiançar que não. Estamos diante de uma série de prioridades. Previdência é uma delas, segurança pública é outra. Quando a gente tem um conflito de prioridades, tem que interferir pela urgência. O que é mais urgente no momento? Eu acho que ninguém duvida que segurança pública, particularmente no Rio de Janeiro, é a ação mais urgente que o governo devia fazer. Podia esperar mais? Acho que não, foi até uma decisão que retardou um pouco a tomá-la. Não digo que seria uma intervenção, mas uma ação no sentido de apoiar o Estado, que está se sentindo órfão. Essa ação foi tomada em um critério de urgência,
Já se pode falar em resultados?
Nós não conseguimos sentir os efeitos, resultados. Até porque o plano, tive contato ontem com o interventor, Braga Netto, hoje também lá no Rio, está sufocado pelo tempo, a Advocacia-Geral da União ia tratar com ele alguns assuntos. Ele não consegue ficar em dois lugares ao mesmo tempo e tomar uma decisão, então, a dificuldade fica clara. Foi chamado para uma reunião com os governadores, ficou o dia todo aqui. Ele tem dificuldade de ser onipresente. Nem a definição dos recursos ele conseguiu, tem gente trabalhando nisso, essa resposta vai ser possível daqui a mais um tempo. Está cedo porque não dá para falar em resultado.
A reação da população em pesquisas parece positiva.
Há uma esperança. A população saiu daquele sentimento de orfandade e sentiu que agora tem alguém que está olhando e juntado meios para encontrar uma solução. Aquilo não aconteceu de um dia para o outro, isso é claro. Foi uma construção no sentido de destruir, agora está fazendo um caminho inverso, é voltar ao que se perdeu.
Uma medida como essa não vai facilitar para os candidatos ligados a pautas de segurança?
Eu não acredito. Eu vejo que vai facilitar a vida da população que está carente, clamando, aquela senhora chorando, todo mundo viu pedindo socorro. Aquilo é pungente. Meu Deus, isso está acontecendo no meu Brasil e não vamos fazer nada? É isso mesmo? Isso dói na gente, quem tem família, sabe. Então, se tem efeito colateral, vai ser consequência. Quem toma medicamento depois tem que tomar outro para corrigir o machucado que sofreu.
Tem gente que acha que Bolsonaro pode ser beneficiado, outros que ele perdeu o discurso. O que o senhor acha?
Eu não tenho ligação nenhuma com ele, até porque somos de períodos diferentes. Leio na mídia o que acontece e vejo a percepção da sociedade, aparece pesquisa e a gente faz avaliações. Eleição é escolha, graças a Deus que as pessoas podem fazer escolhas de toda natureza, ruim seria que alguém não pudesse escolher um Bolsonaro da vida. A gente pode escolher todas as matrizes de pessoas, isso é bom para que o Estado apareça, a gente ficar só em um setor é ruim, a escolha fica limitada. Já tivemos esse caso, ter que escolher entre A e B ou votar em branco. Dê espaço para as pessoas escolherem.
O senhor votaria no Bolsonaro?
O voto é secreto, mas eu não parei para fazer essa avaliação, não.
Por que o cargo interino, por que o presidente não o confirmou?
Eu estou acumulando os cargos de secretário-geral e de ministro interino da Defesa, órgão em que estou há anos. Como a secretária é um cargo executivo, que trata de orçamento e de uma série de coisas, a substituição não é tão simples. É uma ilação que estou fazendo. E o presidente teria definido que todas substituições feitas agora ele manteria como interino até abril e deixaria as definições para depois desse período.
Mas o senhor ficará no cargo?
Isso não foi tratado.
A escolha do senhor para o cargo, ainda que interinamente, sofreu uma pressão por ser um militar?
Eu vejo o resultado. O fato de eu estar aqui, acho uma consequência natural. Sou militar da reserva, estou na Defesa há quatro anos, acompanho tudo que acontece no dia a dia do Ministério da Defesa e das três Forças, conheço e me relaciono bem com as três Forças. Este ano completo 50 anos de Forças Armadas, sou soldado e tenho um grande orgulho. Todo o meu caráter, minha formação, tem esse viés. O que constitui o Ministério da Defesa são três Forças Armadas — Marinha, Exército e Aeronáutica —, aqui é a administração central que conjuga e emprega ações coordenadas, cria as condições orçamentárias e financeiras para que se prepare e empregue as Forças Armadas, esse é o grande papel do ministério.
O comando político dos militares é exercido por civis, inclusive a própria Constituição estabelece isso. O Ministério da Defesa foi pensado como uma extensão desse comando político civil em relação aos militares?
Talvez valesse a pena fazer um levantamento de quantos países que fazem parte da ONU têm um ministro da Defesa militar. Pode ser que muita gente se surpreenda com essa informação. Essa percepção que está sendo conduzida vai dividir a sociedade em militares e civis, isso seria complicado. Acho que seria baixar o nível da realidade, das percepções, o Brasil já passou desse momento, ficar olhando pelo retrovisor não ajuda. Eu vi esses quatro, cinco dias aí, colocadas na mídia, com uma certa tristeza.
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Mas não seria natural?
Mas será que não foi plantado? Não sei se já pararam para refletir, essa ideia de fake news que hoje é o termo que se coloca, para se ter ideia, começou com Adão e Eva no paraíso. Quando a serpente disse que podia comer a maçã, ela estava fazendo fake news, ele comeu a maçã e criou a primeira mentira que deu certo. Qual é a finalidade? Alguém parou para pensar qual é o contrário da afirmação? A tendência é dizer que é a negação, não é. Quando coloco uma fake news e digo que não é verdade não serve de nada. O contrário da afirmação é a dúvida, a fake news estabelece a dúvida, quem plantou ganhou.
O senhor acha que o Ministério da Defesa é civil ou militar?
É o ministério para cidadão brasileiro preparado, capacitado, ocupá-lo.
Ao que o senhor atribui a pressão contra um militar na Defesa?
A evolução dos conflitos, eu estudo a arte da guerra, e o dever começou com guerra, o homem lutava para sobreviver depois foi o enfrentamento, depois criou a terceira dimensão, quando passou a usar o ar, a criação do avião, a arma de fogo e aí o combate. Estamos numa guerra de quarta geração, que chama guerra de corações e mentes e vivemos hoje uma guerra de manipulação. Você manipula as percepções, as pessoas, o que é triste. A pessoa começa a trabalhar em proveito de quem está criando aquilo. Cria uma mentira, outro repercute, esse é o trabalho de manipulação, tem havido isso.
O senhor atribui a quê?
Eu não vou nessa ideologia, não. É uma falta de conhecimento. As Forças Armadas hoje têm uma credibilidade que fica em torno de 75%. A nossa percepção é de que isso é ruim, as Forças Armadas têm que ter uma credibilidade muito alta porque o país entrega às Forças Armadas a sua defesa, sua soberania, então tenho que confiar 100%. Nossa preocupação são esses 25% da população que ainda não confiam. Essa gente não confia por quê? Porque não conhece, quem conhece confia, essa é a nossa preocupação.
O ex-ministro Aldo Rebelo disse que o senhor é o militar mais civil que ele conhece. O que ele quis dizer com isso?
O Aldo Rebelo é meu amigo. Eu digo que dei azar de não tê-lo conhecido antes. É uma pessoa com quem vale a pena conversar, trabalhamos um ano juntos no Ministério da Defesa, foi muito bom. Eu trabalhei com quatro ministros nesses quatro anos. Eu não comparo ninguém, mas ele é uma pessoa diferenciada. É um homem culto, conhece muito de história, o fato de ser do PCdoB mudou agora de partido, isso não muda nada, são as convicções das pessoas. Ele quis dizer que sou o mais civil dos militares porque não fico preso a paradigmas. A gente tem valores e convicções, mas não sou preso a nenhum paradigma. Fui assim a vida inteira, brinco que sou matuto do interior de Pernambuco, meus pais eram analfabetos, não tiveram a oportunidade de estudar, essa é minha origem. Eu conversei muito com ele (Aldo) algumas coisas e ele ficava olhando e dizia que nunca viu esse pensamento no nosso meio.
Isso inclui também o fato de não andar fardado?
Não. É porque eu sou militar da reserva, a carreira militar tem alguns padrões. Eu estou há quatro anos na reserva.
Sim, mas o ex-ministro Nelson Jobim, que não era militar, usava farda de vez em quando...
Mas aí não é farda, é fantasia.
Como está a divisão dos quadros de civis e militares, hoje, no Ministério da Defesa?
Essa é uma batalha minha, nesses quatro anos. O Ministério da Defesa não tem um quadro de servidores simples, batalhamos com isso. Eu já encaminhei para o Ministério do Planejamento um estudo feito, uma carreira de analista de defesa com todos os níveis, faz o concurso, ingressa, começa como analista e galga todas as posições, mesma coisa que a carreira civil, com remuneração e tudo definido. Eu vou correr atrás disso porque é urgente. Todos os quadros que estão aqui dentro são emprestados. Por que o Ministério da Defesa tem tantos militares aqui dentro? Porque senão não funciona. Todo mundo que está aqui dentro é cedido, civil e militar.
E qual é a proporção?
É mais ou menos metade e metade, não vou precisar para não dar um chute. Temos praça, temos os contratados, prestadores de serviço: tem uma série de áreas que precisam de segurança e tem que ter militar.
O senhor tem a preocupação de fazer esse equilíbrio?
Total. Quando a gente perde um civil aqui dentro, temos a preocupação de buscar outro e é o que tem acontecido. O orçamento financeiro era na mão de civis, tem área de desporto que está mais ou menos metade e metade. Aqui o que pega o lado militar maior é porque o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) é formado todo por militares e está aqui dentro do Ministério da Defesa, só isso aí desequilibra. O Ministério da Defesa tem dois braços: um lado é a secretaria-geral e o outro lado é o EMCFA, que é dos militares da ativa.
Vocês tiveram uma grande dificuldade de ficar de fora da reforma da previdência, mas, de qualquer forma, existe uma reivindicação grande em relação a salários. Como o senhor vê essa questão?
O que nós temos na verdade é uma defasagem grande, isso nós temos matematicamente definido, com relação a outras carreiras. Nossa defasagem está na ordem de 58%, considerando a estabilização da economia, com o Plano Real, comparando a variação da inflação e o reajuste.
As pessoas têm buscado o trabalho nas Forças?
Semana passada eu estava na academia em uma aula magna, quando entraram mulheres na Aman pela primeira vez. O concurso aprovou 40 mulheres, permaneceram 33 por condicionamento físico. A quantidade de candidatos na USP para medicina era 97, no ano passado. Para essa carreira na Aman, para mulheres, eram 290, só para ter uma ideia. A academia militar atrai muito, a pessoa vai atrás de estabilidade e outras coisas mais. Tem uma juventude aí que está carente de valores, perceberam que tem muita coisa perdida e ela busca na academia militar esse referencial de honestidade, responsabilidade, honra, sacrifício.
Os militares são mais honestos?
Jamais faria uma afirmação dessa, mas ele, por ser servidor da nação, um agente público, é orientado sempre e por nunca estar sozinho.
Até porque tem casos de exoneração por corrupção.
Tem (corrupção), eu sei que é um desvio de vocação. Isso existe em qualquer lugar, se olhar lá no Vaticano, vai ter algum acusado de alguma coisa. As Forças Armadas expurgam isso com muita energia. A Justiça Militar, diferente do que muita gente pensa, talvez seja a mais dura que tem.
Há o risco de cooptação dos militares por traficantes, principalmente os temporários?
A maior vulnerabilidade do homem é o desemprego. O desempregado perde sua honra, se sente vulnerável demais. Imagina um soldado que ficou o ano inteiro trabalhando, prestando serviço militar, tem um bom treinamento militar, físico, conhecimento de toda a área do Rio de Janeiro, terminou o sonho vai embora, ele recebia o dinheiro, tinha uma garantia, saúde, aí vai para a rua e está desempregado. É fácil trabalhar para o tráfico. Esse risco, nós temos.
Como resolve?
Essa solução ainda não existe. O pessoal que fica oito anos, as Forças Armadas procuram acompanhar, cada um na sua área, veja para qual caminho ele foi, o emprego que seguiu.
Quando o senhor teve a notícia da intervenção, qual foi a primeira reação? Pensou que os seus homens podem morrer?
Nossa vida é feita de escolhas, o homem e a mulher que ingressa nas Forças Armadas têm que saber que nossa profissão é de risco. Essa é uma das primeiras ideias que a gente passa. Você está escolhendo, saiba que sua profissão é de risco. Se não quiser, a porta de saída está sempre aberta, ninguém fica sem ser voluntário. Ao colocar numa operação, não tenha dúvida de que esse risco existe, ele é informado e são tomadas todas as medidas para que seja minimizado, se equipa o homem com proteção, dá o armamento, mas o risco existe, entra naquela viela e corre o risco de sofrer baixa. Na Maré, foram 27 feridos e uma morte.
O que o senhor acha da afirmação: “O problema do tráfico não está na favela, mas fora dela”?
É verdadeira. Eles são usados pelos grandes traficantes.
E quem são eles?
O que é que existe ainda dessa garotada mais jovem, que faz a entrega, o trabalho de imediato, entra num sistema que ele não tem saída? Porque a justiça desse grupo é imediata, qualquer desvio, eles executam. É muito duro. É inclusive o problema do sistema carcerário. Essa discussão existe hoje, que não se separe, se agregue mesmo. Estão criando uma cultura do crime, ali é o escritório do crime. As pessoas que desistiram de trabalhar para escolher uma vida mais fácil, ninguém quer passar 30 anos pra chegar num cargo de coronel, por exemplo. Eles têm 18 anos de idade, querem ter seu celular. Aí vão atrás e pegam um atalho.
Isso é uma preocupação no trabalho de intervenção?
Não tenha dúvida. Um dos vetores dessa intervenção é a inteligência. Então tem PF, Forças Armadas... A área mais importante é levantar isso. Esse pessoal tá necessariamente ali dentro? Não. Pode estar fora. Recentemente foram mortos dois em Fortaleza. Mas, se for levantado, é possível pegar essa gente.
A fronteira está aberta?
Nós somos carentes demais de meios. A fronteira é uma necessidade, a defesa da fronteira. Entra o espaço aéreo, litoral, mas nós temos 17.000 km de fronteira terrestre. Foi criado um projeto de gerência das fronteiras que é de monitoramento. Esse projeto não avançou porque o orçamento é pouco. Desses 17 mil km conseguimos implantar até agora, ainda não está 100% completo, uns 600km no Mato Grosso. Isso é a solução? Não. Mas ajuda muito, porque a gente vai combater. Isso aumenta a integração, é obrigada a integração da Polícia Rodoviária Federal. Recentemente, no Rio, tivemos uma série de apreensões, de carretes importando contrabando. Por quê? Porque criamos mais postos de Polícia Rodoviária Federal. Mais áreas de entrada, então se bloqueia todas elas, não vai se ter muita coisa.
E vai ser quando? Quanto tempo um plano desse precisa? Porque não é até o fim do ano…
A garantia é até o fim do ano. O tempo de intervenção realmente não julgo. Agora teria que ser encaminhado um resultado para sair. Mas sair sem ter uma coisa bem encaminhada, primeiro, precisa ser feita uma passagem, uma entrega.
Existe uma crítica de que as operações anteriores não tem nem mesmo balanço da atuação. O senhor concorda?
Quando a gente vai pescar, se joga o anzol, você bate na água? Não. Se fizer isso, vai ficar com o anzol lá esperando. Essas operações, quando acontecem, elas são informadas para evitar machucar pessoas. Mas eles levam o armamento, tudo, e vão embora. Na hora que estiver lá, a segurança está feita. Mas aí vão embora e voltam tudo. O remédio não é adequado àquele mal.
O senhor está dizendo então, que as operações anteriores foram pontuais e não resolveram?
Pontuais, e permitem que o grande traficante se afaste. Nós fazemos operações nas fronteiras, e isso é informado. Naquele período, o tráfico praticamente some, fica represado. Quando termina a operação, ele volta. O Estado tem que estar presente de forma permanente. Aquela ação é feita para atingir uma calamidade momentânea mas, depois ela precisa ser estabelecida.
Como a sociedade pode colaborar mais nessa guerra ao tráfico?
Hoje o imediato, e depois a continuidade. Acho que nós perdemos, há algum tempo, a guerra da educação. O combate à educação. Não houve o investimento adequado, minha geração passou por isso. Teve valores que foram abandonados. Passa pela sociedade também. Mas podem ajudar de várias formas: denunciem, revelem. Ajudem de várias formas, com informação. Ajuda a educar seus pequenos, começa a recuperar o sentido de família para dentro da sua casa. Não sei, houve uma perda de valores, crença, muito grande.
Quando se fala da questão da legalização das drogas, o senhor acha que isso ajuda ou piora?
Acho que não ajuda, não se deve legalizar o mal. Acho que desde sempre o mundo é uma luta entre o bem e o mal.
Como distinguir o menino que é preso com pouca quantidade e o traficante?
Isso passa pela área da Justiça, definir o que será colocado em determinados níveis, os que podem ser recuperados, reeducados.